quinta-feira, 25 de novembro de 2010

A TERRA E A SEMENTE

Ouvi um padre, que vivia o Evangelho, pregar o Evangelho.
Os pequenos, os pobres ficaram entusiasmados,
Os grandes, os ricos, escandalizados.
Pus-me a pensar que não seria preciso pregar muito tempo o Evangelho para que muitos dos que frequentam as igrejas se afastassem, e os outros as povoassem.
Pensei que para um cristão é um mau sinal ser estimado pela “gente bem”.
Bom seria, acredito, que eles nos apontassem com o dedo chamando-nos loucos e revolucionários,
Bom seria, acredito, que nos criassem embaraços, que assinassem protestos contra nós,
…que tentassem fazer-nos morrer.

Michel Quoist, Poemas para rezar

domingo, 21 de novembro de 2010

AS TRÊS UNÇÕES DE CRISTO

Quem percorrer o Antigo Testamento verificará que eram marcados com unções os chamados a desempenhar cargos ou missões relevantes na condução do Povo de Israel ou na sua representação. Era assim com os sacerdotes desde os tempos de Moisés que, seguindo as ordens de Deus, ungiu seu irmão Aarão, constituindo-o Sumo Sacerdote: “Tomarás o óleo da unção e derramá-lo-ás sobre a sua cabeça, ungi-lo-ás”(Ex. 29, 7). Foi assim com Saul que, escolhido por Deus para reinar sobre Israel, foi ungido por Samuel (Cf. 1Sam., 10, 1), como ungido foi David, que sucedeu a Saul como rei do Povo de Deus (Cf. 1Sam., 16, 13). Da unção profética fala Isaías referindo-se a si próprio: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque o Senhor me ungiu: enviou-me para levar a boa nova aos que sofrem” (Is., 61, 11). Temos assim que ungidos eram os Reis, os Sacerdotes e os Profetas.
Também Jesus foi ungido. Mais: se nos lembrarmos de que, na sua raiz grega, Cristo quer dizer justamente ungido, compreenderemos que, ao dizerem, como nós aliás, creio em Jesus Cristo, os primeiros cristãos tinham desta expressão uma compreensão mais rica do que aquela que hoje lhe emprestamos. Enquanto que para nós Jesus Cristo é apenas o nome do homem que temos por Filho de Deus e nosso salvador, para eles a palavra Cristo qualificava Jesus como o ungido por excelência, aquele em quem convergiam todas as unções. Isto é, proclamavam-no Rei, Sacerdote e Profeta. São as três unções de Cristo de que, e ainda mal, pouco ou nada se ocupam a pregação e a catequese actuais. E, no entanto, todas elas aparecem, e bem explícitas nos livros do Novo Testamento, e definem, inteira, a missão de Cristo no mundo.
Desde logo, a unção real. Interrogado por Pilatos sobre se era ou não rei dos Judeus, Jesus discorre sobre a sua realeza que diz não ser deste mundo (Cf. Jo. 18, 33-36). E Pilatos conclui: “Logo, tu és rei”. A resposta de Jesus é inequívoca: “É como dizes. Eu sou rei” (Jo., 18, 37).
Mas também a unção profética. Falando na sinagoga de Nazaré, a terra onde fora criado, Jesus aplicou a si próprio a passagem de Isaías que citámos, assumindo desse modo a condição de Profeta, e concitando contra si a ira dos seus conterrâneos que foi ao ponto de lhe quererem infligir a morte (Cf. Lc., 4, 16-30).
Do sacerdócio de Cristo não nos falam os evangelhos. Em compensação, a epístola aos Hebreus, proclama inequivocamente o sacerdócio de Cristo (“Este (Jesus) porque permanece para sempre, tem um sacerdócio sempiterno” – Hebr., 7, 24). Mais do que simples sacerdote, Jesus é mesmo o Sacerdote Supremo: “Temos um grande Sumo Sacerdote que atravessou os céus, Jesus, o Filho de Deus” (Hebr., 4, 14).
Rei, Sacerdote e Profeta, eis os três títulos que definem a missão de Jesus na Terra. Rei, para submeter a Deus todas as coisas e assim afirmar os Seu senhorio sobre a criação desviada d’Ele pelo pecado. Sacerdote, para ser o mediador entre os homens e Deus, para falar a Deus em nome dos homens: porque entre os homens o primeiro, e porque, sendo Filho de Deus, é por Ele aceite com entranhas de benevolência. Profeta, porque é o enviado de Deus para falar aos homens em Seu nome. Ao contrário do que comummente se julga, Profeta não é aquele que prevê e prediz o futuro. Pode fazê-lo também: os Profetas do Antigo Testamento fizeram-no em relação aos tempos messiânicos. Pedro e João, Apóstolos de Jesus, o fizeram também relativamente à consumação dos tempos. Mas o que define o múnus profético é o falar em nome de
Deus. Foi o que fez o ungido do Senhor ao anunciar aos homens a Boa Nova de que Deus os queria como filhos.
J. Tomaz Ferreira