quinta-feira, 27 de novembro de 2008

terça-feira, 25 de novembro de 2008

O VISITADOR

“Tenho um amigo que é visitador. Visita, voluntariamente, presos nas cadeias. Admiro-o muito por isso, além de ser difícil resistir à sua inteligência, simpatia pessoal e permanente disposição de ajudar o próximo, sempre mais quanto mais este necessita.
O cárcere, tal como a privação de liberdade, é tão antigo como a vida do Homem. O que nos diz, entre outras coisas, que a liberdade é um bem muito grande e que o maior castigo, além de tirar a vida a um ser, é privá-lo da liberdade. Penso que para aqueles de nós que crescemos num ambiente cristão, senão mesmo no culto dos seus valores, o conceito de liberdade está unido ao da justiça, ao do perdão, ao da penitência e ao da reconciliação. Como a justiça é inseparável dos direitos que assistem a cada pessoa, há que impedir que esses direitos se percam ou que o seu livre exercício fique muito limitado.
Uma pessoa pode estar presa, privada da sua liberdade, dos afectos que lhe são caros mas nem por isso pode deixar de, no seu íntimo, se sentir livre como espírito, vontade e coragem, capaz de se libertar a si própria do ódio, dos desejos de vingança, apesar de confinada a um espaço limitado.
Ao lado da justiça está o perdão. Com frequência este é considerado como uma debilidade, uma fraqueza, uma cobardia. Penso o contrário. O perdão oferece-se e aceita-se como um gesto de superação pessoal, de valentia, de reconhecimento da necessidade de ser perdoado.
Cometeu-se o mal, há que pagar por ele. Esse é o conceito de penitência. Por fim a reconciliação é aproximar-nos do que nos havíamos afastado. Por estas e por outras é que admiro a força, a paciência, o sacrifício desse meu amigo visitador, com o seu trabalho voluntário tão eficaz, anónimo e solidário.
Nunca lhe perguntei se era religioso, se faz o que faz por fé ou apenas por dever próprio da sua consciência. Sei que é um homem feliz e de muito bem com os outros e consigo próprio. O que tem muito a ver com a liberdade de que falávamos no princípio desta nossa conversa.”

Joaquim Letria, in MAIS ALENTEJO, Novembro de 2008, pag. 1

terça-feira, 18 de novembro de 2008

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

QUANDO A VELHICE BATE Á PORTA

(oração)

“Meu Deus, quando despendia o meu esforço, deleitava-me sentindo que, ao desenvolver-me, aumentava a posse que tínheis de mim; deleitava-me também, sob o impulso interior da vida ou no jogo favorável do que ia acontecendo, em me abandonar à Vossa Providência. Fazei que, depois de ter descoberto a alegria de todo o crescimento para Vos fazer ou deixar crescer em mim, eu chegue, sem me perturbar, a esta última fase da comunhão, no decorrer da qual Vos possuirei perdendo-me em Vós.
Depois de Vos ter conhecido como aquele que me faz ‘mais eu mesmo’, fazei, quando chegar a minha hora, que eu Vos reconheça em cada potência, estranha ou inimiga, que pareça querer destruir-me ou suplantar-me. Quando sobre o meu corpo (e mais ainda sobre o meu espírito) começarem a vincar-se as marcas do desgaste da idade; quando cair sobre mim vindo de fora, ou nascer em mim vindo de dentro o mal que nos diminui ou nos vence; no minuto doloroso em que, de repente, tomar consciência de que estou doente e a fazer-me velho; sobretudo naquele último momento em que sentir que escapo a mim próprio, absolutamente passivo nas mãos das grandes forças desconhecidas que me formaram; em todas essas horas sombrias, concedei-me, ó meu Deus, que compreenda que sois Vós que dilacerais dolorosamente as fibras do meu ser para penetrar até ao mais íntimo da minha substância, para me levardes para Vós.
Sim, quanto mais, no fundo da minha carne, o mal está incrustado e não é passível de cura, tanto mais podeis ser Vós a quem eu abrigo como um princípio amante e activo de purificação e desprendimento. Quanto mais o futuro se abrir diante de mim como um abismo vertiginoso ou uma passagem obscura, se eu me aventurar nele confiado na Vossa palavra, tanto mais posso confiar que me precipito e perco em Vós – assimilado, Jesus, pelo vosso corpo.
Ó Energia do meu Senhor, força irresistível e viva, porque, de nós dois, sois Vós infinitamente o mais forte, é a Vós que compete a tarefa de me queimar na união que juntos nos deve fundir. Concedei-me, pois, algo de mais precioso do que a graça que Vos pedem todos os Vossos fiéis. Não me basta morrer comungando. Ensinai-me a comungar morrendo.”
Teilhard de Chardin, Le Milieu divin, Seuil, Paris, 1957, pp.94-96.
(Trad. De J. Tomaz Ferreira)

