quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

*Politeia

A SÉRIO

O Ministro das Finanças veio reconhecer o que toda a gente sabe: que o Estado é mau pagador. Leva uma eternidade a ressarcir das dívidas que faz os fornecedores que lhe prestam bens e serviços. Cinco meses ou mais, parece que é o tempo médio que os organismos públicos, autarquias incluídas, levam para pagar. É evidente que esta delonga no pagamento é muito prejudicial às empresas, sobretudo pequenas e médias que, como toda a gente, têm direito ao pão nosso de cada dia e que muitas vezes se vêem privadas dele pela incúria e o desplante de um Estado caloteiro.
O Ministro anuncia em público um programa que, daqui a três anos, permitirá que as dívidas do Estado sejam pagas no prazo de 40 dias. Medina Carreira estranha: se, como deve ser, as despesas estão previstas no orçamento, não se vê porque são precisos três anos e um programa especial para fazer o que será possível de imediato…
Mas não é este o ponto. O ponto é que, logo após a divulgação da promessa do Ministro, a televisão ouve sobre o assunto o Dirigente duma associação empresarial –Pequenas e Médias Empresas, se não erro. E o que diz ele em comentário à promessa do Ministro? Pois… “que não é para levar a sério”.
Eis o retrato da relação dos cidadãos com o Estado: a desconfiança sistemática. Mas o que é que se esperava depois de tantas promessas feitas e deitadas ao rol dos esquecidos.
Com uma relação assim, qual o estado se saúde da nossa democracia?
Citizen Kane
*Politeia (assuntos da polis)

sábado, 26 de janeiro de 2008

Silêncio...e a radicalidade do mundo

Há muito tempo que não vou a um Carmelo Descalço. Mas durante quase uma década, de 80 a 90, o meu quotodiano fez-se entre as correrias de fim de semana ao Carmelo de Braga, Aveiro, Porto, Crato, Viana do Castelo e a vivência silênciosa, semanal, do Carmelo no meu coração, na altura, muito dividido, entre o caminho (real) a que Deus me chamava, ao jornalismo, profissão que já exercicia; e esse outro, o do Carmelo, que eu teria gostado que Deus me tivesse ofertado para projecto de vida.

Ainda hoje, já ando nisto há 20 anos, continuo a achar que não existe outra entrega tão absolutamente oblástica, quanto esta de nos entregarmos a Deus escondidos na musica calada de que fala S.João da Cruz nos versículos da sua obra poética.

Lembro-me da primeira vez que juntei a minha voz, à voz das monjas no canto das Laudes, e às 5:50 da manhã o nosso canto era tão belo e tão enérgico, como se uma multidão de homens e de mulheres nos escutasse ou ali estivesse para avaliar as nossas performances corais.

E depois o silêncio...o trabalho em silêncio...a oração silenciosa absorvendo tudo em nós e nós no todo.

Não estou certa que o mundo reze hoje menos porque é menos silêncioso que outrora. Nem estou certa que a desacralização da Europa, possa constituir paradigma analitico para concluirmos que o mundo, hoje, reze menos que por exemplo há um século atrás. Já não tenho dúvidas nenhumas quanto ao facto de hoje, o mundo, para rezar, precisar também de testemunhos claramemente comprometidos com a pessoa de Jesus.

É aqui que vejo o sinal que as ordens contemplativas vivenciam para o mundo: testemunhos de um sinal. De um sinal radical. Mas não é na radicalidade que o mundo gosta de se exprimir?
Ana Paula Lemos




Pedaços de inteligência que uma Universidade prescindiu de ouvir...parte II

*Agora
E agora deve-se perguntar. E o que é a Universidade? Qual o seu objectivo/ função?
È uma pergunta gigantesca à qual tentarei responder de uma forma telegráfica com algumas observações.
Penso que se possa dizer que a verdadeira, íntima origem da Universidade esteja na vontade de conhecimento que é própria do homem. Ele deseja conhecer tudo o que o rodeia. Quer a verdade. Neste sentido, podemos ver no questionar socrático o impulso a partir do qual nasce a Universidade ocidental. Penso por exemplo (para mencionar apenas um texto) na disputa com Eutifrones, que em frente a Sócrates defende a religião mítica e a sua devoção. Ao que Sócrates contrapõe com a questão:” Tu crês que entre os Deuses exista realmente uma guerra recíproca e terríveis ódios e combates…Devemos dizer, Eutifrones, que tudo isto é verdade?” (6b-c). Nesta pergunta, aparentemente pouco devota, mas que em Sócrates advêm de uma religiosidade muito profunda e pura, de busca de um Deus verdadeiramente divino, reviram-se, bem como ao seu caminho, os cristãos dos primeiros séculos. Acolheram a sua fé, não de um modo positivista ou como a saída dos desejos não saciados; entenderam-na como o esvanecer do nevoeiro da religião mitológica para se abrirem à descoberta daquele Deus que è razão criadora e simultaneamente razão-amor.
Por isto, interrogarem-se sobre a razão de um Deus maior, assim como sobre a verdadeira natureza e sobre o verdadeiro sentido do ser humano, era para eles, não uma forma problemática de falta de religiosidade, mas era parte da essência do seu modo de ser religioso. Não tinham pois necessidade de desfazer ou pôr de lado a questão socrática, mas podiam, antes deviam, aceitá-la e reconhecê-la como parte da própria identidade a procura fastidiosa da razão para chegar ao conhecimento da verdade inteira. Podia, antes devia, no âmbito da fé cristã, no mundo cristão, nascer assim a Universidade

