segunda-feira, 5 de julho de 2010

CARIDADE E SOLIDARIEDADE

Se bem me lembro, a palavra solidariedade entrou no vocabulário corrente pelas mãos de António Guterres que, quando Primeiro-Ministro, dela fez uso intensivo.
Comecei por pensar que a solidariedade era a versão laica da caridade. Foi o P. Melícias quem me levou a pensar melhor, por causa do uso sistemático que também ele (frade de S. Francisco) fazia do vocábulo, ignorando sistematicamente a caridade. E concluí que a solidariedade seria afinal o valor em que se baseava o Estado Social, no qual, dos impostos de todos, sai a ajuda para os que supostamente mais precisam. O princípio foi levado às últimas consequências com a criação das SCUT em que todos pagamos a utilização por alguns das auto-estradas que os servem, mas, no caso, sem qualquer consideração pela real carência de meios dos utilizadores, que podem ser pobres, mas, em muitos casos, são ricos. É um caso de solidariedade cega em que todos, mesmo os pobres, são chamados a subsidiar alguns, mesmo ricos ou muito ricos.
Porque a solidariedade vertida no Estado Social é em muitos casos realmente cega e dela está ausente o calor da relação pessoa a pessoa que é a grande riqueza da caridade cristã.
Quer isto dizer que sou contra a solidariedade ou contra o Estado. De modo nenhum. Considero-o mesmo uma das maiores conquistas civilizacionais dos nossos tempos, e só lamento que a evolução do muno, nas suas vertentes económica e demográfica entre outras, ameace obrigar, se não ao seu desaparecimento, pelo menos a um redimensionamento indesejável, cujas dimensões futuras não é possível por ora determinar.
Isto dito, como cristão, um adepto estrénuo da caridade. Aquela caridade em que a partilha material dos bens brota do amor ao próximo, tradução do amor de Deus que foi infundido em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado. (Cf. Rom., 5, 5) E custa-me que a ignorância, não isenta de presunção, leve alguns a formularem sobre a caridade afirmações bárbaras como a que a seguir transcrevo e que colho num artigo de homenagem a José Saramago (Cf. Expresso, 26 de Junho de 2010, Actual, pag. 19). São palavras da filha do escritor, Violante: “Aprendi com ele (Saramago) que a caridade é das piores coisas que existem. Porque se anuncia. Compra sempre qualquer coisa. Já a solidariedade é discreta. Muitas vezes esconde-se até. Mas existe”.
Saramago escreveu um “Evangelho segundo Jesus Cristo”; mas, ou não leu, ou fez uma leitura muito selectiva do Evangelho de Jesus Cristo, por exemplo, segundo S. Mateus. No capítulo VI desse evangelho, referem-se as palavras de Jesus sobre a prática da caridade que não me dispenso de transcrever: “Guardai-vos de fazer as vossas boas obras diante dos homens, para vos tornardes notados por eles; de outra maneira, não tereis nenhuma recompensa de vosso Pai que está no Céu. Quando, pois, deres esmola. Não permitas que toquem trombetas diante de ti, como fazem os hipócritas, nas sinagogas e nas ruas, a fim de serem louvados pelos homens. Em verdade vos digo: já receberam a sua recompensa. Quando deres esmola, que a tua mão esquerda não saiba o que faz a direita, a fim de a tua esmola permaneça em segredo; o teu Pai, que vê o oculto, há-de premiar-te”. (Mt., 6, 1-4).
Inútil comentar.

J. Tomaz Ferreira