domingo, 19 de abril de 2009

TÃO IGUAL A NÓS...

O que sabemos de Jesus é aquilo que nos disseram os seus discípulos, que depois da morte dele assumiram a missão de espalhar pelo mundo inteiro o anúncio da Sua mensagem, cujo ponto fulcral era, aliás, a própria pessoa de Jesus.
Personagem estranho que, sendo homem, se apresentava como Filho de Deus e que acabou por morrer condenado por blasfémia, justamente porque, ao ser julgado pelo Sinédrio reivindicou sem ambiguidades a sua qualidade divina: “és tu o Cristo, Filho de Deus bendito?”, perguntou o Sumo Sacerdote. E, sem tergiversar, Jesus respondeu: “eu sou” (Cf. Mc., 14, 61-62). No Prólogo do seu Evangelho, depois de dizer que “o Verbo era Deus” (Jo, 1, 1), João acrescenta que “o Verbo se fez homem e veio habitar entre nós” (Jo., 1, 14). Pedro, interrogado por Jesus, “e vós, quem dizeis que eu sou?” respondeu sem hesitar: “Tu és o Cristo, Filho de Deus vivo” (Cf. Mt., 16, 15-16). Paulo, por seu lado, na Epístola aos Filipenses, é também taxativo: “que toda a língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor” (Filip., 2, 11) O que não o impediu de proclamar também que Jesus é “em tudo igual a nós excepto no pecado” (Heb., 4, 15 J). Para a comunidade cristã primitiva, Jesus era simultaneamente Deus e homem.
O mínimo que se pode dizer de um homem-Deus é que ele constitui um mistério, na medida em que é muito difícil (se não impossível) para a inteligência humana conceptualizar semelhante realidade: trata-se, con efeito, de conjugar no mesmo sujeito o infinito da divindade com o finito do homem. Não admira, por isso, que nos primeiros séculos a reflexão cristã se tenha dedicado largamente à procura duma inteligência da fé
que permitisse a formulação clara dos dados do .
Como resultado desse reflexão, a Igreja fixou em termos inequívocos a realidade da natureza humana de Jesus: “Perfeito Deus, perfeito homem, com uma alma racional e carne humana” (Símbolo Quicumque). Esta é a fé católica sancionada em vários concílios (Niceia, 325; Éfeso, 431; Calcedónia, 451) que de vez arrumou a inteligência ortodoxa da fé primitiva.
É este Cristo, homem verdadeiro, com todas as limitações do homem, que me apraz contemplar quando medito os passos da Sua Paixão. E apraz-me contemplá-lo no que de mais humano a paixão nele revela. Deus e homem, Jesus deixou bem claro, no episódio das tentações, que nunca aceitaria pôr os seus poderes divinos ao serviço dos seus desejos ou necessidade humanos. Por isso o encontramos possuído duma angústia mortal no Jardim das Oliveiras, ante a perspectiva da morte. Como qualquer de nós. “Começou a entristecer-se e a angustiar-se. Disse-lhes então: a minha alma está triste até à morte; ficai aqui e vigiai comigo” (Ma.,26, 38)Como qualquer mortal possuído da angústia não desdenha procurar algum consolo na companhia dos que lhe querem bem. E reza: “Pai, se é possível...” (cf. Lc., 22, 44). Como também nós rezamos quando confrontados com um problema que está acima das nossa forças superar. E também Ele, como nós, experimentou a sensação de não ser ouvido por Deus, não coincidir o que Ele desejava com a vontade de Deus. Mas “faça-se a Tua vontade”(Mt., 26, 39).
Mais tarde na cruz, já próximo da morte, pronunciou as talvez mais misteriosas palavras
que saíram da sua boca: “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonastes?” (Mt., 27, 46). Este abandono de Deus que por vezes sentimos quando na nossa vida o Céu parece mudo ante o nosso sofrimento e surdo às nossas preces, Jesus experimentou-o também, a tal ponto que, por uma vez, não se dirige ao Pai, mas clama por Deus. Igual a nós.
Na verdade, Ele assumiu por inteiro a nossa humanidade, as nossas fraquezas, as nossas limitações. Do que é humano, só não quis partilhar aquilo que realmente degrada o homem – o pecado.
J. Tomaz Ferreira