Os judeus gloriavam-se da proximidade de Deus ao Seu povo. Elucidativas as palavras do Deuteronómio: “Que grande nação haverá que tenha um deus tão próximo de si como está próximo de nós o Senhor nosso Deus?” (Deut., 4, 7)
Ocorrem-me estas palavras em tempo de Natal, quando celebramos o mistério maior da nossa fé cristã, que é o mistério da Incarnação, e penso quanto as nossas celebrações natalícias andam em geral arredadas e muito do essencial do mistério que se comemora.
E não. Não vou bater no Natal consumista dos presentes que se trocam e em que parece esgotar-se a amizade entre pessoas. Nem no Pai Natal que vem da Lapónia num carro puxado a renas distribuir brinquedos aos meninos: os anglo-saxónicos ainda lhe põem uma pitada de religioso identificando-o com S. Nicolau – nós nem isso. Falo atrevidamente do Natal com Menino Jesus – exaltação da infância e chamamento à ternura e à solidariedade, e não renego a poesia do presépio com o menino aquecido pelo bafo quente dos animais, a vaca e o burrinho que a tradição fixou.
Mas o essencial do Natal não está aí. O essencial do Natal é o mistério de um Deus que se faz homem. Não um deus que toma a aparência de homem para assim comunicar com os outros homens. O Cristo, deus com aparência de homem, foi o erro dos docetas que a Igreja condenou. O Deus do Natal é o Deus que assumiu a natureza humana real, que, sem deixar de ser Deus, se torna homem verdadeiro – Deus verdadeiro e homem verdadeiro – para comungar da existência humana, das suas limitações e da sua grandeza, do seu pensamento e das suas emoções; tão homem como qualquer homem, e que não é já apenas “Deus connosco”, mas passa a ser “Deus um de nós”. Com verdade a espécie humana pode dizer que houve, num tempo bem determinado da história, um dos seus, um indivíduo dessa espécie que era realmente Deus. Esta é a verdadeira dimensão do Natal: a união da divindade à natureza humana, a assunção irreversível, pelo Deus eterno e infinito, da criatura temporal e limitada.
No mistério do presépio, Deus não está apenas connosco: Deus é um de nós. E ao fazer-se um de nós, o Eterno fez-se tempo, entrou na História, comprometeu-se com ela. A partir daí, a história do homem não pode fazer-se sem mencionar Deus, porque a história dos homens é também a história de Deus. Esta a singularidade da religião cristã, quase blasfema, que proclama a comunhão do absoluto com o contingente: contingente enquanto homem, absoluto enquanto Deus. E a apontar, pela própria lógica das coisas, para a improvável absolutização do contingente, se não se quer o absurdo de ser este a absorver o absoluto. Como toscamente dizia o nosso épico: “Do Céu à Terra enfim desceu / para subir os mortais da Terra ao Céu”. Porque, no menino do presépio, naquela natureza humana assumida por Deus, é de certo modo toda a humanidade que é assumida, numa aliança indestrutível e eterna.
Ocorrem-me estas palavras em tempo de Natal, quando celebramos o mistério maior da nossa fé cristã, que é o mistério da Incarnação, e penso quanto as nossas celebrações natalícias andam em geral arredadas e muito do essencial do mistério que se comemora.
E não. Não vou bater no Natal consumista dos presentes que se trocam e em que parece esgotar-se a amizade entre pessoas. Nem no Pai Natal que vem da Lapónia num carro puxado a renas distribuir brinquedos aos meninos: os anglo-saxónicos ainda lhe põem uma pitada de religioso identificando-o com S. Nicolau – nós nem isso. Falo atrevidamente do Natal com Menino Jesus – exaltação da infância e chamamento à ternura e à solidariedade, e não renego a poesia do presépio com o menino aquecido pelo bafo quente dos animais, a vaca e o burrinho que a tradição fixou.
Mas o essencial do Natal não está aí. O essencial do Natal é o mistério de um Deus que se faz homem. Não um deus que toma a aparência de homem para assim comunicar com os outros homens. O Cristo, deus com aparência de homem, foi o erro dos docetas que a Igreja condenou. O Deus do Natal é o Deus que assumiu a natureza humana real, que, sem deixar de ser Deus, se torna homem verdadeiro – Deus verdadeiro e homem verdadeiro – para comungar da existência humana, das suas limitações e da sua grandeza, do seu pensamento e das suas emoções; tão homem como qualquer homem, e que não é já apenas “Deus connosco”, mas passa a ser “Deus um de nós”. Com verdade a espécie humana pode dizer que houve, num tempo bem determinado da história, um dos seus, um indivíduo dessa espécie que era realmente Deus. Esta é a verdadeira dimensão do Natal: a união da divindade à natureza humana, a assunção irreversível, pelo Deus eterno e infinito, da criatura temporal e limitada.
No mistério do presépio, Deus não está apenas connosco: Deus é um de nós. E ao fazer-se um de nós, o Eterno fez-se tempo, entrou na História, comprometeu-se com ela. A partir daí, a história do homem não pode fazer-se sem mencionar Deus, porque a história dos homens é também a história de Deus. Esta a singularidade da religião cristã, quase blasfema, que proclama a comunhão do absoluto com o contingente: contingente enquanto homem, absoluto enquanto Deus. E a apontar, pela própria lógica das coisas, para a improvável absolutização do contingente, se não se quer o absurdo de ser este a absorver o absoluto. Como toscamente dizia o nosso épico: “Do Céu à Terra enfim desceu / para subir os mortais da Terra ao Céu”. Porque, no menino do presépio, naquela natureza humana assumida por Deus, é de certo modo toda a humanidade que é assumida, numa aliança indestrutível e eterna.
J. Tomaz Ferreira