sábado, 26 de setembro de 2009

A religião ou o sentimento religioso...

A religião, ou o sentimento religioso, é o mais inconfessável de todos: não por irracional, mas porque é da sua mais íntima natureza o silêncio da vida física do universo, que só faz barulho por acaso e não para a gente ouvir. Que mais não fosse, acharia ridícula, e acho, a atitude dos «libertos», nascidas da cabeça de Júpiter, desirmanados de tudo quanto encarnou as dores e as esperanças de uma humanidade dolorosamente em busca do seu próprio corpo. Mais que ridícula, criminosa, estulta, digna dos raios divinos, se os houvesse. Neste sentido, me é respeitável a religião considerada na sua acção interior e na sua simbólica aparente; e, como poeta, não posso deixar de ser sensível ao paganismo que a Igreja Católica não sonha - ou sonha até - a que ponto herdou. Quando a religião pretende fixar-se, lutar ligada a interesses materiais que geraram muitas das formas que ela tomou, evidentemente que sou contrário a ela, a aquela, porque sei que não há eternidade das formas e das convenções, mas sim da orgânica simbólica que assume uma ou outra forma, segundo o estado social em que se desenvolve.
Jorge de Sena, carta a sua noiva Mécia Lopes, 15 Dezembro 1947

terça-feira, 15 de setembro de 2009

“ M’ESPANTO AS VEZES...” (Sá de Miranda)

É mandatária para a juventude de um grande partido de esquerda. Cara bonita, a televisão de Balsemão explora-lhe os méritos como apresentadora e pelo menos uma agência de publicidade pô-la a ilustrar um anúncio.
Filha de família com posses e nome (nesta terra quem tem posses nome tem e vice-versa), dada a sua condição teve que fazer a opção de classe para militar nas hostes dos que, em programa, se deram como missão defender dos vampiros exploradores as classes mais desprotegidas. Ilustrou essa opção fazendo saber que só come cerejas e uvas depois de a criada lhes ter extraído caroços e grainhas. Como qualquer mortal, não gosta de engolir caroços nem grainhas. A opção de classe que fez explica o modo bizarro como contornou a dificuldade.
Ao nível da mentalidade, é modernamente “fracturante” quando proclama que é melhor ganhar eleições fazendo batota do que perdê-las. Não me admiraria, se o seu partido ganhar, de a ver a propor leis fracturantes que descriminalizem a corrupção, a falsificação de documentos, o perjúrio, o falso testemunho, e cosi via.
Os botas de elástico presos a princípios de ética ou moral hão-de bramar contra isso. Nada que um referendo não resolva: se for vontade do povo consagrar a batota como comportamento a seguir, não apenas em eleições, mas na vida toda, seremos todos muito felizes.
Como é que Cristo, nas bem-aventuranças, se esqueceu de dizer: Bem-aventurados os que fazem batota, porque eles possuirão a terra? Pois não é evidente?

J. Tomaz Ferreira