segunda-feira, 29 de junho de 2009

O TRABALHO DOS HOMENS

O trabalho como valor é uma realidade relativamente recente. Em tempos idos, a estratificação social de “clero, nobreza e povo” era a este, a “arraia miúda” que estava cometido o trabalho. Os nobres dedicavam-se às artes da guerra e aos prazeres da caça – embora na guerra a sale besogne tocasse, evidentemente à arraia miúda... O clero, para além da cura de almas, entregavam-se também ao estudo: nos tempos medievais a ciência recolheu-se aos conventos e era ali que se recrutavam os mestres que nas universidades aprofundavam e transmitiam o saber.
Não que o trabalho, na sua expressão manual, estivesse ausente da tradição cristã. Jesus trabalhou. Era filho de um carpinteiro, e é como tal que os seus contemporâneos o apontam quando, logo no início da sua vida pública, vai pregar a Nazaré (Cf. Mc., 6, 3). Os primeiros discípulos que recruta para depois fazer deles seus apóstolos são pescadores (Cf. Mt., 4, 18 e segs.). S. Paulo gloriava-se de ganhar o sustento próprio com o trabalho das suas mãos para não pesar às comunidades em que desenvolvia a sua actividade apostólica.
Mais perto de nós, temos o exemplo de S. Bento, o patriarca dos monges do Ocidente. No caminho de perfeição que traçou para os seus seguidores, o trabalho inscrevia-se como elemento essencial. Ora et labora – reza e trabalha – foi a divisa que propôs aos membros da sua ordem.

Nos tempos modernos, sobretudo com a revolução industrial, o trabalho impôs-se na sociedade como um valor. O que era apenas considerado como servidão ganhos foros de direito. São muitos os Estados que nas suas Constituições inscreveram o direito ao trabalho que, alargado no seu conceito, passou a designar toda a actividade humana.
E foi assim que também na espiritualidade cristã o trabalho se impôs como valor e caminho para a santidade. São conhecidos institutos religiosas de fundação recente que se distinguem por terem constituído o exercício da actividade profissional como caminho específico para a perfeição dos seus membros.
Finalmente, o Concílio Vaticano II, nomeadamente na Constituição Gaudium et Spes sobre a Igreja no mundo contemporâneo, esboçou de forma clara a concepção do trabalho na mundividência cristã e na espiritualidade dela decorrente. Sem dispensar a leitura integral do documento, aqui se deixam algumas das suas considerações.
“É com o seu trabalho que o homem sustenta de ordinário a própria vida e a dos seus; por meio dele se une e serve aos seus irmãos, pode exercitar um a caridade autêntica e colaborar no acabamento da criação divina. Mais ainda. Sabemos que oferecendo a Deus o seu trabalho, o homem se associa à obra redentora de Cristo” (GS. 67).
E temos o essencial. Por muito humilde que seja, o trabalho, todo o trabalho dos homens, é o prolongamento da acção divina: da acção criadora de Deus, da acção redentora de Cristo. Que valor maior se lhe poderia atribuir?

J. Tomaz Ferreira

QUANDO REZARDES...

E aconteceu que Jesus estava a rezar. E quando terminou, disse-lhe um dos seus discípulos:
- Senhor, ensina-nos a rezar, como também João (Baptista) ensinou aos seus discípulos. E Jesus disse-lhes:
- Quando rezardes, dizei assim:
Pai nosso que estais no Céu,
Santificado seja o Vosso nome,
Venha a nós o Vosso Reino,
Seja feita a Vossa vontade
Assim na Terra como no Céu;

O pão nosso de cada dia nos dai hoje,
Perdoai-nos as nossas ofensas
Assim como nós perdoamos
A quem nos tem ofendido;
E não nos deixeis cair em tentação,
Mas livrai-nos do mal. (Cf. Lc., 11, 1-
4)

