segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

BOAS FESTAS

Não existisse a fome nem a guerra

Apenas houvesse paz em toda a Terra

Tiranos não mandassem neste mundo

Amor somente houvesse e nenhum mal

Logo eu vos diria: BOM NATAL!
Quadra de Fernando Melro

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

O R A Ç Ã O


E agora chamamos por ti, Senhor,
porque és o Salvador dos homens
e Homem Todo Poderoso,
porque habitas na Tua Misericórdia,
na justiça e no perdão.

Move os nossos corações para desejos santos,
põe nas nossas bocas orações de Paz
e faz com que a nossa vida Te seja agradável.

Não Te pedimos, Senhor,
que renoves o Teu nascimento no mundo,
mas antes que nos conduzas à Tua divindade!

E permite, Senhor,
que o que a Tua graça realizou outrora
no corpo de Maria,
o faça em espírito na Tua Igreja.

Que a Sua Fé Te conceba,
Que a Sua inteligência Te renove,
Que a sua alma Te conserve eternamente.

Oração do Missal Moçárabe

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

O QUE RESTA DO NATAL?

Lembro-me do Natal da minha infância, em que a figura central era o Menino Jesus. Construía-se o presépio na igrejinha da aldeia, e a garotada toda corria os campos em alvoroço a arrancar musgo das pedras e carrear cestas cheias dele para cobrir o chão do presépio onde assentava a cabaninha com a manjedoura em que se deitava o menino recém-nascido, abrindo já os braços e sorrindo. S. José e Nossa Senhora ladeavam-no embevecidos, e não faltavam, entre muitas outras, ingénuas s toscas, as figurinhas da vaca e do burro a aquecer com o seu bafo quente as tenras carnes do Menino envoltas em panos.
No fim da Missa, dava-se o Menino a beijar e cantava-se o júbilo do Natal:
Alegrem-se os Céus e a Terra,
Cantemos com alegria;
Já nasceu o Deus Menino
Filho da Virgem Maria.
Também havia as prendas: mas era o Menino Jesus quem as dava. Descia furtivamente pela chaminé e depositava-as nos sapatos que a pequenada deixara junto da lareira. Os meus tiveram muito cedo o cuidado de explicar que as prendas eram eles que as compravam. Mas era o Menino Jesus que as dava, pois era d’Ele que lhes vinham saúde e forças para trabalhar e nos darem sustento e prendas.
Tudo muito simples, muito ingénuo, muito pobre, muito autêntico.

Tenho saudades desse Natal quando por esta quadra olho o que se passa à minha volta. O que resta do Natal?
Do Menino Jesus não se fala, ainda que uma ou outra rotunda (estão de moda as rotundas) ostente as figuras do presépio. Substituíram-no por um velho de barbas a que chamam Pai Natal, mas que, tirando o nome, nada tem a ver com o dito, vindo não sei bem de onde, mas não com certeza da nossa tradição cultural. Depois, “plantam” nas ruas e nas casas uma árvore de Natal, bem enfeitada e cheia de luzes que também não sei de onde nasceu – mas que não tem raízes na nossa tradição.
Para além disso, há as compras e as prendas: o centro comercial é agora o templo da nova religião consumista, e, em vez do presépio, veneramos as montras vistosas a apelar ao consumo.
Devorados pelo afã das compras, embriagados pelo piscar das luzes e a estridência das músicas, será que ainda resta no nosso coração lugar para acolher o Filho de Deus que veio até nós na humildade e no despojamento para nos trazer a salvação do nosso Deus?

J. Tomaz Ferreira

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

DIA DE NATAL

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Na branda macieza
da matutina luz
aguarda-o a surpresa
do Menino Jesus.

Jesus,
o doce Jesus,
o mesmo que nasceu na manjedoura,
veio pôr no sapatinho
do Pedrinho
uma metralhadora.

Que alegria
reinou naquela casa em todo o santo dia!
O Pedrinho, estrategicamente escondido atrás das portas,
fuzilava tudo com devastadoras rajadas
e obrigava as criadas
a caírem no chão como se fossem mortas:
tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá.
Já está!
E fazia-as erguer para de novo matá-las.
E até mesmo a mamã e o sisudo papá
fingiam
que caiam
crivados de balas.

