sexta-feira, 28 de março de 2008

Experiência religiosa

Quando duas pessoas querem dialogar sobre religião, e uma delas nunca experimentou Deus na sua existência, é absolutamente essencial, que ambas, conhecendo o facto, se ponham de acordo sobre os postulados éticos, morais, retóricos e até humanos que nortearão o seu diálogo.
Antes de mais, uma e outra, têm de ter pleno conhecimento das realidades que serão objecto do seu diálogo, como alías acontece com qualquer outro tema que nos propomos abordar ou reflectir se a honestidade intelectual nortear, obviamente, a ontologia do interlocutor.
A teologia, isto é, a fé sistematizada em conhecimento, resolve este problema aos interlocutores que não têm fé ou nunca estiveram próximos de uma experiência mística.
Ora, partindo do pressuposto que ambos os dialogantes conhecem teóricamente a abordagem do tema, se um deles, conhece no «laboratório» da sua essência a experiência religiosa, o outro, ausente da mundividência religiosa, deve tentar, pelo menos, inteirar-se das verdades humanas religiosas que o outro quer partilhar.
Do mesmo modo, um homem sem fé deve exigir do seu interlocutor, sobretudo se este nunca conheceu outra circunstância senão uma vida com Deus, deve exigir, dizia, que o seu interlocutor ouça com ouvidos de ouvir, as palavras que lhe dirige.
A experiência religiosa é um encontro intenso, radical, absoluto, que atravessa uma vida para sempre e integralmente. Nunca mais a vida de um ateu insuflada por Deus continuará a ser a mesma.
Nunca ouvi um ateu falar do absoluto como um místico. Proponho apenas S.João da Cruz para reflexão, porque não preciso de muitos outros exemplos.
Todos os ateus e agnósticos que conheço, e de quem sou amiga, e por quem rezo diáriamente apenas me dizem, sobretudo os mais inteligentes e os mais cultos, os mais humildes, que «infelizmente» não podem comungar da minha experiência, porque nunca foram nem chamados nem escolhidos por essa realidade a que chamo experiência religiosa.
Eu fui ateia, depois na juventude e na idade adulta militei no agnosticismo, e aos 28 anos, encontrei-me com Jesus enquanto combatia por um mundo melhor e pela dignidade dos mais pobres.
Sei, por isso, do que falo, quando escrevo, recito ou digo da minha experiência de vida com Jesus.
Mas, pergunto-me: de que me vale travar diálogo com a ignorância (?), sobretudo com aqueles que militam na observância do radicalismo ateu (?).

©Ana Paula Lemos

Há portas que quando se abrem...








©Fotos Ana Paula Lemos

sábado, 22 de março de 2008

*Antologia

SALVE, Ó CRUZ

Salve, cabeça de sangue, coroa de espinhos, cabeça ferida, quebrada, espancada, coberta de escarros.
Salve, esse teu rosto, que traz o sinal da morte, já perdeu a juventude, mas os Altíssimos adoram essa palidez.
Espancado, morto por culpa dos nossos pecados, o Teu rosto ainda brilha aos olhos do pecador!
Sou culpado, mas perdoa-me; estou perdido, mas não me rejeites; à hora da Tua morte inclina para mim um pouco o Teu rosto, deixa-o repousar no meu colo. Quando eu morrer, corre para mim, deixa que nesse momento o Teu sangue me proteja,
Partirei quando Tu quiseres, mas Tu, Senhor, está lá! Abraçar-te-ei nessa cruz que me salvou!

São Bernardo

Cântico de um Demónio Menor...

*Antologia

CÂNTICO DE UM DEMÓNIO MENOR

Senhor!
Eu não te acendo velas,
E a oração que te faço
Não é, talvez, humilde

Cubro de orgulho um medo milenário
E chamo-lhe
- Para cá, para lá numa terra sem nome
Um cavalo de guerra.

Sorrio.
Pinto-me de sorrisos
Como as velhas sem vergonha
E exibo a minha ironia
Como os viscondes as coroas dos brasões.

Choro.
Gratuito, o choro sem esperança
Não pede piedade nem a dá.
(Água salgada a inferno,
E para os outros nem sequer pretexto
De oferecerem os lenços emprestados!)
Mas a minha verdade é só tristeza.

E só tu, que eras antes e depois do mundo,
Ó Cristo do Gethsémani!
Cristo, humano, do perdão
E da cólera sagrada
E dos dias do deserto
A venenos de Satã,
Só tu, Senhor! É que sabes
De que foscos e pávidos silêncios
- Grávidos de fantasmas de palavras
Que não são para a voz de ninguém –
Se gerou a humana melancolia.