Mas é necessário dar um outro passo. O homem quer conhecer - quer a verdade. A verdade é antes de tudo uma coisa de ver, de compreender, da “Teoría”, como lhe chama a tradição grega.
Mas a verdade não é apenas teórica.
Agostinho, estabelecendo uma correlação entre as bem-aventuranças do sermão da montanha e os dons do Espírito Santo, mencionados em Isaías 11, assinalou uma reciprocidade entre “scientia” e “tristizia”: o simples saber, disse, torna-se triste. E, de facto, quem vê e aprende tudo aquilo que “vem do mundo” acaba por tornar-se triste. A verdade significa mais que saber: o conhecimento da verdade tem como fim o conhecimento do bem. Este é também o sentido da interrogação socrática: Qual o bem que é verdade? A verdade torna-se bem e a bondade é verdadeira: é este optimismo que habita a fé cristã, porque a ela foi concedida a visão do logos, da razão criadora que, na encarnação de Deus, foi revelada como o bem, como a própria bondade.

Na teologia medieval houve uma profunda discussão sobre a relação entre a teoria e a prática, sobre a justa relação entre o conhecer e o agir – uma discussão que não queremos aqui desenvolver. Com efeito a Universidade medieval com as suas quatro faculdades apresenta esta correlação. Começamos com a faculdade, que segundo a compreensão de então, era a quarta, a de Medicina. Ainda que fosse considerada mais arte que ciência, a sua inserção no cosmo da Universitas significava claramente que era colocada no âmbito da racionalidade, que a arte de curar era domínio da razão e não da magia.
Curar é um objectivo que exige sempre mais que a simples razão, mas por isso mesmo precisa de uma conexão entre saber e poder, precisa de pertencer à esfera da ratio.
Inevitavelmente aparece a questão da relação entre prática e teoria, entre conhecimento e acção na faculdade de Jurisprudência. Trata-se de dar uma forma justa à liberdade humana que é sempre liberdade na comunhão recíproca: o direito é o pressuposto da liberdade e não o que se lhe opõe. Mas aqui emerge outra questão. Como se individualizam os critérios de justiça que tornam possível uma liberdade vivida conjuntamente e servem o ser bom do homem? Impõe-se um salto até ao presente: é a questão de como pode ser encontrada uma norma jurídica que constitua uma ordenação/ orientação da liberdade, da dignidade humana e dos direitos do homem. É a questão que ocupa hoje os processos democráticos de formação de opinião e que ao mesmo tempo angustia como questão para o futuro da humanidade.
Jürgen Habermas exprime, a meu ver, uma opinião consensual do pensamento actual, quando diz que a legitimidade de uma carta constitucional, pressuposto da legalidade, deriva de duas fontes: da participação política igualitária de todos os cidadãos e da forma “ragionevole” (razoável/ raciocinável) com que as divergências políticas sejam resolvidas.
No que respeita a esta “forma ragionevole” ele faz notar que essa não pode ser apenas uma luta pela maioria aritmética, mas que deve caracterizar-se como “um processo de argumentação sensível à verdade”. Disse bem, mas é coisa muito difícil de transformar em prática política. Os representantes daquele público “processo de argumentação” são – sabemo-lo – prevalentemente os partidos, como responsáveis da formação da vontade política. De facto, esses, visam sobretudo alcançar a maioria e ocuparem-se inevitavelmente dos interesses que prometeram satisfazer; tais interesses são, porém, muitas vezes, particulares e não servem verdadeiramente o todo. A sensibilidade para a verdade é ciclicamente sobreposta pela sensibilidade aos interesses.
Eu acho significativo que Habermas fale de sensibilidade para a verdade como um elemento necessário no processo de argumentação política, reinserindo assim o conceito de verdade no debate filosófico e político.
Papa Bento XVI
*Agora (assuntos religiosos)

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Pedaços de inteligência que uma Universidade prescindiu de ouvir...

