sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

P A R A U MA N O V A E P I F A N I A

Não serão muitos os cristãos que sabem localizar no calendário litúrgico a festa da Epifania do Senhor, e menos ainda os que conhecem o significado profundo desta festa. Em compensação, todos responderão prontamente quando interrogados sobre a festa dos Reis. Certamente porque, na celebração de 6 de Janeiro se lê na Missa a passagem do Evangelho de S. Mateus (cap. 2, vv. 1-12) em que se conta como do Oriente vieram uns Magos (o evangelho não fala de Reis) conduzidos por uma estrela que lhes foi indicando o caminho e os conduziu ao lugar onde estava Jesus, um menino que adoraram e a quem ofereceram presentes de oiro, incenso e mirra.
Toda a narrativa parece revestir-se duma grande carga simbólica que transcende o facto em si. E foi essa carga simbólica que levou a que a mesma fosse aproveitada para ilustrar aquilo que a Igreja entendia celebrar, a saber, a manifestação aos gentios do Salvador do Mundo, antecipando desde logo que Ele não fora enviado apenas às ovelhas perdidas da Casa de Israel, mas que o âmbito da sua missão terrena tinha a dimensão do universo. Com efeito, Epifania quer dizer justamente “manifestação”. E, se a adoração do Manino por mais três personagens, depois dos pastores pode considerar-se um fait divers sem importância de maior do ponto de vista da história da salvação, já o facto de eles serem gentios, alheios, portanto, ao povo de Israel, tem um significado profundo do ponto de vista da economia da mesma salvação.

O espectáculo do mundo de hoje, com o Povo de Deus a representar um “pequeno rebanho” quando comparado às multidões de descrentes que o rodeiam e que desconhecem o Salvador e a salvação que Ele veio trazer, apela a uma nova Epifania em que Jesus se manifeste àqueles que O desconhecem e que, desconhecendo-O, não podem obviamente segui-Lo. O Mundo precisa urgentemente de uma estrela que, à semelhança dos Magos, o conduza a Jesus.
“Assim brilhe a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem o vosso Pai que está nos Céus” (Mt., 5, 16). Foram palavras de Jesus dirigidas aos seus discípulos no sermão da montanha. Se bem entendo, é ao proceder dos Seus discípulos que Jesus comete a responsabilidade de guiar até Ele os que ainda O não conhecem. E esta responsabilidade interpela-nos a todos: em que é que o nosso proceder de cristãos se distingue do proceder dos outros para que eles se sintam interpelados?
E aqui há que lembrar que o cristão não é nunca um elemento isolado. Faz parte duma comunidade, o Povo de Deus, que é a Igreja. E então apetece perguntar se a Igreja, tal como se apresenta aos olhos do mundo, é verdadeiramente a luz que ilumina os caminhos dos homens para os conduzir a Cristo. A pergunta é tanto mais pertinente quanto é certo que não raro aqueles que clamam pela reforma da Igreja (Ecclesia semper reformanda – Igreja sempre a precisar de reforma) são acusados de descurarem a tarefa primordial da evangelização. Quando, em meu entender, um dos pontos-chave da evangelização (eu diria o ponto-chave) reside numa Igreja em que os homens facilmente reconheçam a esposa de Cristo sem mancha e sem ruga. O que não acontecerá enquanto no seu agir predominar, por exemplo, o juridismo vigente em que a lei se sobrepõe ao homem, contradizendo a clara mensagem de Cristo que explicitamente proclamou o primado do homem sobre o Sábado (Cf. Mc., 2, 27). O que podemos ilustrar com um exemplo recente.
Como é sabido, os padres estão vinculados ao celibato. Não por força de um voto que não fizeram (o voto de castidade fazem-no os que ingressam numa ordem religiosa), mas porque uma lei da Igreja declarou a ordenação sacerdotal como impedimento para a celebração do Matrimónio. Um impedimento ao lado de outros impedimentos, como aquele que impede o casamento entre sujeitos ligados por um certo grau de parentesco. Desses impedimentos, a Igreja pode dispensar, e muitas vezes dispensa.
No pós-concílio, vários padres pediram dispensa desse impedimento e o Papa Paulo VI concedia essa dispensa, privando quem a recebia do exercício do ministério sacerdotal. Foi assim que muitos sacerdotes puderam, abandonando o ministério, contrair o sacramento do Matrimónio, e continuar a viver em paz e comunhão com a Igreja.
Assim que se sentou na cadeira de Pedro, o tão admirado João Paulo II recusou sistematicamente essa dispensa. Dos dramas de consciência que brotaram dessa sua atitude, terá dado contas a Deus. Perante o mundo ficou patente a clara contradição do seu gesto com o que Cristo ensinou. Para ele, o homem é que fora feito para o Sábado, e não o Sábado para o homem. O que não impediu o seu sucessor, Bento XVI, de o ter proclamado desde já “Venerável”, como primeiro passo para uma canonização que se adivinha acontecerá em breve.
Alguém vislumbra numa Igreja que assim procede o rasto da estrela que conduz a Cristo?
J. Tomaz Ferreira