sexta-feira, 1 de agosto de 2008

II parte Futuro da Espécia Humana...

É neste pressuposto que colhe legitimidade a pergunta que atrás formulou quanto a ser o Homem, no seu estado actual, o termo final da Evolução.
A resposta de T. C. é decididamente negativa: “Nada prova que o Homem tenha já chegado ao termo de si mesmo, que tenha atingido a sua maior altura: pelo contrário, tudo sugere que estamos a entrar neste momento numa fase particularmente crítica de super-humanização.”
Justificar esta peremptória tomada de posição exigiria expor aqui toda a concepção teilhardiana da cosmogénese, em que, do ínfimo ao imenso, os elementos se constituem por agrupamentos de partículas (a estrutura granular do Universo), sendo que a cada etapa da Evolução corresponde não apenas um aumento do número de partículas que se agrupam, senão também um grau de organização cada vez mais elevado, introduzindo, transversalmente ao Ínfimo e ao Imenso (dimensões eminentemente espaciais), uma terceira dimensão, a Complexidade (de carácter temporal) que gera ou condiciona o emergir da Consciência. Na escala da Consciência, comum a todos os seres vivos, que a ostentam em maior ou menor grau, o Homem representa o ponto mais elevado: no Homem e só no Homem a Consciência se tornou reflexa – de todos os seres vivos, o Homem é o único que não apenas sabe, mas sabe que sabe.
Estará completo o processo da Cosmogénese? Não, porque o aparecimento da Consciência reflectida “representa nada menos do que um renascer completo da vida terrestre sobre si mesma. Reflectindo-se psiquicamente sobre si, a Vida empenhou-se positivamente numa nova etapa”.
Essa nova etapa, na visão de T. C. vai ser vencida pelo agrupamento de todas as moléculas pensantes e pela sua articulação, de modo a constituir “uma única unidade orgânica maior, fechada sobre si mesma, uma única arqui-molécula, hiper-centrada, hiper-consciente, coextensiva ao astro em que nasceu”. Em suma, a transformação do Homem em Humanidade, a constituição desta em unidade orgânica, eis a realidade para que aponta a cosmogénese teilhardiana: “Uma Planetização simultaneamente externa e interna da Humanidade, eis, no fim de contas, o que nos espera: eis aquilo para que caminhamos inevitavelmente”. E noutro ponto; “Queiramos ou não, desde as origens da História, e por obra de todas as forças conjugadas da Matéria e do Espírito, nós colectivizamo-nos, lentamente ou por impulsos, um pouco mais cada dia que passa. (…) É tão impossível a Humanidade não se agregar sobre si, como a inteligência não aprofundar indefinidamente o seu pensamento”.
Isto escrevia o Padre em Pequim no dia de Natal de 1945. O momento não aconselhava a profecia. O mundo acabava de sair dilacerado duma guerra cruel travada em dois continentes e tudo parecia indicar que as divisões entre os homens tenderiam a acentuar-se. Mas T. C. não se deixava perturbar. Segundo ele, “qualquer tendência para a fragmentação, sejam quais forem a sua amplitude e a sua origem, é sempre duma ordem de grandeza claramente inferior à das forças planetárias (geográficas, demográficas, económicas e psíquicas) cuja pressão, crescente por natureza, nos forçará, cedo ou tarde, gostemos ou não, a unir-nos numa qualquer unidade humana solidariamente organizada.”

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Não era, pois, a observação superficial dos acontecimentos em curso o que determinava as conclusões de T. C. Era a conjugação de duas realidades, a seu ver, evidentes: por um lado, a verificação de que, ao longo de milhares de anos, a espécie humana se multiplicara prodigiosamente e continuava a multiplicar-se; por outro, a constatação de que, até por força da sua forma esférica, a Terra oferecia a esta espécie – a única omnipresente à face dela – um espaço limitado. Assim, se ainda não enchia, a Humanidade iria inevitavelmente encher a terra e, com a Terra cheia, continuaria a multiplicar-se. Isso significava que, após uma primeira fase de expansão, a Humanidade passaria à fase de compressão.
Do antecedente, T. C. aprendera que há uma relação fundamental entre compressão biológica e aumento de Consciência. Assim, a conclusão impunha-se: a compressão iria obrigar à organização, que induziria um novo grau de complexidade, e um consequente novo patamar de Consciência: “Sob o efeito das forças que a comprimem em vaso fechado, a substância humana começa a ‘planetizar-se’, isto é, a interiorizar-se e a animar-se globalmente sobre si mesma”. O que quer dizer que, na cadeia da Evolução, sem ruptura nem quebra de lógica, à molécula pensante individual vai seguir-se a molécula pensante colectiva com as dimensões da Humanidade. O que está em vias de se formar é um verdadeiro organismo “que ainda não ultrapassou a fase de simples embrião”, mas que vai prosseguindo impiedosamente a sua marcha: “Enquanto durar, o mundo humano já não pode continuar a existir senão organizando-se cada vez mais estreitamente sobre si mesmo”.
Como resultado dessa organização, a Humanidade configurará aquilo que T. C. chama um “Cérebro de cérebros”: “Entre o encéfalo humano, com os seus biliões de células nervosas enredadas, e o aparelho pensante social, com os seus milhões de indivíduos a pensarem solidariamente, é evidente a existência de um certo parentesco… Dum lado, um cérebro elementar formado por núcleos nervosos, do outro, um Cérebro de cérebros”. De qualquer modo, “à nossa volta, tangivelmente e materialmente, o invólucro pensante da Terra – a Noosfera – multiplica as suas fibras internas e aperta a sua rede; e, simultaneamente, a sua temperatura superior eleva-se, o seu psiquismo sobe”. Portanto, o que está em vias de acontecer, fruto da Planetização, é aquilo que T. C. chama uma “segunda hominização”, uma “cefalização” da Humanidade.
Essa cefalização implica necessariamente um salto na ordem do conhecimento, mas não se limita a ele – projecta-se também no campo dos afectos: “Não é a dureza nem o ódio: é uma nova forma de amor ainda não experimentado pelo Homem, que se faz antever que traga no seu seio a onda de planetização que cresce à volta de nós”. Esta exigência do “amor” (ao menos na versão minimalista de “afinidade mútua interna”) é a condição indispensável para que, na totalização, os indivíduos não apenas não percam, mas potenciem as suas qualidades cêntricas, isto é, a sua personalidade. A perder-se esta no processo de totalização, estaríamos não perante um progresso, mas um retrocesso da Evolução: estaríamos a regredir, em lugar de avançar.

©J.Tomáz Ferreira
Licenciado em Teologia