quinta-feira, 30 de abril de 2009

Em Louvor de Maria

Quando chegou o tempo em que Deus resolvera realizar aos nossos olhos a sua Incarnação, teve que suscitar previamente, no Mundo, uma virtude capaz de O atrair até nós. Precisava de uma Mãe que o gerasse nas esferas humanas. Que fez então? Criou a VIRGEM MARIA, isto é, fez aparecer sobre a Terra uma pureza tão grande, que, nessa transparência pudesse concentrar-Se até aparecer como criança. Eis aqui, expressa na sua força e na sua realidade, a força da pureza, capaz de fazer aparecer entre nós o Divino. E, no entanto, a Igreja acrescenta, dirigindo-se à Virgem Maria: “Beata quae credidisti – Feliz de Ti porque acreditaste”. É na Fé que a pureza encontra a realização da sua fecundidade.

Teilhard de Chardin, Le Milieu Divin

SÃO NUNO DE SANTA MARIA

O Papa acaba de canonizar Frei Nuno de Santa Maria, que já em 1918 o seu antecessor Bento XVI beatificara.
Convém, antes de mais, elucidar a diferença que há entre uma beatificação e uma canonização. Em ambas a Igreja reconhece a heroicidade das virtudes do sujeito. Na beatificação propõe-nas à veneração duma igreja particular e autoriza nela o seu culto público. Na canonização, o eleito é proposto à veneração e ao culto dos fiéis da Igraja universal. Uma e outra são actos administrativos da Igreja reservados ao Papa. Há um processo que corre na Cúria Romana e onde é suposto analisar-se com todo o cuidado os ditos e feitos do visado, para estabelecer se ele pode ser proposto como modelo de vida cristã a todos os fiéis.
Este modus faciendi não é de sempre. Nos primeiros tempos e durante séculos, era o povo que canonizava, e a autoridade seguia o vox populi, confiando naquilo a que se chama o sensus Ecclesiae, o sentir da Igreja, sobre cuja rectidão velava o Bispo da própria diocese. A introdução da disciplina actual teve como consequência porventura um maior rigor na apreciação de feitos e virtudes. Mas abriu as portas a uma inevitável burocratização de consequências nem sempre edificantes. Diríamos que, com ela, os santos no Céu passaram a precisar, para serem reconhecidos como tal, de ter amigos na Terra: influências na Cúria, grupos de pressão, muita propaganda, e o inevitável dinheiro que tudo inquina (não para “comprar” a canonização, mas para pagar todas as despesas que a ela conduzem). Os que não podem ou não querem socorrer-se desses meios não chegam aos altares. Como dizia aquele Prior da Cartuxa: “Nós, aqui na Cartuxa, não tratamos de canonizar santos, tratamos de os fazer. Pois se nem sequer o nosso fundador, S. Bruno, está canonizado...”

Mas falemos de S. Nuno de Santa Maria. Para todos os portugueses, ele foi o herói que, incarnando o sentir do povo, muito mais do que da nobreza, defendeu a independência do seu país contra os desígnios de Castela que pretendia, pela via dinástica, tomar posse deste Reino. Foi uma guerra de defesa em cujo desfecho teve influência decisiva o seu génio militar que, segundo os especialistas, o colocam a par dos grandes cabos de guerra cujos nomes a História guardou: foi o general que não perdeu uma única batalha. D. João I, que lhe devia o trono, fê-lo Condestável de Portugal, o primeiro dignitário do Reino, e cobriu-o de riquezas: era o homem mais rico de Portugal.
Mas o apelo do Evangelho foi mais forte que a sedução da glória ou do ter. “Se queres ser perfeito, vai, vende tudo quanto tens, dá-o aos pobres, e depois vem e segue-me”, respondera Jesus ao jovem que o interrogava sobre os caminhos do Céu (Mt., 19, 21). O Condestável seguiu à letra o conselho do Mestre. Assim que se viu liberto dos laços e responsabilidades familiares, recolheu-se ao convento do Carmo que mandara construir e onde professou e desempenhou as humildes funções de porteiro, que lhe permitiam distribuir aos pobres a imensa fortuna que possuía. Ainda em vida sua, já o povo cantava:
O Grão Condestabre,
Em o seu mosteiro,
Dá-nos sua sopa,
Mai-la sua roupa
Mai-lo seu dinheiro.
Foi este exemplo de humildade e desprendimento que fixou no coração do povo a sua memória. E, após a morte, começou a ser venerado como santo. Antes da canonização, antes mesmo da beatificação, o agora S. Nuno de Santa Maria (o nome com que professou) era conhecido pelos fiéis em Portugal como o Santo Condestável, que, depois de tão bem ter defendido a sua cidade dos homens, se entregou por inteiro à construção da Cidade de Deus.