*Agora
Um sócio fundador da Associação Europa Viva, http://www.europaviva.eu/, Ângelo Silveira, arquitecto e bolseiro em Roma, enviou-nos «pedaços» do texto que uma parte da inteligência da Universidade de La Sapienza não quis ouvir, nomeadamente docentes e alunos.
Uma Universidade que não quer, ou sabe, ou deseja ouvir está morta. Devolvam a La Sapienza a força da razão ética de que fala o Papa.
«...O que pode o Papa dizer numa ocasião como esta? Em Ratisbona falei sobretudo como antigo professor daquela Universidade. Aqui, convidado como Bispo de Roma, falarei como tal. La Sapienza foi uma Unversidade do Papa. Hoje é laica, com a autonomia que desde a sua fundação, faz parte da sua natureza e à qual deve estar sempre ligada a autoridade da verdade. Na liberdade da autoridade política e eclesiástica a Universidade encontra a sua função particular, que a sociedade moderna tanto precisa.
Que pode e deve então dizer um Papa nesta ocasião? para encontrar esta resposta devo primeiro responder a duas outras questões: qual é a natureza e a missão do Papa? qual é a natureza e a missão da Universidade? O Papa é antes de tudo Bispo de Roma e como tal, em virtude da sucessão de Pedro, tem uma responsabilidade episcopal na condução de toda a Igreja. (...) Esta designação (bispo/ Episkopos/ Zelador) orienta o olhar primeiramente para o interior da comunidade crente, mantendo-a unida e orientada para Deus. Mas esta comunidade vive no mundo. A sua condição, caminho, exemplo, palavra influenciam a restante da comunidade humana. Qunato maior ela é, mais influi na sua qualidade ou no seu degrado e isso repercurtir-se-á na restante comunidade humana.Vemos hoje com muita clareza como a condição das religiões e da Igreja (suas crises e renovamentos) agitam a humanidade. Assim, o Papa, como pastor da sua comunidade é uma voz da razão ética da humanidade. Surge então uma objecção, segundo a qual o Papa não falaria tendo por base a razão ética mas antes o seu juízo de fé e por isso não poderia pretender a anuência de todos quantos não partilham aquela fé.
aqui põe-se uma questão fundamental: O que é a razão? Como pode uma afirmação - sobretudo uma norma moral - ser "racionável"? Neste ponto tenho de fazer notar que John Rawls (filósofo de política, americano) negando à doutrina religiosa o carácter de razão "pública" vê todavia nela a razão "não pública", pelo menos uma razão que não poderia, em nome de uma racionalidade secularmente empedernida, ser desconhecida àqueles que a sustêm. Ele vê como critério desta racionalidade, entre outros, o facto de doutrinas semelhantes derivarem de uma tradição responsável e motivada em que, ao longo do tempo, se desenvolveram argumentos suficientemente bons para as susterem.
Nesta afirmação pareçe-me importante o reconhecimento de que a experiência e a demonstração, ao longo de gerações - o fundo histórico da sabedoria humana - são também sinal da sua racionalidade e do seu perene significado.
Em face de uma razão a-histórica que procura construir-se apenas numa racionalidade a-histórica, a sabedoria da humanidade como tal - sabedoria das grandes tradições religiosas - é de valorizar como realidade que não se pode impunemente deitar no caixote da história das ideias.
Retomando a ideia principal. O Papa fala como representante de uma comunidade crente, na qual, durante os séculos da sua existência amadureceu uma determinada sabedoria de vida; fala como representante de uma comunidade que guarda em si (tem sob custódia) um tesouro de conhecimento e de experiência ética que é importante para toda a Humanidade. Neste sentido fala como representante de uma razão ética...»
Ana Paula lemos
*Agora ( assuntos religiosos)

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

As Contas da Hipocrisia

*Alfa e Omega
AS CONTAS DA HIPOCRISIA

Convido o leitor a debruçar-se sobre o capítulo 23 do Evangelho de S. Mateus. É o capítulo das invectivas de Jesus contra os escribas (doutores da Lei) e os fariseus. São oito as imprecações que lhes dirige, e nelas fielmente retrata a mentalidade pecaminosamente legalista dos bem pensantes religiosos da sociedade teocrática do seu tempo, a mentalidade que permitia caracterizar os pretensos justos do Povo de Deus, e ser o paradigma da conduta dos que diziam viver segundo o Espírito do Senhor, na fidelidade à Aliança que Deus fizera com o seu povo.
Como um refrão, em todas Jesus repete ai de vós, escribas e fariseus hipócritas – desde logo lançando sobre a hipocrisia o labéu de pecado maior. Entre outros mimos, não hesita Jesus em apodá-los de sepulcros branqueados – por fora parecendo puros e imaculados, mas guardando por dentro nada mais do que podridão. Serpentes e raça de víboras lhes chama também.
A esta mentalidade, que tão veementemente condenou, contrapôs Jesus a sua ideia de que em amar a Deus nos que nos estão próximos se esgotava quanto preceituado pela Lei e proclamado pelos Profetas.
Pois, embora a lei do Amor tenha sido constituída por Jesus em norma única para o novo Povo de Deus, não faltam nesse povo doutores da Lei que, na senda dos antigos judeus, parecem ressuscitar o espírito do velho legalismo. Veja-se, a título de exemplo, esta magnífica contabilização da caridade (H. Jone, Síntese de Teologia Moral Católica, Editions Salvator, 1941):
Numa necessidade grave, é-se obrigado a socorrer o pobre tanto quanto se pode, sem renunciar ao que é necessário a um modo de vida conforme ao nosso estado. No caso em que um pobre, numa necessidade grave, puder encontrar auxílio facilmente noutro sítio, não haverá obrigação grave de correr em seu auxílio pessoalmente. Numa necessidade corrente, deve-se, de um modo geral, ajudar os pobres com o supérfluo e isso, segundo muitos autores, somente sob pena de pecado venial. Não se tem de ajudar todos esses pobres, basta socorrer alguns. Aquele que, todos os anos, consagra 2% do seu supérfluo para esse fim, satisfaz, relativamente a estes pobres, o seu dever de caridade.
Palavras para quê?

J. Tomaz Ferreira

*Alfa e Omega - epigrafe do blog dedicada a assuntos religiosos


segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

A propósito da liberdade e da Igreja...