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

ESPÍRITO DE MUDANÇA


Vem, Espírito de liberdade,
forçar as portas
das nossas certezas
cuidadosamente aferrolhadas,
a fim de que as nossas verdades
se iluminem de outras luzes!

Vem, Espírito das diferenças,
deslocar as nossas divisões
zelosamente guardadas,
para que os projectos se unam
em procuras comuns!

Vem, Espírito de novidade,
soprar alegremente
o ar fresco do Evangelho
sobre os múltiplos lugares
das nossas igrejas
cronicamente empoeiradas!

Vem, Espírito de Deus,
insuflar às nossas forças
o vigor das mudanças
do Reino a construir!

Bíblia 2000, vol. 17, pag. 10

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

O ESTAR CRISTÃO

Séculos de pregação errada (veja-se em Júlio Dinis, na “Morgadinha dos Canaviais” a pregação do missionário) deram do cristianismo uma ideia negativa e da vivência cristã uma imagem sombria. A vida cristã desenrolava-se sob o signo do medo do inferno, e essa atitude de medo é tudo quanto há de menos conforme à mensagem de Jesus.
O cristão sabe que é filho de Deus, que Deus o ama e que faz parte do Corpo místico de Cristo. É destas premissas que deve deduzir a sua atitude perante a vida, são elas que ditam o modo de estar cristão. Tentemos esboçar, sem a pretensão de sermos exaustivos, algumas dessas atitudes.
O amor dos outros. A atitude primeira e fundamental que decorre de ser cristão é o amor, a virtude da caridade magistralmente descrita por S. Paulo no Hino à Caridade (Cf. 1Cor., 13, 1-13) e cuja característica principal é “não procurar o seu próprio interesse” (Cf. 1Cor., 13, 5). A caridade deve ser a atitude subjacente a toda a relação do cristão com o outro: com Deus e com os demais. A caridade é um dom de Deus, como claramente indica S. Paulo: “O amor de Deus foi derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rom., 5, 5). Este amor de Deus é a fonte do amor ao próximo, que é por sua vez prova daquele: “Aquele que não ama o seu irmão... não pode amar a Deus” (1Jo., 4, 20). E quem não ama a Deus é maldito: “Se alguém não ama o Senhor, seja anátema” (1Cor., 16, 22). Cristão sem caridade não é cristão.

Esperança no plano individual. Da mensagem de Jesus consta a promessa da vida eterna: “Já somos de Deus, mas não se manifestou ainda o que havemos de ser... Quando se manifestar, seremos semelhantes a Ele, porque O veremos tal como Ele é” (1Jo., 3, 2). A vida eterna é um bem de que possuímos no presente apenas a semente e a promessa pela nossa incorporação em Cristo. A vida cristã é feita desta tensão para uma felicidade futura que nunca conseguiremos por mérito nosso, mas que é a dádiva que Deus nosso Pai prometeu fazer-nos. Viver essa promessa é viverem esperança: “Conservemos firmemente a profissão da nossa esperança, pois aquele que fez a promessa é fiel” (Hebr., 10, 23).

