domingo, 6 de julho de 2008

Fé e Razão...

A FÉ E A RAZÃO SEGUNDO GALILEU

Ao tentar evitar o conflito com a Igreja sobre a relação entre a nova astronomia copernicana e a Escritura aristotelicamente interpretada, Galileu propôs duas teses.
A primeira tese defende que a Escritura, se for bem interpretada, concorda necessariamente com a astronomia, porque – como escreveu na carta a D. Benedetto Castelli a 21 de Dezembro de 1613 – “procedendo igualmente do Verbo Divino a Sagrada Escritura e a natureza, aquela como ditado do Espírito Santo e esta como fidelíssima cumpridora da vontade de Deus; e sendo, além do mais, assente dizer nas Escrituras, para se ajustarem ao entendimento universal, muitas coisas diferentes da verdade absoluta, quanto ao aspecto e ao sigificado das palavras; […] parece que se houver um efeito natural que a sensata experiência nos coloca diante dos olhos, ou que as necessárias demonstrações comprovem, ele não deverá de modo algum ser posto em dúvida pelas passagens da Escritura que tenham nas palavras aparência diferente, já que nem todos os ditos da Escritura estão ligados a obrigações tão rígidas como qualquer efeito da natureza”.
A segunda tese diz que a Escritura e a astronomia tratam de coisas diferentes, a primeira da salvação dos homens, a segunda de questões factuais: “E se o próprio Espírito Santo propositadamente – escreveu Galileu a Madame Cristina Lorena em 1615 – não permitiu ensinar-nos semelhantes proposições [de astronomia], por nada terem a ver com a sua intenção, isto é, com a nossa salvação, como é que agora se pode afirmar que o ter delas esta parte, e não aquela, é tão necessário que uma é de fide e a outra errónea? […] Eu aqui diria aquilo que ouvi dizer a uma eminente personagem do clero, ou seja, que a intenção do Espírito Santo é ensinar-nos como se vai para o céu, e não como vai o céu”.
Podemos chamar à primeira a tese da convergência ou da unidade entre ciência e Escritura, e à segunda a tese da separação ou da diversidade entre a pesquisa científica e a esfera da salvação religiosa.
Marcello Pera, in A Europa de Bento, ed. Aletheia, pag. 7.