domingo, 4 de janeiro de 2009

CREIO EM UM SÓ DEUS

Há pouco mais de um ano (se a memória me não falha) o Patriarca de Lisboa identificava o ateísmo como o mal maior da nossas sociedades.
Que o ateísmo existe, é um facto evidente, embora muitas vezes se confunda ateísmo com agnosticismo. Mas são diferentes: o ateu sabe que Deus não existe; o agnóstico não sabe se Deus existe.
É uma distinção que tem pouca relevância prática, pois, ao nível dos comportamentos, na lógica das suas convicções, agnóstico e ateu agem como se Deus não existisse.
Pensando bem, ao nível da orientação de vida, não existem ateus nem agnósticos. Com efeito, a vida de cada um processa-se na lógica daquilo que cada um erigiu em absoluto para si. O absoluto de cada um é o seu deus. Paradoxalmente, diria que ninguém pode viver sem um Deus para que se oriente, sem algo que seja a referência do seu agir. E quando nega ou recusa reconhecer o verdadeiro Deus, constrói ele próprio o deus ou os deuses que orientam a sua vida.
Isto encontra-se claramente no mito bíblico da queda primitiva. Simbolicamente, a desobediência consumou-se na transgressão do preceito divino que proibia comer o fruto da árvore da ciência do bem e do mal – cuja contrapartida seria, nas palavras da serpente o “sereis como deuses” (Gen., 3, 5). Na queda original há uma primeira negação de Deus (o verdadeiro) e a construção de um ídolo, o novo deus – o próprio indivíduo – que se arroga o poder de definir o que é bem e o que é mal.
Esta usurpação do absoluto pelo indivíduo é a forma de ateísmo mais comum nos nossos dias, como o tem sido ao longo dos séculos. Atinge não apenas os que se dizem agnósticos ou ateus, mas também muitos daqueles que regularmente afirmam, mentindo, “creio em um só Deus”. Porque todo o pecado redunda em idolatria e a vida em pecado consiste em ter como orientação fundamental do agir o próprio eu.
Na crise que estamos a viver, muitos identificaram já como causa a ganância de gestores e administrações que no engodo do lucro fácil e pingue, arrastaram o sistema financeiro mundial para o buraco em que se encontra, cujas dimensões ainda se não conhecem e cujas consequências se adivinham catastróficas. Deles se poderia dizer, em tradução brutal, o que disse S. Paulo: “Têm como deus a própria barriga” (Filip., 3, 19). À força de pensarem no enriquecimento próprio, lançaram o mundo no sarilho que se sabe.
Eram ateus? De doutrina, não sei. Na prática agiram como tal. E agir contra Deus é agir contra a natureza das coisas. E a natureza não perdoa nunca. A curto, médio ou longo prazo, a sua vingança aparece. Pena é que, no caso vertente, para além dos culpados, atinja também tantos inocentes.

J. Tomaz Ferreira