*Alfa e Omega
A censura portuguesa…


Numa das estações televisivas mais modestas da Europa dos dias de hoje, uma jornalista, tão imparcial como os seus colegas e superiores, informou «o povo » de que o Papa Clemente XVI havia renunciado a pronunciar uma conferência na abertura solene do ano lectivo da Univesidade «la Sapienza», de Roma, quer dizer, a 17 deste mês de Janeiro, por causa da oposição dos seus estudantes; ponto final.
Tudo isso é ou parece exacto, não fora tão descaradamente parcial. O Reitor da dita universidade convidara o Papa a realizar uma conferência na sessão solene da abertura do novo ano académico, e ninguém viu nesse convite qualquer anomalia ou inconveniência, até que um grupelho de extremistas descobriu ali um bom pretexto para darem a conhecer a sua pobre existência e, como é habitual, convidaram para a eles se associarem outros profissionais da agitação. O que é preciso é gritar muito, telefonar para a televisão, e, assim, multiplicar até ao infinito sua incrível indigência intelectual e moral. Em Itália, o futebol tem servido, às mil maravilhas, para manter viva essa chama de « indigência » moral que há muito ultrapassou as raias do admissível. Um exemplo: muito recentemente, a meio da viagem de deslocação de « tifosi » do Norte para o sul de Itália, aquando da paragem, a meio-caminho, um jovem foi vítima de uma bala que, não, não lhe dera destinada. Pais e amigos vieram à televisão protestar contra a morte do jovem calmo, sereno, exemplar, e toda a gente compreendeu e se associou a essa infelicidade. Pois, esse « tifoso» exemplar tinha no bolso só duas pedras…
A sra. Judite de Sousa, não tinha certamente pedras nos bolsos, quando se esqueceu de informar os portugueses que toda a classe política, sem excepção, condenou essa vergonhosa intransigência ideológica de um grupelho, a começar pela « rifondazione comunista», à qual pertence o presidente da Câmara dos Deputados. Nessa mesma hora, o Presidente da República, igualmente sócio da «rifondazione» condena verbalmente comportamento tão oposto ao da liber-dade de opinião, e momentos depois, envia ao Papa uma carta a pedir desculpa por tamanha intolerância.
Os italianos têm à escolha, às 7 da tarde, entre, vários telejornais, tanto da Rai ( 4 canais), como da Mediaset (3 canais) ou da Sky News, que das várias dezenas de canais tem 4 telejornais em emissão permanente. Sob este ponto de vista, os emissores portugueses têm a vantagem de disporem, pelo menos, de mais uma hora sobre a maioria das outras televisões europeias, na preparação dos telejornais. Consequentemente, na mesa da RTP já estava há muito, não só a notícia e as imagens da oposição à conferência do Papa, mas também a clamorosa resposta que o outro povo de Itália lhe deu. A sra. Judite, meteu-a no bolso…

Os protestos prosseguiram imparáveis; sob a égide do director do « Il Foglio» Jorge Ferrara, intelectual agnóstico de reputação mundial, centenas de romanos organizaram uma vigília de protesto, que atingiu o seu auge, ontem, aquando da sessão solene da abertura do ano académico. A condenação unânime da manifestação de segunda-feira, foi bem vincada pela voz do Reitor, ao afirmar que « ia endereçar um novo convite ao Papa ». Não menos pertinente foram as palavras do Presidente da Câmara de Roma, futuro primeiro ministro de Itália.

O que precede põe em relevo a unanimidade e rapidez da resposta que a Itália soube dar ao extremismo tão intolerável como bacoco.
Os extremistas romanos esqueceram que o Papa é um chefe de Estado, e que é simultaneamente, o Chefe da Religião Católica, religião que no decorrer de vinte séculos, prestou e continua a prestar inegáveis serviços a toda a humanidade; o Papa é igualmente Bispo de Roma. Bento XVI é, inegavelmente, um dos maiores intelectuais do nosso tempo, seja qual for a crença ou religião de cada um. A Igreja tem suscitado por esse mundo adiante atitudes de conciliação, abrindo caminhos de paz e tolerância que ninguém contesta, antes pelo contrario, a elas se associa Não foi a Comunidade de Santo Egídio que conseguiu obter a paz em Moçambique?
A camuflagem da RTP está agora envolvida « no manto diáfano » do silêncio da Igreja Portuguesa, perante esta ofensa ao Sumo Pontífice, à liberdade de expressão, e à verdade.
Neste domingo, na Praça S.Pedro eram só 200.000 os italianos, católicos e não católicos, que ali acorreram para exprimirem sua solidariedade ao Papa e à liberdade de expressão, como muitos afirmaram.
Fernando Moura
*Alfa e Omega (assuntos religiosos)