Só tu, Senhor,
É que sabes!
Eis porque me espero
Em Ti, Homem-e-Deus
Que morreste por mim.

António de Sousa

quarta-feira, 12 de março de 2008

Um poema de Tagore...

Antologia

O VERDADEIRO TESOURO

Que se regozijem e te rendam graças, Senhor, porque é deles o dia de hoje, aqueles que andam pelos caminhos do orgulho, esmagando a vida humilde sob os passos e cobrindo a relva suave da terra com suas pegadas sangrentas.

Mas eu te agradeço por estar o meu destino com os humildes que sofrem e suportam a carga do poder, ocultam as faces e sufocam os soluços na escuridão.

Porque cada palpitação da sua dor pulsou na profundidade secreta da tua noite e cada insulto foi recolhido no teu grande silêncio.

É deles o amanhã.

Ó sol, raia sobre os corações ensanguentados que vão desabrochando em flores matinais, e sobre a orgia de luz das tochas do orgulho reduzido a cinzas.

Rabindranath Tagore

segunda-feira, 10 de março de 2008

Ensino e Empregabilidade - coisas da Ágora

Ágora
ENSINO E EMPREGABILIDADE

Há já alguns anos, o Director-Geral da Administração Pública (a velha DGAP) foi convidado por uma instituição universitária a ter um encontro com os alunos da dita, a fim de os elucidar quanto às saídas profissionais que na administração pública se abriam aos licenciados dos vários cursos ali ministrados. Perspicaz, o senhor Director-Geral fez notar que teria sido mais profícuo consultarem-no antes de lançarem os cursos: poderiam assim ter identificado as carências e criado os cursos que lhes davam resposta, em vez de andarem agora à procura de encaixe para os formados que eventualmente o seriam em áreas onde não havia carências, ou até de todo ausentes no horizonte de actividade da administração pública.
A história é antiga, mas veio-me à memória ao ouvir uma qualquer estatística sobre o desemprego actual. Parece que há, de facto, uma grande percentagem de licenciados no desemprego. E entre os que o não estão, vamos encontrar licenciados a exercer as mais diversas actividades que nada têm a ver com o grau académico que possuem: motoristas de táxi, “caixas” de supermercado, telefonistas de call center… - tudo profissões respeitáveis, mas em que os requisitos para um bom desempenho não exigem por certo o investimento pessoal que uma licenciatura requer, nem os recursos com que o contribuinte financia o ensino superior.
O desemprego desta mão de obra, em princípio altamente qualificada, começa por ser um drama para os próprios que o sofrem, mas é também um problema para o país. Um problema que é a consequência natural da errada política de educação dominante (de resto, parece que toda a política de educação dos últimos 30 anos tem sido um erro continuado).
Depois da esquálida penúria universitária do Estado Novo, as universidades em Portugal surgiram com a abundância de cogumelos em tempo de chuva. De tal modo, que é hoje difícil encontrar alguém que, além do título que lhe dá a sua actividade profissional, não ostente também garbosamente o de “Professor”. Como aquele jurista (político) que numa faculdade de direito confundia, presidindo a um júri de exames, sufrágio indirecto com voto por correspondência…
E veio uma profusão inominável de cursos os mais diversos – com a respectiva licenciatura – cursos que têm nomes pomposos, mas perante os quais o mais desprevenido pergunta perplexo “para que é que isto serve”. E não se vê. Consulte o leitor a lista de licenciaturas providas pelas universidades portuguesas: são muitas centenas. Se puder, compare com o que se passa, por exemplo, em Espanha. E tire as suas conclusões.
Estes são apenas alguns dos aspectos que explicam o drama de um país que chora com falta de mão de obra qualificada, mas que está cheio de “doutores”, titulares de um canudo vazio de utilidade outra que não seja o direito que confere ao seu possuidor de ser chamado “senhor doutor”.
Citizen Kane

Ágora (assuntos sociais e politicos)


sexta-feira, 7 de março de 2008

S.Joao da Cruz - Aquela Fonte

AQUELA FONTE

Bem sei a fonte que mana e corre
embora seja noite

Aquela eterna fonte não a vê ninguém
e bem sei onde é e donde vem
embora seja noite

Não sei a fonte dela, que não há,
mas sei que toda a fonte vem de lá
embora seja noite

Não pode haver, eu sei, coisa tão bela
e céus e terra beleza bebem dela
embora seja noite

Porque não pode o fundo ali achar
eu sei que ninguém a pode atravessar
embora seja noite

A claridade sua não escurece
e sei que toda a luz dela amanhece
embora seja noite

Tão caudalosas são suas correntes
que regam céus, infernos e as gentes
embora seja noite

