domingo, 31 de maio de 2009

ANO LITÚRGICO – HISTÓRIA DA SALVAÇÃO

Escrevo em dia de Pentecostes. Eu gosto da Festa do Pentecostes. Considero-a como sendo, de certo modo, a minha festa, melhor dizendo, a nossa festa, porque no Pentecostes se celebra a epifania da Igreja – é quase o aniversário do seu nascimento.
Contam os Actos dos Apóstolos que, encontrando-se os discípulos, depois da Ascensão do Senhor Jesus, reunidos todos no mesmo lugar, se ouviu um grande estrondo, e o Espírito Santo desceu sobre eles sob a forma de línguas de fogo, e começaram a falar várias línguas, ou melhor, que, entre a multidão que se juntou, cada qual os ouvia falar a sua própria língua. É neste contexto que, pela boca de Pedro, se faz ao mundo o primeiro anúncio de Jesus morto e ressuscitado como salvador de todos os homens. Era a Igreja a manifestar-se aos homens como portadora da mensagem de salvação que Jesus trouxera. E o número dos que acreditaram aumentou. E foi aumentando sempre, primeiro em Jerusalém e na Palestina, depois até aos confins do Império Romano. E ao longo dos séculos, a palavra da salvação continuou a percorrer os continentes à medida que eles eram trazidos à luz do conhecimento pelos descobridores, e continua a ser anunciada com os efeitos anunciados por Jesus: “o que acreditar e for baptizado, será salvo” (Mc., 16, 16).

O Pentecostes fecha um ciclo de grandes festas cristãs: foi o Natal, foi a Páscoa, foi a Ascensão. Natal e Páscoa são precedidos de tempos que têm um nome litúrgico: antes do Natal vêm as quatro semanas do Advento e a Páscoa é precedida pelo chamado tempo da Quaresma. A generalidade dos cristãos sabe que o Advento é um tempo de preparação para o Natal, como a Quaresma é um tempo de preparação para a Páscoa. O tempo que se segue ao Pentecostes não tem liturgicamente um nome especificante: designa-se prosaicamente por “tempo comum”, e não se lhe aponta nenhuma finalidade específica em termos de preparação para.
Porém, um olhar atento para o desenrolar do ano litúrgico pode desvendar-nos o sentido riquíssimo deste tempo comum do ponto de vista cristão. Se bem observarmos, veremos que o ano litúrgico representa e reproduz a história da salvação, que é como quem diz a história do mundo, segundo o desígnio da Deus. O tempo do Advento representa os séculos que precederam a vinda de Jesus, os séculos de espera da criação e do homem por aquele que havia de vir trazer ao mundo a salvação, isto é, realizar o desígnio salvífico de Deus a seu respeito. No Natal celebramos o nascimento de Jesus, isto é, a chegada do salvador prometido e o início da obra de Redenção do mundo que Deus idealizara. A Quaresma representa a vida pública de Jesus, o tempo do seu anúncio da vinda do Reino de Deus, da Sua manifestação aos homens como enviado de Deus e, mais do que apenas enviado, Filho de Deus. Na Páscoa celebramos a consumação da obra redentora de Jesus, consubstanciada na sua morte na cruz e coroada na Ressurreição que marca o seu triunfo sobre a more e, consequentemente, a fiabilidade da salvação que prometera aos que aceitassem a sua mensagem. Até à Ascensão, a liturgia alegra-se em Jesus já ressuscitado, mas a conviver ainda com os seus, a confiar-lhes a missão de anunciar a Boa Nova e a prometer-lhes a vinda do Espírito Santo para seu conforto. A festa da Ascensão celebra, digamos, o regresso de Jesus ao seio do Pai.
Com o Pentecostes inicia-se a última fase da história da salvação – os tempos que vivemos e que se prolongarão até à segunda vinda de Cristo. São os tempos em que Jesus continua a operar na História através dos cristãos, os membros do seu Corpo Místico, a quem cabe perpetuar no mundo a presença de Jesus e continuar a sua obra de redenção que se consumará quando Deus for “tudo em todas as coisas” (1Cor., 15, 28). Então estará consumada a História, construída que foi a Jerusalém Nova, a Cidade de Deus.

J. Tomaz Ferreira

domingo, 17 de maio de 2009

C R I S T O – R E I


“Cristo fez-se por nós obediente até à morte e morte de cruz.
Por isso, Deus o exaltou e lhe deu um nome que está acima de todo o nome,
Para que, ao nome de Jesus, todos os joelhos se dobrem
No Céu na Terra e nos Infernos.
E toda a língua confesse, para glória de Deus Pai,
Que Jesus Cristo é o SENHOR.”