quinta-feira, 11 de junho de 2009

CORPO DE DEUS

Bate-me sempre uma sensação de vazio quando visito uma igreja sem sacrário. O sacrário é, como todos sabem, a caixa em que se guardam as hóstias consagradas, que a fé cristã professa serem o Corpo de Cristo escondido nas aparências do pão.
A presença de Cristo na hóstia consagrada pertence indiscutivelmente ao depósito da revelação e é desde sempre objecto da fé de toda a Igreja. Tem como base as narrativas evangélicas da Última Ceia em que Jesus “tomou o pão, abençoou-o, partiu-o e deu-o aos seus discípulos dizendo: tomai e comei, isto é o meu corpo” (Mt., 26, 26). Nem os Apóstolos se devem ter espantado com tão estranho gesto. Muito tempo antes, após a multiplicação dos pães, já Jesus misteriosamente anunciara: “O meu corpo é verdadeira comida e o meu sangue é verdadeira bebida. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em Mim e eu nele.” (Jo., 6, 55-56) A crueza destas palavras levou muitos discípulos a abandonarem o Mestre que, perante a deserção, não teve palavras ou gestos que adoçassem o que dissera. Placidamente, limita-se a perguntar aos que ficaram: “Vós também quereis ir embora?” (Jo., 6, 67) Não quiseram, e em resposta aconteceu a primeira confissão de Pedro: “A quem havemos de ir? És tu que tens palavras de vida eterna.” (Jo., 6, 68)
Na festa do Corpo de Deus, a Igreja inteira renova esta profissão de fé daquele que Jesus constituiu alicerce da sua Igreja. É esse o significado da procissão que, por determinação canónica se realiza em todas as comunidades cristãs, propondo o Senhor Jesus, presente na hóstia consagrada, à adoração dos seus fiéis.

Isto dito, ocorre-me que seria redutor a Eucaristia apenas como um modo de presença real de Jesus no meio dos seus. Seria limitara Eucaristia ao seu lado estático: o Cristo presente nos sacrários das igrejas é o Cristo que aguarda a companhia dos seus fiéis, que lhes diz que não estão sozinhos, que os conforta nas suas desventuras. Mas esse Cristo resulta da celebração do mistério eucarístico. É na celebração eucarística que o pão e o vinho se mudam em corpo e sangue de Cristo, repartidos, como na Última Ceia por aquele que a fé reuniu à volta da mesa do banquete eucarístico.
Mas esta celebração da Eucaristia é muito mais do que isso. S. Paulo, na primeira epístola aos coríntios, deixou-nos aquele que é, cronologicamente, o primeiro testemunho escrito sobre a Eucaristia. No essencial corresponde quase literalmente ao que consta das narrativas evangélicas, que, no entanto, precede no tempo. Mas acrescenta com toda a clareza: “Todas as vezes que comeis este pão e bebeis este cálice, anunciais a morte do Senhor, até que Ele venha”. (1Cor., 11, 26) E aqui temos a chave da grandeza da Eucaristia, o seu aspecto dinâmico. Quando celebramos a Eucaristia, não nos limitamos a tornar Jesus presente sob as aparências do pão e do vinho. Quando celebramos a Eucaristia, repristinamos o mistério da nossa redenção realizada pela morte e ressurreição de Cristo. Não rememoramos apenas a morte do Senhor: actualizamos a sua função redentora, e é isso que nos permite juntar à força essencial dessa Redenção. Os micro-grãos de redenção constituídos por todas as boas obras que vamos fazendo, por todas as penas que vamos sofrendo. O nosso trabalho, o nosso sofrimento, o bem que fazemos aos outros, as lutas que travamos pela justiça e pela verdade, tudo isso, unido ao sacrifício de Cristo ali presente tem força de redenção e vai completando a Redenção do mesmo Cristo, acrescentando-lhe aquilo que lhe falta ainda (Cf. Col., 1, 24). Porque a Redenção continua em marcha “até que Ele venha”.

J. Tomaz Ferreira

segunda-feira, 8 de junho de 2009

MAS AS CRIANÇAS, SENHOR...




Filhos atormentados, de pais separados,
estais na encruzilhada de caminhos que divergem,
lugares de encontro dos corações, durante a noite.
Sois os laços que não podem ser desfeitos, as carnes que não podem ser desunidas.
Sois o vosso pai e a vossa mãe, que, em vós, se não podem divorciar,
e sois o seu amor que sobrevive, enquanto viverdes.
Sois “eles”, para sempre casados.

Filhos abandonados, de pais desconhecidos,
sois os rostos de pais e mães, a vossos olhos sem rosto,
flores frescas, sem nome, em bem organizados herbanários.
Sois vidas nascidas de desejos sem limites,
mas preenchendo, os desejos de Deus,
sois seus filhos, mais que outros ainda, porque sois corações desocupados,
disponíveis para o Seu Amor de Pai.

Se quiserdes, filhos abandonados,
o Pai “educar-vos-á”, como seus filhos queridos,
pois Ele arranjou um lugar muito grande para vós,
sem ser disputado por pais que tudo sabem,
pensando, muitas vezes, fazer melhor que o Pai da vida.

Filhos atormentados,
Filhos abandonados,
VIVEI!
Michel Quoist, Falai-me de Amor, ed. Paulistas, p.174