domingo, 20 de janeiro de 2008

*Alfa e Omega

CATÓLICA

Foi na minha última visita a Roma que me foi dado sentir com mais intensidade a natureza católica da Igreja minha mãe. Houve, durante essa visita, dois momentos sucessivos que se me conjugaram cá dentro e me provocaram a sensação (sabida e ressabida pela mente, mas nunca vivida como então) da universalidade da Igreja – católica quer dizer isso mesmo: universal.
Primeiro, foi a visita às Catacumbas de S. Calixto para, nas entranhas da turfa romana, poder contemplar os testemunhos da Fé que os irmãos que me precederam de muitos séculos já então professavam expressa no desenho do peixe (ikhthus, em grego) a exprimir a verdade primordial da Fé: Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador. E eu, que me orgulho de ser cristão, senti-me um elo mais na cadeia da Fé que, atravessando a cadeia dos séculos, testemunha a Boa Nova de que Deus amou o mundo a ponto de lhe enviar o Seu Filho para o salvar. Era a catolicidade no tempo, o sentir-me parte duma comunidade que, de geração em geração, foi entregando (tradição = entrega) aos que chegavam o testemunho duma Fé que assim se ia rejuvenescendo.
Depois, foi a audiência papal – no pontificado ainda de João Paulo II. E não foi o blá blá blá mais ou menos banal (passe a irreverência) do discurso pontifício que mais me impressionou. Foi aquela sala apinhada com cerda de cinco mil pessoas onde se misturavam e se exprimiam, nomeadamente através do canto, as tradições culturais da terra inteira. Que me lembre (e não posso ser exaustivo), havia japoneses, coreanos, chineses, filipinos, indonésios, indianos, angolanos, argentinos, brasileiros, chilenos, mexicanos, canadianos, colombianos, uruguaios, paraguaios, estadunidenses, venezuelanos, eu sei lá? Sem contar os países todos os quase do velho continente. Em grupos, mais ou menos desorganizados, iam cantando e professando a sua Fé em todas as línguas da Terra, numa babel de harmonia criada pela unidade dessa Fé que professavam em Jesus Cristo Filho de Deus Salvador. Estavam ali reunidos porqque reconheciam no homem que vinham escutar o sucessor daquele a quem Cristo cometeu a tarefa de confirmar na Fé os seus irmãos. Porque fora ele – Pedro – que, exprimindo o sentir de todos os discípulos, à pergunta de Jesus “E vós, quem, dizeis que Eu sou?”, respondera, inspirado pelo Pai “Tu és o Cristo, Filho do Deus vivo”. E ali tinha eu a Igreja minha mãe na sua catolicidade geográfica, a completar a catolicidade temporal experimentada nas Catacumbas de S. Calixto.
É esta a Igreja de Cristo: a que tem por vocação acolher todos os homens de todos os tempos, de todas as latitudes, de todas as condições; que tem por vocação acolher todas as culturas, todas as civilizações, todas as mentalidades, todos os modos e estilos de vida, contanto que, em verdadeira sinceridade de coração, confessem a Boa Nova de que Jesus Cristo é o Filho de Deus, que veio ao mundo para nos salvar, dando-nos a possibilidade, se quisermos, de alcançar a vida que não tem fim.

J. Tomaz Ferreira
*Alfa e Omega - para assuntos religiosos
*Antologia

LÍRIO DE SÃO DAMIÃO

Lá vai… É longa a estrada e pedregosa.
Rasgam-lhe o pobre manto a silva e o cardo.
Já tudo é espinho e tudo fora rosa…
Onde stais, berço de ouro, óleos de nardo?

Lá vai… A noite é negra e tenebrosa.
O medo é aguda espada, fino dardo.
No rasto da possessa e da leprosa,
Seguem-lhe os passos nus lobo e javardo.

Nem se lembra que foi donzela em flor.
Tornam-lhe os pés em chaga, as mãos em dor,
A irmã Chuva, a irmã Pedra, a irmã Raiz…

Corta-lhe Deus o derradeiro laço,
E lá vai, pomba argêntea pelo espaço,
- Lírio de São Damião, CLARA DE ASSIS!
Fernanda de Castro
*Antologia - outros textos

sábado, 19 de janeiro de 2008

*Agora

A EUROPA E O REFERENDO

Estou muito grato ao Engenheiro Sócrates por, com o despudor que se lhe reconhece, ter deitado às urtigas o referendo que prometeu sobre o novo Tratado da União Europeia. Estou-lhe grato porque, quando daqui a uns tempos, o povo se aperceber do que eles combinaram, e a coisa der para o torto, os iluminados da Europa a grande velocidade não poderão invocar a vontade do povo, porque o pobre povo “aos costumes disse nada”.
Vamos a ver se nos entendemos.
Apregoa-se que há um amplo consenso nacional à volta do projecto europeu. Sob a aparência de verdade, e afirmação é, no mínimo, falaciosa – e por uma razão muito simples: alguém do povo sabe qual é o projecto europeu que se perfila nas anfractuosidades do Tratado? Porque projectos europeus pode haver vários.
Por exemplo, no projecto europeu dos pais fundadores (e eles sonhavam com a Europa) havia um princípio intocável: o da igualdade entre todos os Estados. Isso fazia, por exemplo, que a voz do minúsculo Luxemburgo tivesse força igual à da poderosa Alemanha. Intuíram eles, e muito bem, que só por esta via se podia manter a coesão.
Sabe-se que no tratado actual os Estados estão divididos em categorias, penso que de acordo com o seu peso demográfico: há estados de primeira, de segunda e de terceira classe. A tomada de decisões faz-se por maioria, e não, como era antes, por unanimidade. O que, evidentemente, deixa os interesses dos pequenos à mercê da boa vontade dos grandes. Sabe-se que, em política, não há amizades: a política externa de cada país define-se em função dos respectivos interesses.
E aqui chegámos a um dos pontos essenciais. De acordo com o novo Tratado, a Europa passa a ter uma política externa comum, servida por um Ministro dos Negócios Estrangeiros comum. Ora isto é ignorar que na Europa actual coexistem 27 Estados, alguns multisseculares, em que a História plasmou identidades diferentes com os consequentes interesses divergentes que tentam prosseguir ao nível internacional com as políticas externas adequadas. Haverá uma política externa comum que consiga congraçar, servindo-os, os interesses de 27 Estados?
É evidente que não, e o expectável na primeira curva de dificuldades é que o Tratado seja mandado às urtigas (como o foi o referendo…) e os Estados europeus, em lugar de alinharem pelo diapasão único da política comum, assumam a partitura de acção que sirva os seus interesses próprios. O caso recente do Iraque é elucidativo: no apoio aos Estados Unidos, a União ficaria partida ao meio, e nada de política comum que pudesse juntar-lhe os cacos.
O mal está em que elites iluminadas, sem qualquer preocupação com o sentir dos respectivos povos, desenharam o projecto duma Europa como unidade política que não existe, cavalgando a onda e abandonando a política dos pequenos passos preconizada pelos pais fundadores.
Porque sou europeísta, é que não quero, em consciência, ser envolvido numa decisão que, ou fica em muitos casos letra morta, ou pode significar a prazo a morte da Europa possível. E a Europa possível é aquela que concita o acordo dos cidadãos e não apenas o das elites iluminadas que ocasionalmente se encontram no poder.
Citizen Kane

