quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

A INDIFERENÇA APAIXONADA

Da obra ousada a minha parte é feita;
O por fazer é só com Deus.
F. Pessoa

Ao presenciar a investidura de Barack Obama como Presidente dos Estados Unidos, veio-me de imediato à memória o nome de Martin Luther King. Naquela praça, há menos de cinquenta anos, pronunciou ele um discurso histórico em que expressava o seu sonho: I have a dream. E o que sonhava Luther King? Que os homens naquele país deixassem de ser julgados pela cor da pele, para passarem a sê-lo pelos seus méritos ou deméritos.
Estava-se na América dos anos sessenta onde o esclavagismo (abolido por Abraão Lincoln) deixara atrás de si uma sociedade ferozmente segregacionista em que floresciam organizações racistas como o Ku Klux Klan que semeava terror e morte. A prisão duma costureira negra pelo “crime” de se ter recusado a ceder num autocarro o seu lugar a um “senhor” branco foi o detonador para a campanha pela igualdade de direitos que de imediato lançou e em que se empenhou um jovem pastor evangélico, de seu nome... Martin Luther King.A campanha varreu a América no meio de vicissitudes várias. Conhece-se o trágico desfecho: Luther King foi assassinado, e não há dúvidas quanto às determinantes do crime.
Parecia que o sonho de Luther King não passara disso mesmo: um sonho. É verdade que consagrou em lei a igualdade de direitos, acabando, no plano jurídico, com a discriminação racial. Mas o ambiente social continuou francamente hostil. Muitos houve que apontaram à lei o defeito de ser prematura: sociologicamente o país não estava preparado para ela. Em suma, a lei, em vez de reflectir, contrariava o sentir da sociedade. Daí, os atropelos ao seu cumprimento. E a luta continuou já sem o carisma de Luther King, e o seu sonho foi fazendo caminho – um longo e atribulado caminho. A eleição de um negro para Presidente dos Estados Unidos provou que o sonho se realizara na sua plenitude.

Não foi o primeiro. Quem ler a História com um mínimo de sentido profético encontrará exemplos vários de ideais impossíveis que, uma vez sonhados, fizeram o seu caminho, impulsionados pelo esforço dos homens. Pensemos na abolição da escravatura ou na queda do regime feudal; pensemos na abolição da tortura ou na queda dos regimes comunistas. Tudo coisas aparentemente impossíveis, mas perante cujo as quais ganha razão a frase absurda de Cristo reportada pelo evangelho de S. Mateus: “Se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a este monte ‘muda-te daqui para acolá’ e ele há-de mudar-se”. (Mt., 17, 20)
No processo de evolução do Mundo encontra-se, plantado por Deus, o gene da justiça. Mas foi ao esforço do homem que Deus confiou a construção do Mundo. Como diz o Salmista: “O Céu é do Senhor; a Terra entregou-a aos homens” (Ps. 113, 16). Olhando o mundo em que vivemos, não será difícil identificar estruturas de injustiça, algumas de magnitude tal que nos parecerão montanhas impossíveis de remover. Cruzar os braços? Não. O mesmo Cristo nos ensinou que “tudo é possível a quem tem fé” (Mc., 9, 22). O nosso dever é trabalhar empenhadamente para que a justiça triunfe. Não está dito que nos seja dado ver o fruto do nosso esforço: Luther King não viu. Eventualmente acumularemos fracasso sobre fracasso. Mas que nunca nos deixemos vencer pelo desânimo.
O P. Teilhard de Chardin preconizava como atitude a assumir a “indiferença apaixonada”. Trabalhar apaixonadamente como se tudo dependesse de nós; conservar-nos indiferentes quanto ao resultado, como se tudo dependesse de Deus.



©J. Tomaz Ferreira