terça-feira, 14 de outubro de 2008

O TRABALHO DOS HOMENS

É historicamente recente a ascensão do trabalho à categoria de “valor”. Na antiguidade e ao longo de toda a Idade Média, só o trabalho intelectual (que, aliás, não era considerado trabalho propriamente dito) se revestia de alguma dignidade. O trabalho – trabalho mesmo – estava reservado aos escravos, e mais tarde aos servos. Na estratificação social da Idade Média - clero, nobreza e povo – era a este que incumbia trabalhar: a clero rezava e estudava, a nobreza dedicava-se às artes da guerra, e, nos intervalos, matava a caça. Em traços muito grosseiros, obviamente.
Aliás, em alguma pregação da Igreja, o trabalho aparecia como consequência do pecado e seu castigo: “Comerás o pão com o suor do teu rosto” (Gen., 3, 18), repetia-se, sem atentar que no mito bíblico ao pecado só se associa a penosidade do trabalho, fruto da maldição que, por obra do mesmo pecado, recaiu sobre a terra: “Maldita seja a Terra por tua causa. Dela só arrancarás alimento à custa de penoso trabalho” (Gen., 3, 17). Mas o trabalho fora instituído antes da maldição do pecado, com a entrega da Terra ao homem por Deus e a ordem de a dominar (Cf. Gen., 1, 28).

Mudou, e ainda bem, a percepção das coisas. Muito a reboque da evolução social, também os cristãos passaram a considerar o trabalho como um valor. Fala-se, por exemplo em santificar o trabalho – baptizando-o com a oração que o acompanha – e mais, surgem correntes de espiritualidade que apontam o trabalho como caminho de santidade. Trabalhar bem, desempenhar a contento as tarefas que nos são cometidas é meio para conseguir a união com Deus, sobretudo se houver o cuidado de, com a oração ou ao menos com a recta intenção, se oferecer a Deus o esforço que fazemos e a obra das nossas mãos.
Julgo que podemos ir mais longe e ultrapassar esta “sagração” do trabalho que, operada como descrito, será sempre algo que vem do sujeito: é, diriam os Escolásticos, uma sagração ex opere operantis - traduzindo, uma sagração do trabalho em razão de quem o faz e da sua disposição interior. O que proponho é que consideremos a actividade humana tocada duma sagração ex opere operato, isto é, intrinsecamente inserida no mistério da criação, inserida no mistério da Redenção, independentemente de quem a faz, da oração que a acompanha, da orientação lhe dá aquele que a faz.
Tal como o vejo, e reporto-me ao Génesis, Deus não criou um mundo acabado, antes iniciou uma obra que entregou às forças da evolução e ao esforço dos homens para o levarem ao seu termo. O mundo é um sonho de Deus em cuja realização o homem é convidado a colaborar. Por isso, bendito seja o trabalho do homem, benditos sejam todos os trabalhos dos homens que, continuando a obra de Deus, “dominam a Terra” e a conduzem (penosamente) à perfeição sonhada.

©J. Tomaz Ferreira