*para assuntos de sociedade e cidadania, cultura….


quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Cidade de Deus - temas e conteúdos

Nós, porém, segundo a Sua promessa, esperamos
uns novos céus e uma NOVA TERRA, onde habite a justiça.”

2ª Epistola de S. Pedro, cap. 3, vers. 13.

CIDADE de DEUS assume-se como um espaço de reflexão cristã, e vem substituir o NOVA TERRA que, por motivos operacionais, nos pareceu menos apto para os objectivos que nos propomos. Continuará a definir-se como um espaço de reflexão cristã cujo objecto será, em primeira linha, a própria Fé cristã.
Mas a reflexão cristã não pode ter como objecto único a Fé. Todas as realidades terrenas podem e devem ser reflectidas à luz da Fé: a política, a cultura, a economia, a ciência, a tecnologia, a sociedade, a família, a ecologia, e educação, a arte… todos os problemas que emergem do nosso mundo podem encontrar aqui espaço de reflexão. Em liberdade, porque “onde está o espírito do Senhor, aí está a liberdade”(2Cor. 3, 17).
Para melhor identificação do campo em que se pretende fazer incidir a reflexão, cada inserção virá precedida duma destas indicações:
Alfa e Omega – para assuntos religiosos;
Politeia – quando o tema é primariamente político;
Ágora – para assuntos de sociedade e cidadania, cultura….
Antologia – quando se transcrevem textos de autores outros que não os colaboradores do Blog.
Responsáveis do blog são a Ana Paula Lemos (jornalista e pós-graduada em jornalismo e religiões) e José Tomaz Ferreira, Mestre em Teologia.

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Onde Está O Teu Irmão?

Não são propriamente muito recentes, mas não se ma varrem da memória as imagens do metro de Barcelona, em que um energúmeno, de telemóvel na orelha, agredia com a mão livre primeiro, e depois a pontapé – sem rixa prévia, é de notar – uma adolescente franzina que se encolhia no banco como forma de defesa contra a agressão. Soube-se que a miúda era equatoriana e à agressão foi dada, por isso mesmo e como circunstância agravante, uma conotação racista. Não sendo de desprezar, não é esse pormenor que retém a minha atenção. Prefiro fixar-me no sentido da cena global e deter a minha atenção não apenas no que foi feito, mas também no que ninguém fez, ou, se preferirem, no facto de ninguém ter feito nada. Não é que o comboio fosse cheio de gente. Mas a câmara mostrou que havia mais passageiros na carruagem. O episódio da agressão levou o seu tempo: depois de agredir, o energúmeno afastou-se até à porta e voltou atrás para agredir novamente. Ninguém se levantou para se opor à agressão. Claro que, como nota um amigo meu com uma ironia amarga, se alguém o tivesse feito, teríamos eventualmente não um mas dois agredidos – o que se traduziria inevitavelmente na multiplicação da violência… Mas, nem passada a agressão, alguém fez o gesto de oferecer ajuda à vítima: ver, por exemplo, se precisava de cuidados médicos, oferecer-se para a acompanhar à polícia… Para mim, tão chocante como a agressão foi esta ausência de ajuda. Aquela fez-me tomar consciência de como a violência se banalizou a ponto de se ter a impressão de que é apenas um ingrediente mais no cozinhado intragável em que se transformou o quotidiano da civilizada Europa, pretensa campeã dos direitos humanos e da tolerância tão apregoada como ausente. Esta fez-me ver a ficção em que transformámos a proclamada solidariedade com que enchemos a boca. De facto, em vão a buscaremos neste triste episódio. De facto, parece que, para muitos, a sua prática se esgota nas grandes causas de dimensão planetária, que garantem títulos de jornal: os refugiados do Darfur, os famintos do hemisfério sul, as epidemias que, como a sida, dizimam o continente africano. É a solidariedade fácil com os que estão longe de que facilmente nos desobrigamos, que mais não seja por interposto Estado, com os míseros euros que nos saem do bolso, mas que não implicam nenhum empenhamento pessoal da nossa parte. A solidariedade com quem vive ao nosso lado é mais difícil, porque exige que demos de nós, e não apenas do que é nosso. É a solidariedade muito concreta com o nosso próximo no sentido literal do termo, em que próximo é aquele que nos está ao pé. Na frieza daquela carruagem de metro, a jovem equatoriana não foi o próximo de ninguém: mais não era do que uma presa acossada e indefesa perante um predador boçal e cobarde que gratuitamente a agrediu, e rodeada por um oceano de indiferença em que ninguém se deu ao incómodo de intervir, nem para evitar o mal, nem para lhe dar remédio. É este o mundo que queremos para viver?
J. Tomaz Ferreira

As Falsas Ideias de Deus

Nunca será demais protestar contra as deformações da ideia de Deus no povo cristão. Pensamos sempre em poupar os fracos, evitamos escandalizar os imbecis; evitamos afastar os impuros na esperança de que, mantendo o contacto com a Igreja, se mantenha por igual a possibilidade de os esclarecer e converter. Mas esquecemo-nos daqueles outros fracos que são os descrentes e que se escandalizam com as nossas posições de compromisso. Deixar que a Verdade seja obscurecida é sempre motivo de escândalo para alguém, mesmo que ao fazê-lo, seja com a intenção de evitar o escândalo de alguém.
Henri de Lubac, in Sur les chemins de Dieu.