Dia da Confraternização Universal,
dia de Amor, de Paz, de Felicidade,
de Sonhos e Venturas.
É dia de Natal.
Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade.
Glória a Deus nas Alturas.
António Gedeão

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

A ALMA DA EUROPA

Lembro-me de ter lido há anos esta frase de Eduardo Lourenço: “A Europa será cristã ou não será”. Não é o único a pensar assim. Colho da crónica de Frei Bento Domingues (Público, 7 de Dezembro) afirmações de Goethe (“a língua materna da Europa é o cristianismo”) e de Kant (“a fonte da qual brota a nossa civilização é o Evangelho”) que vão no mesmo sentido. E, mais explícito ainda, T. S. Eliot: “um cidadão europeu pode não pensar que o cristianismo seja verdadeiro e, contudo, o que diz e faz brota da cultura cristã de que é herdeiro. Sem cristianismo, não teria havido nem sequer um Voltaire ou um Nietzsche. Se o cristianismo desaparece, desaparece também o nosso rosto”.
Apesar de sustentada por tão ilustres nomes, a tese segundo a qual é no cristianismo que se deve procurar o âmago da alma da Europa não é hoje pacífica. Muitos a procuram alhures e para tantos a raiz do que se pode chamar o espírito europeu deve ser buscado antes nos ideais da Revolução Francesa. De facto, esses ideais, condensados na trilogia Liberdade, Igualdade, Fraternidade colhem a sua concretização menos imperfeita, antes de mais na forma de governo democrático vigente em praticamente todos os países do Velho Continente (a Bielorússia seria a excepção), e o tão proclamado modelo social europeu que a Europa apresenta como traço distintivo da sua cultura política.
Acontece que a tão apreciada tríade (Liberdade, Igualdade, Fraternidade) da Revolução Francesa deriva directamente da mensagem cristã, como claramente se demonstra alinhando alguns textos do Novo Testamento. E nem é preciso invocar-lhes o espírito: a própria letra é de si suficientemente explícita.
Poucas dúvidas haverá quanto à fraternidade. No cerne da mensagem cristã está a Boa Nova de que Deus é Pai de todos os homens e que a todos trata como filhos. A conclusão lógica é a fraternidade universal: “Um só é o vosso Mestre e vós todos sois irmãos”. (Mt., 23, 8), A que podemos juntar a síntese Paulina (Ef., 4, 5): “Um só Senhor, uma só fé, um só baptismo; um só Deus e Pai de todos, que reina sobre todos”.
É de resto nesta fraternidade real que radica o Amor que Cristo quis que fosse o traço distintivo da condição de cristão: “Nisto conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros” (Jo., 13, 35).
Desta fraternidade com raiz no próprio Deus, fácil seria deduzira igualdade. Mas não é preciso – ela é formulada de forma explícita em numerosos textos. Em primeiro lugar, a igualdade entre todos os homens sem distinção de raça, de sexo, ou condição social: “Não há judeu nem grego, não há servo nem homem livre, não há homem nem mulher, pois todos vós sois um em Cristo Jesus” (Gal., 3, 28). Desta igualdade radical resulta que nenhum se deve considerar superior aos outros. O Evangelho dá conta das querelas que grassavam entre os discípulos para saber quem era o maior. Perguntam a Jesus quem é o maior no Reino dos Céus. Jesus chama uma criança e diz que quem se fizer pequeno como ela será o maior no Reino dos Céus. Nem o exercício do poder quebra a igualdade radical que nasce da fraternidade. Com efeito, “os príncipes deste mundo dominam as pessoas e os grandes exercem poder sobre elas; não será assim entre vós, mas entre vós o que quiser ser o maior faça-se vosso criado, e o que entre vós quiser ser o primeiro, será vosso servo” (Mt., 20, 26-27; cf. Luc., 22, 24, segs.).
Resta-nos a liberdade e talvez se julgue que esta foi ignorada ou minimizada. Nada mais contrário à mensagem do Novo Testamento que inequivocamente se apresenta como Boa Nova da libertação. Abstemo-nos de teologizar a liberdade dos filhos de Deus, e começamos por citar a proclamação lapidar de S. Paulo: “Onde está o Espírito do Senhor aí está a liberdade” (2Cor., 3, 17). Eu sei que muitos pressupõem a presença do Espírito e daí concluem, na circunstância, a presença da liberdade. Pensemos um pouco. Não é o Espírito de Deus (invisível e inobservável) que pode servir de critério donde se conclua a existência da liberdade. É esta – visível e observável – que deve servir de critério a avalizar a presença do Espírito de Deus. Não tenhamos ilusões: mesmo nas coisas mais sagradas, se não houver liberdade, não está o Espírit o do Senhor. Porque, como diz S. Paulo, “Foi para a liberdade que vós fostes chamados” (Gal., 5, 13).
Isto dito, só temos que lamentar que, ao longo dos séculos, os cristãos não tenham levado à prática a doutrina de que eram portadores. E que, por isso mesmo, a Revolução Francesa, que se reclamava de ideais eminentemente evangélicos, se tenha feito também contra a instituição Igreja. Mas quando falarmos dos ideais da Revolução Francesa, temos que nos lembrar que foi da fecunda raiz cristã que eles brotaram. Para sermos honestos, é nela que devemos procurar a alma da Europa.

