segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

PROGRAMA PARA HOJE

Mão amiga fez-me chegar pelo Natal um simpático e-mail de Boas-Festas com fotografias belíssimas e citações várias. Entre elas, uma frase de Buda que rezava assim: “Programa para hoje: expirar, inspirar, expirar”. Pareceu-me (passe a presunção) que o autor (Buda, no caso) fora um tanto perdulário nas palavras do programa, já que teria dito o mesmo se tivesse dito apenas: “respirar”.
Sem quebra do respeito que me merecem todas as religiões, dei comigo a pensar no que teria sido feito do mundo se os homens todos, levando à letra o programa, o tivessem escrupulosamente cumprido, não apenas “hoje” mas todos os dias da sua vida...
Não é minha intenção, ao escrever estas linhas, menosprezar os valores que o Budismo e de uma maneira geral as correntes de espiritualidade orientais trouxeram à humanidade, e que, por temperarem o frenesim de acção que marca a mentalidade ocidental, encontram hoje entre nós tão entusiástico acolhimento. Pretendo apenas contrapor-lhes o que penso ser a visão cristã da actividade humana e o programa de vida dela decorrente.
O Patriarca dos monges do Ocidente, S. Bento, estabeleceu para os seus seguidores, como caminho para alcançar a perfeição cristã, a sucinta máxima que se reduz a duas palavras: ora et labora – reza e trabalha. E não será demais acentuar que, nas ordens religiosas, o trabalho andou sempre de par com a oração. Pensemos nos cistercienses de Alcobaça a quem se ficou a dever, nos primórdios da portugalidade, o arroteamento das ásperas terras circundantes do mosteiro, por eles transformadas em vergéis de muitas e boas culturas. Ainda hoje as ordens contemplativas, como a dos Cartuxos, incluem na sua rotina o trabalho manual, nomeadamente na agricultura. E se as necessidades do apostolado desviaram muitos para a pregação e a cura de almas, não podemos esquecer que, desde sempre, e mesmo nos nossos dias, o trabalho intelectual tem sido apanágio das Ordens Religiosas. Foi no seu seio que se construíram alguns dos mais imponentes monumentos de saber que honram a humanidade: penso, por exemplo, em S. Tomás de Aquino e na sua Suma Teológica.
O cristianismo sempre honrou o trabalho e nunca menosprezou as realidades terrestres. S. Paulo confessa com mal disfarçado orgulho que “trabalhava com as suas próprias mãos” (Cf. 1Cor., 4, 12), e taxativamente diz que quem não trabalha não tem direito a comer (Cf. 2Tess., 3, 10).
O valor do trabalho não radica apenas no facto de ele ser factor imprescindível para responder às necessidades de sustento do homem. Vem de mais longe e de mais fundo. Segundo o Génesis, logo após tê-lo criado, Deus impôs ao homem a obrigação de perpetuar a espécie e de dominar a Terra: “Crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a Terra” (Gen., 1, 28). É para este domínio da Terra que eminentemente se orienta o trabalho do homem. Porque Deus não quis ser o único artífice da criação. Reservado a Si estava o impulso inicial de fazer do nada emergir o ser. Os desenvolvimentos posteriores entregou-os às causas segundas, entre as quais o homem. Não é doutrina minha: foi S. Tomás de Aquino que o escreveu – Deus age através das causas segundas.
O mundo que vemos é um mundo inacabado. Em construção encontra-se a nova Terra de que falam S. Pedro e o Apocalipse. E a nova Terra será obra de Deus realizada através da acção do homem. É este o grande valor do trabalho humano, é isto que faz a sua grandeza.
J. Tomaz Ferreira