segunda-feira, 3 de agosto de 2009

O DEUS CRISTÃO

O Cristianismo não é uma nova ideologia, que proponha uma explicação satisfatória para as várias contradições da condição humana.

O cristianismo é uma existência nova
E a sua resposta só é satisfatória para aqueles
Que se empenham totalmente a seguir a Cristo,
Para fazer recuar o mal sob todas as suas formas.

O Deus cristão é o fundamento mesmo da responsabilidade total do homem,
Relativamente aos seu irmãos e relativamente ao mundo.


CL.-J. GEFFRÉ, o.p.

domingo, 2 de agosto de 2009

PENSAR O MUNDO

Ensinaram-nos no catecismo que são três os “inimigos da alma – Mundo, Demónio e Carne. É grande a tradição de fuga ao mundo nos caminhos para a perfeição cristã. Vem dos primórdios do Cristianismo a fuga para o deserto dos anacoretas, que na solidão absoluta viviam em penitência a luta contra as tentações da carne e do Demónio (como Santo Antão – mas não precisavam de enfrentar os perigos do Mundo com quem radicalmente tinha cortado todo o contacto.
Esta ascese da solidão foi mais tarde substituída pelas Ordens religiosas que, preservando os valores da vida em comunidade, e aproveitando-os como ajuda ao crescimento espiritual, mantinham no silêncio dos claustros a mesma aversão ao Mundo de que se viam protegidos pelos muros do convento.
Esta diabolização do mundo colhe a sua origem o Evangelho de S. João onde nos aparecem dois conceitos de mundo que não se devem confundir. O primeiro é o mundo como realidade criada, obra do Verbo - “por Ele mundo veio à existência” (Jo., 1, 10) – e, como tal, classificada de “muito boa” por Deus: “Deus, vendo toda a sua obra, considerou-a muito boa” (Gen., 1, 31). Este é o mundo que Deus ama, segundo o testemunho do próprio Cristo no seu diálogo com Nicodemos: “Deus amou tanto o mundo, que lhe entregou o seu próprio Filho Unigénito” (Jo., 3, 16).
A par deste mundo, aparece-nos, sempre no Evangelho de João, nomeadamente nos capítulos 15 e 17, um mundo hostil que assume uma posição de ódio para com os discípulos de Jesus, para com aqueles que ouviram a sua palavra e a seguiram. O ódio aos discípulos mais não é, aliás, do que o seguimento do ódio que votou ao Mestre e que tem a sua explicação no facto de um e outros não pertencerem a esse mundo: “Se o mundo vos odeia, reparai que, antes que a vós, me odiou a Mim. Se fôsseis do mundo, o mundo amaria o que é seu, mas, como não sois do mundo, por isso é que o mundo vos odeia” (Jo., 15, 18-19). Por este mundo que O odeia recusa-se Cristo a rezar: “É por eles que eu rogo. Não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me confiaste” (Jo., 17, 9).
Que mundo é então este, que se contrapõe ao mundo que Deus ama? O traço identificativo do mundo mau está no ódio que vota a Jesus e aos que O seguem. E a raiz desse ódio está no facto de não reconhecer como seus, como pertença sua, nem Jesus nem os que O seguem. O que nos remete inequivocamente para os comportamentos – que, aliás, nos é indicado na própria história de Jesus. Resulta claramente das narrativas evangélicas que foi o choque entre as atitudes e valores que Jesus preconizava e os valores e atitudes praticados e defendidos pela classe dirigente da teocracia vigente que ditou a perseguição que esta lhe moveu até à morte. Os discursos contra os escribas e fariseus em que é verberada a sua hipocrisia, o seu amor às honrarias, a sua obsessão de domínio, o seu desdém pelos mais pequenos, o apego aos privilégios, são a exegese, a contrario sensu das opções que o próprio Cristo fez quando, tentado pelo Demónio, recusou como caminhos de vida a riqueza, a fama e o poder. Os que seguem estes caminhos sentem-se ameaçados quando alguém incarna o seu contrário. Sentem que o seu mundo pode ruir. E a este mundo não podem pertencer os que escolheram seguir a Cristo, porque é o mundo do Mal.
Mas é neste mundo que têm que viver e que Jesus quer que vivam: “Não te peço que o retires do mundo, mas que os livres do Mal” (Jo., 17, 15). Viver no mundo e não ser do mundo é o grande desafio dos cristãos que escolheram permanecer no século. Estar no mundo e não se deixar contaminar pelos seus valores é o grande desafio no plano individual. A que se junta um outro no plano cívico: agir para que a sociedade se liberte dos valores dominantes do Maligno e adira aos valores evangélicos.
O primeiro passo para o conseguir é pensar os acontecimentos à luz do Evangelho e identificar, nos comportamentos que os integram, os valores que lhes estão subjacentes. Depois, haverá que julgá-los à luz do Evangelho para em seguida agir de acordo com o juízo que se fez.
O cristão não pode ser um alienado do que se passa à sua volta. Se o for, o testemunho que der do seu cristianismo será um testemunho pequenino. A tarefa de salvar o mundo – o mundo que Deus ama – é grande demais para dispensar o esforço de cada um. E esse esforço tem de ultrapassar em preocupação o plano meramente individual, e alargar-se tendencialmente às dimensões do universo.

J. Tomaz Ferreira