J. Tomaz Ferreira

domingo, 7 de dezembro de 2008

A FESTA DA IMACULADA CONCEIÇÃO

Tu, Virgem pura, santa, Ave Maria,
Cheia de Graça, Esposa, Filha e Madre,
Mais formosa que o sol ao meio dia,

Que vás buscando ao Esposo, Filho e Padre,
Qual cordeira perdida da manada,
Sem guarda de pastor, nem cão que ladre;

Vai, Rainha dos Anjos mui amada,
E preciosa pedra adamantina,
De perfeições e graças esmaltada;

Vai, estrela do mar; vai, luz divina,
Escolhida do Céu; vai, cordeirinha,
Branca açucena e rosa matutina;

Vai, caminho da glória, vai, pombinha
Branca sem fel; bendita entre as mulheres;
Vai, mãe da Lei da Graça, vai asinha

Ao monte Calvário, se ver queres
Ao teu precioso Filho antes de morto.
Desconsolada vai; vai, não esperes
!
Camões

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

O PROGRAMA DE UM SANTO

“Procurarei viver pensando apenas no dia de hoje, sem querer resolver de uma só vez todos os problemas da minha vida. Hoje, apenas hoje, terei o máximo cuidado na minha convivência: afável nas minhas maneiras, a ninguém criticarei, nem pretenderei melhorar, nem corrigir ninguém à força senão a mim mesmo. Hoje, apenas hoje, serei feliz na certeza de que fui criado para a felicidade ,não só no outro mundo mas também
já neste. Hoje, apenas hoje, adaptar-me-ei às circunstâncias sem pretender que sejam todas as circunstâncias a adaptarem-se aos meus desejos. Hoje, apenas hoje, dedicarei dez minutos do meu tempo a uma boa leitura. Assim como o alimento é necessário para a vida do corpo, assim a boa leitura é necessária para a vida do espírito. Hoje, apenas hoje, farei ao menos uma coisa que me custa fazer; e se me sentir ofendido nos meus sentimentos, procurarei que ninguém o saiba. Hoje, apenas hoje, farei uma boa acção e não o direi a ninguém. Hoje, apenas hoje, executarei um programa pormenorizado. Talvez não o cumpra perfeitamente, mas ao menos escrevê-lo-ei. E fugirei de dois males: a pressa e a indecisão. Hoje, apenas hoje, acreditarei firmemente – embora as circunstâncias mostrem o contrário – que Deus se ocupa de mim como se não existisse mais ninguém no mundo. Hoje, apenas hoje, não terei qualquer medo. De modo especial não terei medo de apreciar o que é belo e de crer na Bondade.”
JOÃO XXIII