O Cristão e a Politica

O Cristianismo e os cristãos, como cristãos, declaram-se incompetentes para decidir da organização temporal: política e social. É como cidadão e em nome dos seus interesses temporais que o homem cristão cuida da política e defende os seus interesses e a sua liberdade. Fá-lo com a eficiência que lhe dá a virtude, fá-lo sempre pronto a abster-se do que desonra, sempre pronto a protestar, cada vez que é atropelado o direito (não é nem pode ser “cão mudo” diante da injustiça); mas não o faz como delegado de Deus. Vencido ou triunfante o seu ponto de vista político, colabora com os seus concidadãos, suporta os encargos da vida em sociedade, obedece às leis e aos representantes delas, na plena consciência de que obedece ao Dever ou a Deus: Quem resiste à Autoridade resiste à ordenação de Deus (Rom., 13, 2). Os cristãos não obedecem a homens como a homens, nem por medo ou respeito humano, nem só quando os homens os vigiam, senão como servos de Deus e como quem de ânimo inteiro ao mesmo Senhor faz a vontade (Efes., 6, 6). Só Ele é o Senhor…
J. Alves Correia

Cidades de Deus


O Pecado de Não Fazer

A vida de muitos cristãos – bons cristãos – é dominada pela obsessão de evitar o pecado. É uma vida que se define pela negativa: não fazer (o mal) é a preocupação dominante. Chama-se amartiocentrismo a este centramento da vida em não transgredir o que foi ordenado, em evitar o que é proibido. Ouve-se mesmo enunciar, jocosamente, que, nesta vida, tudo o que é bom ou faz mal ou é pecado. Como é evidente, não está nas nossas intenções chamar bem ao mal, nem convidar ao laxismo de considerar que tudo é permitido, que tudo se pode fazer: como aqueles que, do aforismo agostiniano “ama e faz o que quiseres”aproveitam apenas a última parte e se julgam no direito de levar uma vida sem limitações. O que queremos fazer notar é que, dominada pelo amartiocentrismo, a vida cristã, por muito “certinha” que se apresente, se pode revelar eminentemente estéril. E não atenta na fórmula da confissão dos pecados que se faz no rito penitencial com que tem início a celebração da Eucaristia, em que confessamos ter pecado “por pensamentos e palavras, actos e omissões”. E é das omissões que Jesus fala quando dá a razão para não receber no seu reino os condenados: “Tive fome, e não me destes de comer…” Para já não falar da parábola dos talentos: o servo mau não o é por ter perdido o seu talento – mas com medo de o perder, o enterrou para o poder restituir quando o senhor voltasse. É verdade que toda a acção envolve riscos. Mas, como disse alguém, “quem faz pode errar algumas vezes; mas quem não faz erra sempre”.
J. Tomaz Ferreira

As exigências da Vida Cristã...

Normalmente, as exigências da vida cristã são encaradas como incluindo o esforço para garantir a salvação própria. “salvar a alma”, garantir a posse do Céu após a morte foi o desígnio que nos propuseram e que havíamos de conseguir alcançar evitando fazer o mal, fugindo do pecado – numa visão redutora da vivência cristã, que assim duplamente se limitava: primeiro, centrando-se no próprio umbigo, depois reduzindo o viver cristão à inibição do “não fazer” (o mel). É a pecha do amartiocentrismo castrador das energias e das capacidades humanas. Quando se avançou um pouco mais, foi para nos dizerem que também nos devíamos sentir responsáveis pela salvação dos outros. Isso aconteceu quando o clero se apercebeu da sua insuficiência para garantir o anúncio do Evangelho a todos os homens – em suma, quando se verificou que deixaram de coincidir as dimensões da cristandade com as da sociedade humana. A versão mais actualizada dessa preocupação vemo-la naquilo a que chamam “nova evangelização” e cujos méritos não se denegam. Mas há mais, tem que haver mais. O universo, que foi criado através do Verbo (“tudo ofi feito através d’Ele” – Jo. 1, 3), que n’Ele encontra a sua subsistência (cf. Col., 1, 17) está a caminho de n’Ele se consumar. É todo o trabalho da Evolução (que desde o início está em curso e que culminou no aparecimento do homem, mas que prossegue para além dele) que continua na história do homem e na sua acção sobre o mundo criado. E esse trabalho é o trabalho redentor de Cristo para levar a cabo, para conduzir a bom termo a obra em curso desde o primeiro momento da passagem do nada ao ser. Continuadores da obra redentora de Cristo, os cristãos devem estar na primeira linha do trabalho sobre as realidades terrenas. Devem ser nelas os mais empenhados, conscientes de que, ao fazê-lo, é a obra de Deus que eles vão realizando com o trabalho das suas mãos. É verdade que, com eles ou sem eles, esse trabalho será levado a cabo – porque o desígnio de Deus não pode falhar. A aventura humana é fruto do esforço de todos os homens. Mas, de todos os homens, os cristãos são os únicos que detêm a chave do seu sentido profundo. Os outros trabalham para conseguir objectivos de curto prazo. Os cristãos sabem o sentido final para que convergem todos os pequenos triunfos que vão sendo conseguidos por si e pelos homens seus irmãos. Paradoxal seria que a parte consciente da Humanidade, que detém o segredo do sentido último do esforço humano, se empenhasse menos do que os outros em levar a cabo a obra em curso. É nesta mobilização para trabalhar o mundo, nesta glorificação do esforço humano para dominar a Terra que se encontra a palavra-chave duma nova evangelização. É urgente anunciar a boa nova da sagração do esforço humana sobre as realidades terrestres como prolongamento da acção criadora do Verbo, da acção redentora de Cristo que tem como objectivo final a construção da nova terra.
J. Tomaz Ferreira