J. Tomaz Ferreira

terça-feira, 21 de abril de 2009

C ÂN T I C O D O A M O R


(S. Paulo, 1ª Epístola aos Coríntios, cap. 13, vv 1-13)

Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos,
Se não tiver amor,
Sou como um bronze que soa ou um címbalo que retine.
Ainda que eu tenha o dom da profecia e conheça todos os mistérios e toda a ciência,
Ainda que eu tenha tão grande fé que transporte montanhas,
Se não tiver amor,
Nada sou.
Ainda que eu distribua todos os meus bens, e entregue o meu corpo para ser queimado,
Se não tiver amor,
De nada me aproveita.
O amor é paciente, o amor é prestável,
Não é invejoso, não é arrogante nem orgulhoso,
Nada faz de inconveniente, não procura o seu próprio interesse,
Não se irrita nem guarda ressentimento.
Não se alegra com a injustiça, mas rejubila com a verdade.
Tudo desculpa, tudo crê, tudo suporta.
O amor jamais passará
Agora permanecem estas três coisas: a Fé, a Esperança e o Amor:
Mas a maior de todas é o AMOR.

domingo, 19 de abril de 2009

TÃO IGUAL A NÓS...

O que sabemos de Jesus é aquilo que nos disseram os seus discípulos, que depois da morte dele assumiram a missão de espalhar pelo mundo inteiro o anúncio da Sua mensagem, cujo ponto fulcral era, aliás, a própria pessoa de Jesus.
Personagem estranho que, sendo homem, se apresentava como Filho de Deus e que acabou por morrer condenado por blasfémia, justamente porque, ao ser julgado pelo Sinédrio reivindicou sem ambiguidades a sua qualidade divina: “és tu o Cristo, Filho de Deus bendito?”, perguntou o Sumo Sacerdote. E, sem tergiversar, Jesus respondeu: “eu sou” (Cf. Mc., 14, 61-62). No Prólogo do seu Evangelho, depois de dizer que “o Verbo era Deus” (Jo, 1, 1), João acrescenta que “o Verbo se fez homem e veio habitar entre nós” (Jo., 1, 14). Pedro, interrogado por Jesus, “e vós, quem dizeis que eu sou?” respondeu sem hesitar: “Tu és o Cristo, Filho de Deus vivo” (Cf. Mt., 16, 15-16). Paulo, por seu lado, na Epístola aos Filipenses, é também taxativo: “que toda a língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor” (Filip., 2, 11) O que não o impediu de proclamar também que Jesus é “em tudo igual a nós excepto no pecado” (Heb., 4, 15 J). Para a comunidade cristã primitiva, Jesus era simultaneamente Deus e homem.
O mínimo que se pode dizer de um homem-Deus é que ele constitui um mistério, na medida em que é muito difícil (se não impossível) para a inteligência humana conceptualizar semelhante realidade: trata-se, con efeito, de conjugar no mesmo sujeito o infinito da divindade com o finito do homem. Não admira, por isso, que nos primeiros séculos a reflexão cristã se tenha dedicado largamente à procura duma inteligência da fé
que permitisse a formulação clara dos dados do .
Como resultado desse reflexão, a Igreja fixou em termos inequívocos a realidade da natureza humana de Jesus: “Perfeito Deus, perfeito homem, com uma alma racional e carne humana” (Símbolo Quicumque). Esta é a fé católica sancionada em vários concílios (Niceia, 325; Éfeso, 431; Calcedónia, 451) que de vez arrumou a inteligência ortodoxa da fé primitiva.