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

San Zacaria


O MEU ADVENTO

Todos os anos o ciclo da Liturgia nos traz a festa do Natal em que se comemora o nascimento de Jesus. E, a precedê-lo, quatro semanas que se querem de penitência (i. é de transformação interior) em que é suposto os cristãos prepararem-se para a vinda do Senhor.
O Advento é um tempo de espera e um tempo de esperança. Na representação que o ano litúrgico faz da História da Salvação, o Advento figura o tempo que precedeu a vinda do Salvador: a espera do Mundo e a esperança de Israel, pois só o povo eleito estava consciente da promessa de Deus. O Messias veio, realizou a obra que o Pai lhe cometera de salvar os homens e regressou ao seio do Pai, enquanto na Terra a Igreja, novo Povo de Deus, perpetua a Sua missão salvadora e o grande Mundo segue o rumo da História. Mas também este é um tempo de espera e de esperança – porque o Senhor há-de voltar outra vez. Por isso, bem podemos dizer que a história dos homens se desdobra em dois tempos de Advento: o primeiro a culminar na incarnação do Verbo; o segundo a decorrer diante de nós, em que tudo se prepara para a segundo vinda do Senhor a colher os frutos da Redenção em marcha naquilo a que me atrevo a chamar a maturação da História.
Os primeiros cristãos, perseguidos e humilhados, ansiavam pela segunda vinda do Senhor, que seria, afinal, o tempo do seu triunfo. E pensavam que estaria para breve o tempo dessa vinda que não se cansavam de implorar. É comovente, nesse aspecto, o Epílogo do Apocalipse de S. João que termina justamente com o grito ansioso: “Vem, Senhor Jesus!”, grito que se segue à promessa que o precede: “Sim, virei brevemente”. E essa promessa aparece como resposta aos apelos feitos atrás: “O Espírito e a Esposa dizem: Vem! Diga também o que escuta: Vem!” (Cf. Apoc., 22, 17-20).
Já lá vão dois mil anos, e o Senhor não voltou. E aqui será de lembrar a observação do Salmista: “Mil anos aos olhos de Deus são como o dia de ontem que passou” (Ps. 89, 4). O “brevemente” de Deus não é igual ao “brevemente” dos homens.
Não podemos esquecer que a obra da Redenção operada por Cristo implica uma continuação a realizar pelos seus discípulos a quem Ele próprio enviou para anunciarem a Boa Nova por toda a Terra. E que nessa Boa Nova se inclui a esperança dos “novos céus e da nova terra” (Cf. 2Pet., 3, 12). É a dimensão cósmica da Redenção que, extravasando dos homens, se alarga à criação inteira. São claríssimas, nesse sentido, as palavras de S. Paulo: “Estou convencido de que os sofrimentos do tempo presente não têm comparação com a glória que se há-de revelar em nós. Pois até a criação se encontra em expectativa ansiosa, aguardando a revelação dos filhos de Deus. De facto, a criação foi sujeita à destruição (...) na esperança de que também ela será libertada da escravidão da corrupção para alcançar a liberdade na glória dos filhos de Deus. Bem sabemos como toda a criação geme e sofre as dores do parto até ao presente.” (Rom., 8, 18-22)
Isto significa que toda a criação comunga da espera pela segunda vinda do Senhor. É este também o meu Advento. Mais do que comemorar a espera duma vinda que já aconteceu, comungo, nas dores do Mundo (tantas e tão patentes aos nossos olhos) a espera pela segunda vinda do Senhor.
Uma espera que será longa – como já avisara S. Pedro aos cristãos do seu tempo (Cf. 2Pet., 3, 8-10). Mas que todos somos convidados a viver na esperança.
J. Tomaz Ferreira