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Ser Cristão Hoje, Porquê?

SER CRISTÃO HOJE, PORQUÊ? Porque Cristo, Homem e Deus, nos enraíza no mundo e nos liberta de todas as servidões do mundo, do mal e da morte. Assim, tu, jovem cristão do século XXI, não ficaste amarrado e retido pela tua Fé, lá 2000 anos atrás, nem estás preso ao tempo presente que não tardará em passar… Não estás, nem alheado, nem fascinado pelas maravilhas da técnica, nem do progresso, nem da história. Tu não és de ontem, nem de hoje, nem de amanhã: tu és de todos os tempos, como Cristo, e com Cristo que é “ontem, hoje, e por todos os séculos” (Hebr. 13, 8). Tu és o homem do futuro mais do que qualquer pioneiro do espaço. Vanguarda da humanidade na cidade que passa. Aqui, hoje, tu inauguras entre os homens a humanidade nova, a humanidade pascal. Tu caminhas ao encontro de Deus.
E. Barbotin (adaptação)

Para uma leitura do Novo Testamento...

Uma leitura menos apressada do Novo Testamento mostra como a diabolização do mundo se encontra longe do pensamento de Jesus. O mesmo João de quem aprendemos que os discípulos de Jesus “não são do mundo”, antes se constituem em objecto do ódio do mesmo mundo, por quem o Salvador não quis orar, esse mesmo João aponta o mundo como objecto do amor de Deus: “Deus amou de tal modo o mundo, que lhe deu o Seu Filho Unigénito” (Jo. 3, 6). E quanto à relação entre o mundo e os discípulos nunca se deve esquecer a súplica de Jesus: “ Não Te peço que os retires do mundo, mas que os livres do Maligno” (Jo. 17, 15). Donde se conclui que fugir do mundo não tem sentido como caminho de vida generalizado a todos os que acreditam em Jesus. Fugir do mundo é caminho específico de alguns que, desse modo, se constituem em testemunhas e sinal do termo final para que tende a caminhada dos homens. Para a generalidade dos cristãos, o mundo é o domicílio que habitam e a sua função é continuar aí o trabalho de Deus que “mandou o Seu Filho ao mundo, não para o julgar, mas para que, por Ele, o mundo alcance a salvação” (Jo. 3, 17). De resto, diabolizar o mundo seria uma forma larvar de maniqueísmo, considerando como más as realidades criadas que são obra de Deus e das quais a Bíblia refere que receberam de Deus um atestado de bondade: “Deus, vendo tada a Sua obra, considerou-a muito boa”. (Gen. 1, 31) O que está em curso no desenvolvimento da História é esta obra de salvação do mundo que há-de culminar no construir da Cidade de Deus. Salvar o mundo, na missão confiada aos cristãos, é tarefa que não pode ficar limitada à salvação da alma dos homens. Para além deles, mas existindo para eles, estão todas as realidades terrestres: materiais, económicas, culturais, sociais, científicas, tecnológicas…É tudo isso que constitui o mundo que Deus amou e quer salvar. Desse mundo, os cristãos não podem alhear-se nem delegar nos outros a tarefa de levarem a cabo a sua construção. Pelo contrário, mais do que todos os outros, os cristãos são responsáveis sobretudo pelo sentido da construção do mundo e atraiçoam a sua missão quando, egoisticamente, se marginalizam do mundo com medo de, agindo nele, comprometerem a sal salvação individual. O que aos cristãos fica vedado é deixarem-se contaminar pelos pseudo valores e contravalores que o pecado segregou no mundo e que tantas vezes parecem dominá-lo. Aquilo que aos cristãos fica vedado não é o amor do mundo, mas a tentação de o instrumentalizar para satisfação do egoísmo próprio. Confessemos que é muito fácil cair nessa tentação. Parece-me mesmo que é a extrema frequência com que os homens sucumbem a essa tentação que justifica os alertas dos evangelhos contra os perigos do mundo. O egoísmo como regra de utilização das realidades terrenas ou de acção sobre elas, esse é que é o espírito do mundo que angustia os ascetas. O mundo amado por Deus, criado por Deus, querido por Deus, esse é apenas o campo de trabalho oferecido à acção dos cristãos, convidados a continuarem nele a obra de Deus iniciada na Criação.
J. Tomaz Ferreira