Esperança no plano colectivo. A redenção de Cristo tem uma dimensão cósmica. Cristo é o Senhor dos crentes, mas é também o Senhor da História, o Senhor da Criação. O cristão sabe que, através das vicissitudes do tempo presente, o que está em curso é a construção dos novos céus e da nova terra: “Nós, porém, segundo a sua promessa, esperamos uns novos céus e uma nova terra, onde habite a justiça” (2Pet. 3, 13). Esse culminar da História virá, segundo o Apocalipse, como resultado da dialéctica entre as forças do bem e as forças do mal (Cf., Apoc., caps. 17-21), e o seu termo final será o domínio de Cristo sobre todas as coisas: “Quando todas as coisas lhe tiverem sido submetidas, então o próprio Filho se submeterá àquele que tudo lhe submeteu, a fim de que Deus seja tudo em todas as coisas” (1Cor., 15, 28). O Povo de Deus vive à espera desse momento, quando for o regresso do seu Senhor, a segunda vinda de Jesus. E sabe, pela Esperança, que, quaisquer que sejam as vicissitudes presentes, esse será o termo final.

Confiança e optimismo. A vida é muitas vezes madrasta e em muitas situações somos postoa à prova por dificuldades que se nos deparam e que tantas vezes se nos afiguram impossíveis de ultrapassar. É quando nos bate à porta o desânimo e muitas vezes a tentação de duvidar do amor de Deus por nós. A verdade é que Deus nos ama e se preocupa connosco: “Até os cabelos da vossa cabeça estão contados” /(Mat., 10, 30). A atitude de confiança radica na garantia de S. Paulo: “Deus é fiel e não permitirá que sejais tentados acima das vossas forças, mas, com a tentação, dará os meios de sair dela e a força para a suportar” (1Cor., 10, 13). E, se as provações nos parecerem duras, lembremo-nos de que “tudo contribui para o bem dos que amam a Deus” (Rom., 8, 28).

Alegria. Tempos houve em que se associou à tristeza a prática da vida cristã, reflexo talvez duma espiritualidade muito centrada na mortificação e numa certa diabolização das realidades terrenas. No entanto, vem-nos de Francisco de Assis o aviso: “O maior triunfo do demónio é conseguir roubar a alegria do coração dos filhos de Deus”. E de mais longe ainda, de S. Paulo, o convite, reiterado, aliás, à alegria: “Alegrai-vos sempre no Senhor. De novo o digo: alegrai-vos” (Filip., 4, 4). Esta alegria é a expressão natural da consciência de que somos filhos de Deus, de que temos um pai que cuida de nós, e a promessa duma vida que não tem fim.

Empenhamento activo. O cristão não é um mero sujeito passivo da salvação que Cristo veio trazer à Terra. Como vimos, a obra de Cristo não terminou com a Sua morte e ressurreição: subido ao Céu, confiou aos seus discípulos, a quem enviou o Espírito Santo, o encargo de continuar o Seu trabalho redentor. É essa a missão da Igreja, Povo de Deus, Corpo Místico de Cristo. Não é lícito, depois do Vaticano II, atirar para os pastores da Igreja a responsabilidade de levar a salvação ao mundo. A missão da Igreja é de todos e de cada um dos seus membros – porque todos participam do sacerdócio de Cristo para louvor do Pai, e da sua missão profética para dar testemunho da Boa Nova: “Sereis minhas testemunhas” (Act., 1, 8).

Homens livres. Os filhos de Deus só podem reconhecer como senhor o próprio Deus. Não são escravos de nada nem de ninguém: “Não recebestes um espírito que vos escravize, e volte a encher-vos de medo” (Rom., 8, 15). Ao libertar-nos da morte, Cristo libertou-nos de todos os medos e chamou-nos para a liberdade: “Foi para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gal., 5, 13). O cristão recusará todas as formas de colonização espiritual, mesmo as mais subtis. Não sacrificará ao pensamento dominante, nem aos constrangimentos do socialmente correcto. Agirá sempre como um homem livre que toma em consciência as suas decisões (que se autodetermina...) e age de acordo com a sua consciência, mesmo que para isso tenha que arriscar a vida: foi o exercício da liberdade assim entendido que fez os mártires. Porque, “onde está o Espírito do Senhor, aí está a liberdade” (2Cor., 3, 17).