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

terça-feira, 25 de novembro de 2008

O VISITADOR

“Tenho um amigo que é visitador. Visita, voluntariamente, presos nas cadeias. Admiro-o muito por isso, além de ser difícil resistir à sua inteligência, simpatia pessoal e permanente disposição de ajudar o próximo, sempre mais quanto mais este necessita.
O cárcere, tal como a privação de liberdade, é tão antigo como a vida do Homem. O que nos diz, entre outras coisas, que a liberdade é um bem muito grande e que o maior castigo, além de tirar a vida a um ser, é privá-lo da liberdade. Penso que para aqueles de nós que crescemos num ambiente cristão, senão mesmo no culto dos seus valores, o conceito de liberdade está unido ao da justiça, ao do perdão, ao da penitência e ao da reconciliação. Como a justiça é inseparável dos direitos que assistem a cada pessoa, há que impedir que esses direitos se percam ou que o seu livre exercício fique muito limitado.
Uma pessoa pode estar presa, privada da sua liberdade, dos afectos que lhe são caros mas nem por isso pode deixar de, no seu íntimo, se sentir livre como espírito, vontade e coragem, capaz de se libertar a si própria do ódio, dos desejos de vingança, apesar de confinada a um espaço limitado.
Ao lado da justiça está o perdão. Com frequência este é considerado como uma debilidade, uma fraqueza, uma cobardia. Penso o contrário. O perdão oferece-se e aceita-se como um gesto de superação pessoal, de valentia, de reconhecimento da necessidade de ser perdoado.
Cometeu-se o mal, há que pagar por ele. Esse é o conceito de penitência. Por fim a reconciliação é aproximar-nos do que nos havíamos afastado. Por estas e por outras é que admiro a força, a paciência, o sacrifício desse meu amigo visitador, com o seu trabalho voluntário tão eficaz, anónimo e solidário.
Nunca lhe perguntei se era religioso, se faz o que faz por fé ou apenas por dever próprio da sua consciência. Sei que é um homem feliz e de muito bem com os outros e consigo próprio. O que tem muito a ver com a liberdade de que falávamos no princípio desta nossa conversa.”

Joaquim Letria, in MAIS ALENTEJO, Novembro de 2008, pag. 1

terça-feira, 18 de novembro de 2008

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

QUANDO A VELHICE BATE Á PORTA

(oração)

“Meu Deus, quando despendia o meu esforço, deleitava-me sentindo que, ao desenvolver-me, aumentava a posse que tínheis de mim; deleitava-me também, sob o impulso interior da vida ou no jogo favorável do que ia acontecendo, em me abandonar à Vossa Providência. Fazei que, depois de ter descoberto a alegria de todo o crescimento para Vos fazer ou deixar crescer em mim, eu chegue, sem me perturbar, a esta última fase da comunhão, no decorrer da qual Vos possuirei perdendo-me em Vós.
Depois de Vos ter conhecido como aquele que me faz ‘mais eu mesmo’, fazei, quando chegar a minha hora, que eu Vos reconheça em cada potência, estranha ou inimiga, que pareça querer destruir-me ou suplantar-me. Quando sobre o meu corpo (e mais ainda sobre o meu espírito) começarem a vincar-se as marcas do desgaste da idade; quando cair sobre mim vindo de fora, ou nascer em mim vindo de dentro o mal que nos diminui ou nos vence; no minuto doloroso em que, de repente, tomar consciência de que estou doente e a fazer-me velho; sobretudo naquele último momento em que sentir que escapo a mim próprio, absolutamente passivo nas mãos das grandes forças desconhecidas que me formaram; em todas essas horas sombrias, concedei-me, ó meu Deus, que compreenda que sois Vós que dilacerais dolorosamente as fibras do meu ser para penetrar até ao mais íntimo da minha substância, para me levardes para Vós.
Sim, quanto mais, no fundo da minha carne, o mal está incrustado e não é passível de cura, tanto mais podeis ser Vós a quem eu abrigo como um princípio amante e activo de purificação e desprendimento. Quanto mais o futuro se abrir diante de mim como um abismo vertiginoso ou uma passagem obscura, se eu me aventurar nele confiado na Vossa palavra, tanto mais posso confiar que me precipito e perco em Vós – assimilado, Jesus, pelo vosso corpo.
Ó Energia do meu Senhor, força irresistível e viva, porque, de nós dois, sois Vós infinitamente o mais forte, é a Vós que compete a tarefa de me queimar na união que juntos nos deve fundir. Concedei-me, pois, algo de mais precioso do que a graça que Vos pedem todos os Vossos fiéis. Não me basta morrer comungando. Ensinai-me a comungar morrendo.”
Teilhard de Chardin, Le Milieu divin, Seuil, Paris, 1957, pp.94-96.
(Trad. De J. Tomaz Ferreira)

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

ESPÍRITO DE MUDANÇA


Vem, Espírito de liberdade,
forçar as portas
das nossas certezas
cuidadosamente aferrolhadas,
a fim de que as nossas verdades
se iluminem de outras luzes!