E desta fonte nasce uma corrente
e bem sei eu que é forte e omnipotente
embora seja noite

E das duas a corrente que procede
sei que nenhuma delas a precede
embora seja noite

E esta eterna fonte está escondida
em este vivo pão a dar-nos vida
embora seja noite

Aqui está a chamar as criaturas
que bebem desta água, e às escuras,
porque é de noite

Esta viva fonte que desejo,
em este pão de vida, aí a vejo
embora à noite.
São João da Cruz

segunda-feira, 3 de março de 2008

Penitência - um texto de J. Tomáz Ferreira

*Alfa e Omega

PENITÊNCIA

Estamos fartos de ouvir que a Quaresma é tempo de penitência. E, induzidos pela própria disciplina da Igreja, somos levados a pensar que penitência é o mesmo que mortificação. Com efeito, em tempos não muito distantes, a Igreja impunha aos fiéis durante a Quaresma uma severa mortificação, que se traduzia na abstinência de comer carne, e no dever de jejuar três dias por semana.
Também na mensagem de Fátima aparece o apelo à penitência, que ainda hoje ressoa nos cânticos do Santuário: “Penitência e oração se fizesse lhes pedia”. E também os pastorinhos – reza a sua hagiografia – traduziram em mortificação corporal a penitência que a Senhora lhes pedia, fazendo sacrifícios que ofereciam a Deus pela conversão dos pecadores. O seu exemplo foi seguido pelos peregrinos, que ainda hoje vemos arrastarem-se de joelhos pelo recinto, até a Capelinha das Aparições.
Longe de nós menosprezarmos o valor da mortificação que tem raízes profundas na espiritualidade cristã. O que desejamos é sublinhar que mortificação e penitência são realidades diferentes, e como tais devem ser encaradas e praticadas.
Segundo os testemunhos de Mateus (cap.4) e de Marcos (cap.1), Jesus inicia a sua pregação com o apelo à penitência: “Fazei penitência, porque o Reino de Deus está próximo” (Mt., 4, 17). Só que este “Fazei penitência”, que S. Jerónimo consagrou na sua tradução latina do Novo Testamento, melhor se traduziria por “convertei-vos”, já que o verbo que no original grego é usado no imperativo, tem a sua raiz etimológica no substantivo “metanóia”, que quer dizer “mudança”, “transformação”.
Assim, “fazer penitência” é fundamentalmente empreender um esforço sério no sentido da mudança das atitudes interiores que determinam a nossa conduta de vida. É que, na base dos actos que praticamos estão escolhas profundas que fizemos como caminhos de vida, e que ditam o nosso agir concreto, o nosso comportamento na vida. As nossas acções, tal como as nossas omissões são o espelho das opções profundas que fizemos e em que fixámos o nosso ideal de realização humana. São a tradução prática da nossa atitude perante a vida.
Fazer penitência é, pois, empreender o esforço, primeiro de identificação dos valores que, consciente ou inconscientemente assimilámos como ideal de vida; depois, de comparação com o ideal de vida que nos é proposto por Jesus no que disse, no que fez, no que rejeitou.
É este esforço de transformação que deve constituir a grande preocupação dos que pretendem bem viver a Quaresma. E não me parece haver dúvidas de que este esforço, se for honesto e sério, terá mais valor do que todos os jejuns e todas as abstinências com que mortificarmos a nossa carne.
J. Tomáz Ferreira
*Alfa e Omega (assuntos religiosos)

Felicidade - Bíblia 2000 - Publicações Alfa

* Antologia
FELICIDADE

Vós sois pobres: despojaram-vos.
Felizes sois: Deus está convosco!

Vós sois doces:
Em vós a benevolência está estabelecida.
Felizes sois: a terra será vossa herança!

Vós chorais: em vós o sofrimento reside.
Felizes sois: a alegria encontrar-vos-á!

Vós tendes fome de pão para comer.
Vós tendes sede de amor para viver.
Felizes sois: o vosso desejo será satisfeito!

Vós sois puros:
Em vós a claridade tem a sua morada.
Felizes sois: entrareis na luz de Deus!

Vós sois misericordiosos:
Em vós o coração abre-se à miséria.
Felizes sois: tudo vos será dado!

Vós organizais a paz:
Em vós o diálogo está enraizado.
Felizes sois: sois baptizados filhos de Deus!

Vós sois perseguidos:
Porque a Palavra vos conduz
À prática da justiça, da igualdade!
Vós sois ridicularizados
Por causa do Evangelho
Que vos inspira o dom de vós mesmos.
Felizes sois: sois o futuro do mundo!
Bíblia 2000, vol.15, pag.23 (Publicações Alfa)