S. Paulo, Epist. Aos Filipenses, cap. 2. vv. 8-11.

sábado, 16 de maio de 2009

O P R I M A D O D O H O M E M

Aprendemos na história que a passagem da Idade Média para a Idade Moderna foi marcada por duas revoluções que transformaram o mundo. A primeira, a revolução coperniciana, que transferiu o centro do cosmos da Terra para o Sol. Piamente se pensava que a Terra era o centro do mundo e que à sua volta tudo girava. As observações de Galileo e de Copérnico (um clérigo polaco) desfizeram a ilusão e fzeram saber que não é o Sol que gira à volta da Terra, mas a Terra que gira à volta do Sol. A segunda, foi a revolução humanista que domina todo o grande movimento literário, artístico, filosófico e religioso do Renascimento, e que, à visão medieval de um mundo centrado em Deus, contrapõe a visão de um mundo centrado no homem: o teocentrismo medieval foi substituído pelo antropocentrismo moderno.
A ideia tem vindo a fazer o seu caminho, com altos e baixos, e, embora tenha funcionado como linha orientadora de fundo dos movimentos que marcam o desenvolvimento histórico até aos nossos dias, é abusivo pensar que ela esteve sempre presente de forma consciente nos protagonistas que os iniciaram, e casos tem havido que a intenção inicial desembocou no resultado oposto àquele que era suposto ser atingido. Um caso típico é o da Reforma luterana que, iniciada para emancipar o homem da autoridade da Igreja, acabou por proclamar a sua sujeição ao arbítrio do Príncipe em matéria de religião.
Seja como for, o Concílio Vaticano II pôde assumir que “tudo quanto existe sobre a Terra deva ser ordenado em função do homem como seu centro e seu termo”; e constatar que “neste ponto existe um acordo quase geral entre crentes e não crentes” (cf. Gaudium et Spes, 12).
Mas este princípio, que levou séculos a amadurecer na caminhada da Humanidade, foi claramente enunciado por Jesus, quando taxativamente afirmou: “O Sábado foi feito para o homem, e não o homem para o Sábado” (Mc., 2, 27). Para perceber o alcance desta proposição, é bom lembrar que o Sábado era um dia sagrado, e o dever de respeitar o descanso sabático era, senão o primeiro e maior, certamente dos primeiros e maiores deveres impostos por Deus, pelo menos na interpretação rabínica do tempo. Dizendo o que disse, Jesus subordinou ao homem o que havia de mais sagrado. Dificilmente se poderia encontrar forma mais eloquente de proclamar o primado do homem. E os cristãos dos primeiros séculos entenderam-no bem. O seu sentir foi claramente expresso por S. Ireneu quando não se inibiu de escrever: “A glória de Deus é o homem vivo”.
Quer isto dizer que na actuação da Igreja foi sempre tido em conta este primado do homem? De modo nenhum. Fenómenos como o da Inquisição demonstram exactamente o contrário. Na Inquisição proclamava-se com actos o primado da doutrina (ou, se quisermos, da Fé) sobre o Homem. Ao arrepio do Evangelho.
Ainda hoje, mau grado a solene profissão de fá no homem proclamada pelo Concílio Vaticano II, a Igreja esquece no seu proceder o primado do Homem. Cito, a título de exemplo, o caso dos padres que abandonam o sacerdócio e pretendem casar. Para que possam celebrar o Sacramento do Matrimónio, precisam duma dispensa de Roma (semelhante à que se pede para celebrar matrimónio entre parentes próximos). Paulo VI concedia essa dispensa aos que a pediam e exigia-lhes como paga que abandonassem o ministério sacerdotal. Com João Paulo II isso acabou. A Santa Sé nega-se a dar a dispensa, negando do mesmo passo implicitamente o primado do homem. No fim de contas, a lei do celibato não é comparável em importância e dignidade à Lei do Sábado. Mas parece que, segundo João Paulo II, embora o Sábado tenha sido feito para o homem, parece que aqui, foi o homem que foi feito para o celibato...
J. Tomaz Ferreira

domingo, 10 de maio de 2009

Quando queres desistir... PENSA

Se o homem não sabe caminhar, que não largue a mão de sua mãe.
Se receia cair, que permaneça sentado.
Se receia o acidente, que deixe o carro na garagem.
Se receia o assalto, que permaneça na trincheira.
Se receia que o para-quedas não se abra, que não salte.
Se receia a tempestade, que fique ancorado no porto.
Se receia não saber construir a sua casa, que a deixe em projecto.
Se receia enganar-se no caminho, que fique em casa.
Se receia o esforço, o sacrifício e o futuro, que renuncie, pois, a viver, e que o medroso e ensimesmado, se feche no seu casulo...

Então...,
Poderá talvez sobreviver, mas não será um homem, pois é próprio do homem poder, racionalmente, arriscar a vida.
Poderá fingir amar, mas não saberá amar, pois amar é ser capaz de querer arriscar a sua vida pelos outro, por um outro.
Poderá gerar, mas não será nem pai nem mãe, pois ser pai ou mãe é, como a semente na terra, aceitar o supremo risco de morrer, para que nasça a espiga.
Michel Quoist, Falai-me de Amor, pag. 136 (ed. Paulinas)