É este Cristo, homem verdadeiro, com todas as limitações do homem, que me apraz contemplar quando medito os passos da Sua Paixão. E apraz-me contemplá-lo no que de mais humano a paixão nele revela. Deus e homem, Jesus deixou bem claro, no episódio das tentações, que nunca aceitaria pôr os seus poderes divinos ao serviço dos seus desejos ou necessidade humanos. Por isso o encontramos possuído duma angústia mortal no Jardim das Oliveiras, ante a perspectiva da morte. Como qualquer de nós. “Começou a entristecer-se e a angustiar-se. Disse-lhes então: a minha alma está triste até à morte; ficai aqui e vigiai comigo” (Ma.,26, 38)Como qualquer mortal possuído da angústia não desdenha procurar algum consolo na companhia dos que lhe querem bem. E reza: “Pai, se é possível...” (cf. Lc., 22, 44). Como também nós rezamos quando confrontados com um problema que está acima das nossa forças superar. E também Ele, como nós, experimentou a sensação de não ser ouvido por Deus, não coincidir o que Ele desejava com a vontade de Deus. Mas “faça-se a Tua vontade”(Mt., 26, 39).
Mais tarde na cruz, já próximo da morte, pronunciou as talvez mais misteriosas palavras
que saíram da sua boca: “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonastes?” (Mt., 27, 46). Este abandono de Deus que por vezes sentimos quando na nossa vida o Céu parece mudo ante o nosso sofrimento e surdo às nossas preces, Jesus experimentou-o também, a tal ponto que, por uma vez, não se dirige ao Pai, mas clama por Deus. Igual a nós.
Na verdade, Ele assumiu por inteiro a nossa humanidade, as nossas fraquezas, as nossas limitações. Do que é humano, só não quis partilhar aquilo que realmente degrada o homem – o pecado.
J. Tomaz Ferreira

quinta-feira, 9 de abril de 2009

A CRISTO NA CRUZ

A vós correndo vou, braços sagrados,
Nessa cruz sacrossanta descobertos,
Que para receber-me estais abertos
E por não castigar-me, estais cravados.

A vós, divinos olhos eclipsados,
De tanto sangue e lágrimas cobertos
Que para perdoar-me estais despertos
E por não devassar-me estais fechados.

A vos, pregados Pés por não fugir-me,
A vós, Cabeça baixa por chamar-me,
A vós, Sangue vertido para ungir-me,

A vós, Lado patente quero unir-me,
A vós, preciosos Pregos, quero atar-me
Para ficar unida, atada e firme.
Anónima (Sec. XVIII)

domingo, 5 de abril de 2009

EM TEMPO DE PAIXÃO...

Salve, cabeça de sangue, coroa de espinhos, cabeça ferida, quebrada, espancada, coberta de escarros.
Salve, esse Teu rosto que traz o sinal da morte já perdeu a juventude, mas os Altíssimos adoram essa palidez.
Espancado, morto por culpa dos nossos pecados, o Teu rosto ainda brilha aos olhos do pecador!
Sou culpado, mas perdoa-me; estou perdido, mas não me rejeites; à hora da Tua morte inclina um pouco para mim o Teu rosto, deixa-o repousar no meu colo.
Quando eu morrer, corre para mim, deixa que nesse momento o Teu sangue me proteja.
Partirei quando Tu quiseres; mas Tu, Senhor, está lá! Abraçar-te-ei nessa cruz que me salvou!