J. Tomaz Ferreira

Mosteiro de Montecassino - Itália- 2008


©Foto de Beatriz Gama Lobo

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

A COMUNHÃO DOS SANTOS

Há a comunhão dos santos. Começa em Jesus. Ele está dentro dela. É a cabeça. Todas as orações, todos os sofrimentos juntos, todos os trabalhos, todos os méritos, todas as virtudes de Jesus juntas e as virtudes de todos os outros santos juntas, todas as santidades juntas trabalham e rezam para toda a gente junta, para toda a cristandade, para a salvação de todo o mundo (...). Temos que nos salvar todos juntos. Temos que chegar todos juntos junto de Deus. Temos de nos apresentar todos juntos. Não podemos ir para o pé de Deus uns sem os outros,
Charles Péguy

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

DEUS FALA – DEUS ESCUTA

Deus fala e a Igreja, sua serva, dá a própria voz à Palavra. Mas Deus não se limita a falar. Deus escuta também e sobretudo os justos, as viúvas, os órfãos, os perseguidos e os pobres, que não têm voz. A Igreja deve aprender a escutar do modo como Deus escuta, e oferecer a própria voz a quem não a tem
Bispo Luís António Tagle (Filipinas), no Sínodo dos Bispos (2008)

domingo, 2 de novembro de 2008

FESTA DE TODOS OS SANTOS

Todos os anos, no dia 1 de Novembro, a Igreja celebra a Festa de Todos os Santos. A explicação que geralmente se avança para esta celebração é a impossibilidade de dedicar um dia a cada santo: o ano tem 365 dias e o número dos santos ascende aos muitos milhares. Refiro-me, evidentemente aos santos canonizados, isto é, àqueles que a Igreja, reconhecendo a heroicidade da sua virtude em vida, propôs como modelos a imitar pelo povo cristão.
Confesso que sempre achei redutora esta definição de “santo”: nos primórdios, S. Paulo, por exemplo designava por “santos” todos os cristãos. A minha discrepância em relação ao conceito corrente baseia-se em algo muito esquecido, mas que indiscutivelmente integra o “corpus” da doutrina cristã comummente aceite: a Comunhão dos Santos. Por ela se entende que há uma corrente de vida que circula entre todos os que, partilhando a mesma fé em Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador (segundo a fórmula dos primórdios) e incorporados em Cristo pelo Baptismo, formam o Corpo Místico de Cristo. E porque fazem um só corpo, partilham a mesma vida – a vida nova, a vida divina que os tornou filhos de Deus. É esta corrente mística que percorre o corpo todo e torna cada um dos membros participante nos méritos daqueles que sabem pôr a render os talentos com que o Senhor os amerciou, e faz com que as minhas falhas se repercutam negativamente no crescimento dos meus irmãos.
Para mim, portanto, a festa de Todos os Santos é a festa de todos os cristãos: os que forem e os que são. É a festa da família de Deus, a festa em que a Igreja se celebra a si própria em todas as vertentes por que pode ser olhada: triunfante, naqueles que, tendo adormecido no Senhor, gozam da felicidade da bem-aventurança eterna; militante, naqueles que continuam a sua peregrinação terrena à espera do Senhor que há-de vir e a torná-lo cada vez mais próximo no louvor que lhe exprimem, no bem que semeiam à sua volta, no trabalho que desenvolvem para transformar o mundo e gerar dele a Cidade Nova em que Deus será tudo em todas as coisas.

Infelizmente, à festa de todos os Santos, segue-se no dia 2 de Novembro, o dia dos Fiéis Defuntos – os Finados. É a festa da saudade que, ao que parece, fez esquecer a festa da alegria que é o 1 de Novembro. De facto, com a azáfama de arranjar sepulturas, de pôr flores nas campas, parece que toda a atenção se fixa nos que nos eram queridos e já partiram de nós. Veja-se a cobertura televisiva que é dada ao evento, onde só aparecem cemitérios e flores.
Lamento que assim seja. Porque os entes queridos que nos deixaram também são celebrados no dia de Todos os Santos que é, repito, a festa de toda a família de Deus. Quanto ao culto dos mortos, ao sufrágio de suas almas, permito-me lembrar S. Agostinho, para quem a lembrança dos que partiram mais serve para consolo dos vivos do que para refrigério dos mortos.
Para mim, a festa de Todos os Santos inclui a celebração de todos – mesmo todos – viveram ou vivem acreditando em Jesus Cristo e são membros do Seu Corpo Místico.


©J. Tomaz Ferreira