Apesar de todo o empenho na defesa da família e das preocupações patentes na pastoral familiar, não podemos furtar-nos à impressão de que, para a Igreja, o estado de casado é uma situação de vida de grau inferior. O que mais se exalta é a vida consagrada que se vive adentro dos muros do convento nas ordens religiosas. E no mundo, àqueles que se destinam a presidir às comunidades cristãs impõe-se como dever a guarda do celibato, e consequentemente a renúncia à vida conjugal. De resto, no calendário litúrgico, que atribui a cada santo um qualificação catalogante, encontramos mártires, doutores, confessores, virgens e... viúvas, como se fosse condição para ascender à santidade a rotura do vínculo conjugal por morte do cônjuge.
É verdade que foi o próprio Cristo quem apontou o celibato como caminho de vida, e o valorizou quando ele é assumido por amor do Reino de Deus (Cf. Mt., 19, 12). Mas não deixa de ser curioso que o tenha feito respondendo aos Apóstolos que, assustados com as exigências do Matrimónio, que o mesmo Jesus enunciara, concluíram que “assim sendo, é melhor não casar” (Mt., 19, 10). O que logo indicia que o caminho do casamento não representa na vida cristã uma via de menor esforço...
É pena que a reflexão sobre o Matrimónio cristão se fixe quase exclusivamente neste texto, quando a teologia do Sacramento tem a sua fonte mais rica no texto de S. Paulo aos Efésios, cap. 5. vv. 21 a 33. Também nele se enunciam os deveres dos esposos – não já apenas os decorrentes da indissolubilidade (como no texto citado de Mateus), mas principalmente a grandeza do amor mútuo, que é um amor único, pois colhe a sua grandeza no facto de representar na Terra a união de Cristo com a Sua Igreja. Marido e Mulher devem amar-se como se amam Cristo e a Igreja, unidos por um vínculo que nada nem ninguém pode quebrar.
Diz-se, e com razão, que o matrimónio é um contrato e acrescenta-se que, ao contrário de outros contratos, este não pode dissolver-se pela vontade das partes. É pobre e dificilmente compreensível. Mais uma vez o juridismo inquina a realidade, infestando-a com o seu efeito redutor. A unidade do casamento cristão não deriva do seco assentimento prestado pelas partes contratantes. O assentimento prestado configura certamente a realidade jurídica de um contrato, mas gera, para além dele, uma unidade física, bem patente aliás na expressão que vem já do Velho Testamento, e que Cristo reiterou: “serão dois numa só carne” (Mt., 19, 5): dificilmente esta expressão se pode reconduzir à imaterialidade de um acto de vontade revogável ad nutum. Falta-lhe, porém, o fundamento. E é S. Paulo quem o aduz no texto citado: os esposos representam na Terra a união de Cristo com a Sua Igreja que de jurídico não tem nada e de físico tudo tem: a Humanidade constitui-se em Igreja de Cristo pela comunhão da vida do mesmo Cristo que lhe é transmitida pelo Baptismo.
Esta é a grandeza do Matrimónio cristão, e a sua beleza na economia da salvação. Não se faz teologia falando da beleza dos mistérios e hierarquizando-os. Mas apetece-me dizer que, por aquilo que representa, o Matrimónio é realmente um Sacramento particularmente belo – que entusiasmou o próprio Paulo quando, a terminar o texto citado, não se inibe de exclamar: “Este mistério é grande!” (Ef., 5, 32).J.
Tomaz Ferreira