S. Bernardo de Claraval

quinta-feira, 2 de abril de 2009

H O N E S T TO G O D

Em texto anterior, sublinhei o carácter comunitário da Eucaristia, baseando-me no Cânon 906 do Código de Direito Canónico onde se exige, para a celebração da Missa, que o sacerdote seja acompanhado por ao menos um fiel.
Por amor da verdade, devo acrescentar que a matéria não é pacífica, pelo menos no que toca à interpretação da norma canónica. Um ilustre jurista da Universidade de Navarra, comentando o dito cânon, aponta como razão para a exigência da assistência de ao menos um fiel, a precaução a ter com a saúde do sacerdote celebrante: “A razão do cânon (escreve) não é a necessidade de participação dos fiéis (...) mas a possibilidade de que a sua se visse alterada por alguma contingência que afectasse o seu pleno acabamento devido à saúde (do sacerdote) etc” E invoca o cânon 904 onde se recomenda aos sacerdotes a celebração diária da Missa.
Com o devido respeito, permito-me discordar, e mantenho-me na minha: a Eucaristia é uma acção comunitária por excelência, em que a comunidade toda, representada pelo seu presidente (o chamado celebrante) renova o mistério da Ceia do Senhor, cumprindo o que Ele expressamente ordenou: “Fazei isto em memória de Mim”.Seria, aliás extraordinário que fosse a Eucaristia a não revestir carácter comunitário, quando na celebração de todos os outros se exige a presença da Comunidade, e é muito claro que é para a Comunidade que eles são celebrados. Não vou elencar os sacramentos todos. Que o leitor o rememore e verifique que nenhum deles pode constituir acção isolada de um celebrante. Então, e a Eucaristia, sacramento da partilha do pão, havia de ser a excepção de um sacramento celebrado sem comunidade? A mim parece-me absurdo.
A mim, que não a outros. E vale a pena procurar o porquê. É que nestas minudências concretas da vida da Igreja espelham-se princípios que raramente se discutem ou se explicitam, mas que são a explicação de muito do que se faz ou ordena ou recomenda – mesmo em sede de Direito Canónico.
Convivem na Igreja duas linhas eclesiológicas que dão origem a procedimentos diversos na lógica dos princípios de que partem. E esses princípios são dois: o princípio do Chefe, e o princípio da Comunidade. Os que baseiam a Igreja no princípio do Chefe dizem em suma que “no princípio era o chefe”, e ao chefe tudo se refere, tudo dele promana e é em função dele que tudo deve organizar-se. É deste princípio que deriva a recomendação do Código para que os presbíteros celebrem Missa diariamente. Pior do que isso, é deste princípio que deriva toda a organização e as práticas prevalecentes na vida da Igreja – a importância do Papa e a sua intervenção na vida de toda a Igreja, desde a nomeação dos Bispos até ao exercício de um magistério erigido muitas vezes a dimensões que na realidade não tem.
Depois há o princípio da Comunidade. Aqui se dirá que “no princípio era a Comunidade”, como disseram, segundo narram os Actos dos Apóstolos, os Doze, quando se tratou de escolher o substituto de Judas: Pedro estava lá e podia designar: mas não quis e foi com os votos da comunidade que a escolha recaiu sobre Matias; como foram os votos da Comunidade que designaram aqueles que haviam de ser os primeiros diáconos.
Aliás a história da Igreja é fértil em acções que denunciam bem o primado da comunidade: os bispos e os presbíteros só o eram depois da imposição das mãos que garantiam a sucessão apostólica – mas a imposição das mãos era feita àqueles que a comunidade elegia. E não será inútil recordar que o Concílio de Calcedónia declarou nulas as ordenações de bispos e presbíteros que não fossem apresentados por uma comunidade... O Concílio de Calcedónia não concebia uma Eucaristia celebrada sem comunidade.
Os dois princípios – do Chefe e da Comunidade – convivem na Igreja de Deus. Por mim, penso que o princípio da Comunidade vai prevalecer um dia para que a Igreja verdadeiramente se renove.
J. Tomaz Ferreira