domingo, 18 de abril de 2010

OS ARTÍFICES DA CRIAÇÃO

Quando vou à Missa, recito convictamente as palavras do Credo. Eu creio, de facto, em “Deus Pai todo-poderoso, criador do céu e da terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis”. Mas nem por isso alinho com os chamados “criacionistas”, para quem tudo quanto existe no mundo foi modelado directamente por Deus. Tenho sempre presentes as judiciosas palavras do velho e sensato Tomás de Aquino que, do fundo da Idade Média, nos prevenia de que “Deus age através das causas segundas”. E isso me faz aceitar com toda a naturalidade a posição dos evolucionistas para quem o mundo, tal como o conhecemos, é o resultado de um processo lento e longo de transformações sucessivas, que conduziram ao aparecimento da vida e ao desdobrar da mesma na imensidão de espécies que hoje conhecemos. O facto de terem surgido através do referido processo de evolução em nada prejudica o facto de serem todas (de sermos todos) criaturas de Deus, fruto do Seu querer e obra das Suas mãos. As forças que as produziram e nos produziram mais não foram do que as causas segundas, através das quais Deus foi realizando a Sua obra.
Os cientistas que estudam o mundo nunca falam de Deus. Nem têm que falar. O seu campo de acção está limitado ao que é “observável”. E o que lhes é dado observar é a matéria, as suas acções e as interacções dos seus elementos. E estas não denunciam Deus. Os cientistas cingem-se ao “como” que observam e não têm que se preocupar com o “porquê” último. Em matéria de”porquê”, limitam-se a apontar as causas próximas. Como agora: há uma nuvem de poeira que impede a navegação aérea no norte da Europa porque um vulcão entrou em erupção na Islândia e os ventos arrastaram as cinzas expelidas na direcção em que sopravam.
Quando confrontados com os fenómenos evolutivos observáveis, são minuciosas a explicar o como, mas ao debruçarem-se sobre o “porquê”, esbarram no desconhecido e chamam em seu auxílio o acaso. E o acaso é, como sabemos, e por definição, o imprevisível, o imponderável. Einstein dizia que “o acaso é o pseudónimo que Deus usa quando não quer ser reconhecido”, Mas não vamos por aí. Atendo-se ao observável, verificaram os cientistas que, no ciclo imenso da evolução, a matéria escolhe sempre a direcção que vai num determinado sentido. Chamam a isto “teleonomia” - uma lei intrínseca à matéria que a orienta e faz avançar no sentido da consecução duma determinada finalidade. Um filósofo substituiria o termo teleonomia por teleologia, introduzindo no processo um elemento de inteligência, postulado pela própria noção de finalidade. Damos de barato que o cientista não tenha que o fazer. Não lhe cabe. E fiquemo-nos, como agentes da evolução, com um acaso teleonómico, desprezando o leve toque de contradição que a expressão acorda em nós.
Mas o mundo que hoje se depara aos nossos olhos já não é apenas o fruto do acaso das interacções que ditaram as proezas da evolução. Incorpora, e de que maneira, a acção do homem – por força da sua liberdade, tão imprevisível e imponderável, senão mais, do que a acção do acaso. Com uma agravante: a teleonomia, que os cientistas admitiram como guia da acção do acaso na evolução da matéria, não é transponível tout court para a acção do homem. É que, dotado duma inteligência auto-consciente, o homem tem a capacidade de estabelecer finalidades próprias e de orientar a sua acção para a consecução dessas finalidades. E não está dito que as definidas por miríades de mentes auto-conscientes sejam entre si coerentes, e muito menos que concordem no seu conjunto com a teleonomia que, segundo os cientistas, guiava o evoluir das forças da matéria… De facto, com o aparecimento do Homem, tudo se complica. Ao aleatório da evolução gerada pelo acaso, vem juntar-se o aleatório sublimado da vontade livre do Homem.
Assim, o termo final da evolução do Universo – e seria absurdo negar que esse termo final exista, no sentido pelo menos de “acabamento”, de “per-feição” no sentido etimológico do termo –antevê-se como o resultado de duas forças aleatórias – o acaso, e a vontade livre do Homem.

A Sagrada Escritura diz que, obra de Deus, a criação proclama a Sua glória e o Seu poder. É para defenderem essa glória e esse poder que os criacionistas querem que tudo quanto existe tenha sido directamente tocado pelo dedo de Deus. Confesso que a visão de Tomás de Aquino em que Deus age pelas causas segundas me parece potenciar muito mais a grandeza de Deus. Fazer o mundo por si próprio seria tarefa muito menos arriscada do que escolher per-fazê-lo através do aleatório do acaso e do super-aleatório da vontade livre dos homens.
J. Tomaz Ferreira