sexta-feira, 1 de agosto de 2008

III Parte O FUTURO DA ESPÉCIE HUMANA em TEILHARD de CHARDIN e a a PARUSIA CRISTÃ

Chegada a este ponto de maturação, o que espera a Humanidade? Segundo T. C., “a hominização só se concebe (…) como indo dar a um ponto de reflexão colectiva em que a Humanidade, tendo realizado (técnica e intelectualmente, ao mesmo tempo), em si e à volta de si, o máximo de coesão possível, se encontrará transportada a um ponto crítico superior – de instabilidade, de tensão, de penetração e de metamorfose ao mesmo tempo – ponto esse que para nós coincidirá, ao que parece, com os limites fenomenais do Mundo”. E este seria o fim do Mundo, segundo o cientista T. C. – a consumação da Noogénese.

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Para o crente T. C., a verdadeira consumação da Noogénese verifica-se na Cristogénese, que funciona não apenas como culminar, mas como condição daquela: “A planetização da Humanidade supõe, para se realizar correctamente, além da Terra que se contrai, além do pensamento humano que se organiza e se condensa, um terceiro factor ainda: quero dizer, a ascensão no nosso horizonte interior de um centro cósmico psíquico, de um pólo supremo de consciência, para o qual convergem todas as consciências elementares do Mundo, e no qual elas possam amar-se: o emergir de um Deus”. Mas aqui entramos no domínio da Fé.
Só que a Fé não se apresenta como uma intrusa. T. C. nota que “a cosmologia cristã, ligada e articulada no seu cume com a cosmologia humana, revela-se fundamentalmente homogénea com esta em valor real. Consequentemente, o dogma não se reduz a uma simples representação imaginária; emana autenticamente da História: e é literalmente e não metaforicamente que o crente pode iluminar e prolongar em Cristogénese a génese do Universo à sua volta”. É que, na visão teilhardiana, cada mónada humana é centro de si mesma – é a isso que conduz inevitavelmente o surgimento da consciência reflexa. As mónadas conscientes encontram-se envolvidas num processo de planetização que “não pode deixar de avançar cada vez mais além num sentido de unanimidade crescente”. Será que um tal processo pode continuar indefinidamente? A resposta de T. C. é clara: “esta unanimização, porque de natureza convergente, não pode continuar indefinidamente sem encontrar um termo natural aos seus desenvolvimentos. Todo o cone tem o seu cume”. E aqui surge o impasse. Convergindo umas com as outras, as mónadas humanas, todas elas centradas, acabam por formar uma super-mónada pensante (o Cérebro de cérebros). Onde encontrar-lhe o Centro?
À luz da Fé, T. C. responde: o centro é Cristo. E anota a complementaridade: no Mundo temos uma esfera (a Humanidade formada pela convergência de todas as mónadas conscientes) à procura dum Centro; e temos em Cristo, dada a sua natureza divina, um Centro à procura da sua esfera.
Quando se encontrarem, será a Parusia: o advento dos novos Céus e da nova Terra, quando a Humanidade, auto-assumida como unidade, depois de por si ter acedido ao ultra-humano, for transportada para “algum trans-humano, no próprio coração das coisas”. E o fim será “não já uma desagregação ou uma morte, mas um novo avanço e um re-nascimento (desta feita fora do Tempo e do Espaço), por excesso de unificação e de co-reflexão”.

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Não faltará quem veja nesta antevisão da Parusia a denegação do que nos habituámos a considerar como a descrição bíblica do fim do mundo. Concorrem para tanto os textos de Mateus e Marcos (caps. 24 e 13, respectivamente) segundos os quais alegadamente o fim do mundo seria acompanhado de sinais temerosos e perturbações cósmicas. Aduzem-se ainda os nada tranquilizadores textos do Apocalipse – os selos, as trombetas, as pragas, as taças da ira divina (caps. 11-14). Esta visão tremendista foi acolhida pela liturgia – releia-se a sequência Dies irae da Missa de defuntos - e pelas representações plásticas do evento.
Para a correcta compreensão desses textos, impõem-se algumas observações.
As passagens de Mateus e Marcos misturam o fim do mundo com a destruição de Jerusalém e esta, como referido por Flávio Josefo na Guerra Judaica terá sido efectivamente acompanhada por sinais estranhos, que o historiador, aliás, descreve.
Aparte os sinais e quanto à substância do que irá suceder, deve dizer-se que de todos os textos bíblicos resulta que a História da Salvação se constrói numa dialéctica de luta entre o bem e o mal – como é patente, de resto, na própria vida de Jesus e no desfecho em que culminou. O Apocalipse retrata, na linguagem própria do género literário a que pertence, essa luta dramática entre o bem e o mal, que não será, de resto, apanágio exclusivo dos últimos dias, mas que se arrasta ao longo de todo o percurso da Humanidade. Quem se debruçar sobre o que tem sido a história dos homens poderá testemunhar que a toda ela – e não apenas a eventos mais ou menos recentes – se poderá aplicar o escrito no Apocalipse.
De resto, em todos os casos estaríamos confrontados com o como e não com o quê da Parusia. E é ao quê que se limita a previsão de Teilhard. Porque, quando interrogamos os textos sagrados sobre o quê, eles respondem-nos com o surgimento duma realidade nova, duma realidade outra em relação àquela que conhecemos. “Nós, porém, segundo a Sua promessa, esperamos uns novos céus e uma nova terra onde habite a justiça” (2Pet., 3, 13). Outrotanto no Apocalipse: “Vi então um novo céu e uma nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra tinham desaparecido” (21, 1).
Ninguém negará que a visão de Teilhard se casa perfeitamente com estes dados bíblicos. Mas também o cristocentrismo da sua concepção da humanidade futura encontra confirmação no texto paulino que o Padre escolheu para figurar no seu testamento espiritual: “Quando todas as coisas lhe tiverem sido submetidas, então o próprio Filho se submeterá Àquele que tudo lhe submeteu, a fim de que Deus seja tudo em todas as coisas” (1Cor., 15, 28).
A submissão de tudo ao Filho bem pode ser uma outra forma de exprimir o centramento em Cristo duma Humanidade unificada, que terá, mediante o esforço dos homens, levado a cabo a gigantesca tarefa que lhe foi cometida por Deus no início da criação: a tarefa de “dominar a Terra”. A pesquisa do homem vai-o levando a conhecer progressivamente e cada vez melhor os segredos do criado – e essa é uma primeira forma de domínio. Mas não só: através da técnica, o homem vai conseguindo, cada vez mais e cada vez melhor, pôr ao seu serviço o mundo que Deus criou para ele: o homem vai realmente “submetendo” a si as realidades criadas. Assim se realizaria a dupla mediação: da humanidade em relação às coisas (“tudo é vosso”), de Cristo em relação aos homens (“vós sois de Cristo”), com tudo a culminar em Deus (“Cristo é de Deus” – cf. 1Cor., 3, 22-23). O esforço de investigação, hoje organizado e desenvolvido a nível global (como, aliás, fora previsto por Teilhard de Chardin) parece dar já alguma consistência concreta a esta hipótese.
E então, com Cristo no centro da Humanidade dominadora das realidades criadas, Deus será realmente tudo em todas as coisas. E, com toda a clareza, Cristo aparece como o Alfa e o Ómega, o Princípio e o Fim da História no seu sentido pleno – cósmico e não apenas humano.


©J. Tomaz Ferreira
Licenciado em Teologia