Vem, Espírito das diferenças,
deslocar as nossas divisões
zelosamente guardadas,
para que os projectos se unam
em procuras comuns!

Vem, Espírito de novidade,
soprar alegremente
o ar fresco do Evangelho
sobre os múltiplos lugares
das nossas igrejas
cronicamente empoeiradas!

Vem, Espírito de Deus,
insuflar às nossas forças
o vigor das mudanças
do Reino a construir!

Bíblia 2000, vol. 17, pag. 10

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

O ESTAR CRISTÃO

Séculos de pregação errada (veja-se em Júlio Dinis, na “Morgadinha dos Canaviais” a pregação do missionário) deram do cristianismo uma ideia negativa e da vivência cristã uma imagem sombria. A vida cristã desenrolava-se sob o signo do medo do inferno, e essa atitude de medo é tudo quanto há de menos conforme à mensagem de Jesus.
O cristão sabe que é filho de Deus, que Deus o ama e que faz parte do Corpo místico de Cristo. É destas premissas que deve deduzir a sua atitude perante a vida, são elas que ditam o modo de estar cristão. Tentemos esboçar, sem a pretensão de sermos exaustivos, algumas dessas atitudes.
O amor dos outros. A atitude primeira e fundamental que decorre de ser cristão é o amor, a virtude da caridade magistralmente descrita por S. Paulo no Hino à Caridade (Cf. 1Cor., 13, 1-13) e cuja característica principal é “não procurar o seu próprio interesse” (Cf. 1Cor., 13, 5). A caridade deve ser a atitude subjacente a toda a relação do cristão com o outro: com Deus e com os demais. A caridade é um dom de Deus, como claramente indica S. Paulo: “O amor de Deus foi derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rom., 5, 5). Este amor de Deus é a fonte do amor ao próximo, que é por sua vez prova daquele: “Aquele que não ama o seu irmão... não pode amar a Deus” (1Jo., 4, 20). E quem não ama a Deus é maldito: “Se alguém não ama o Senhor, seja anátema” (1Cor., 16, 22). Cristão sem caridade não é cristão.

Esperança no plano individual. Da mensagem de Jesus consta a promessa da vida eterna: “Já somos de Deus, mas não se manifestou ainda o que havemos de ser... Quando se manifestar, seremos semelhantes a Ele, porque O veremos tal como Ele é” (1Jo., 3, 2). A vida eterna é um bem de que possuímos no presente apenas a semente e a promessa pela nossa incorporação em Cristo. A vida cristã é feita desta tensão para uma felicidade futura que nunca conseguiremos por mérito nosso, mas que é a dádiva que Deus nosso Pai prometeu fazer-nos. Viver essa promessa é viverem esperança: “Conservemos firmemente a profissão da nossa esperança, pois aquele que fez a promessa é fiel” (Hebr., 10, 23).

Esperança no plano colectivo. A redenção de Cristo tem uma dimensão cósmica. Cristo é o Senhor dos crentes, mas é também o Senhor da História, o Senhor da Criação. O cristão sabe que, através das vicissitudes do tempo presente, o que está em curso é a construção dos novos céus e da nova terra: “Nós, porém, segundo a sua promessa, esperamos uns novos céus e uma nova terra, onde habite a justiça” (2Pet. 3, 13). Esse culminar da História virá, segundo o Apocalipse, como resultado da dialéctica entre as forças do bem e as forças do mal (Cf., Apoc., caps. 17-21), e o seu termo final será o domínio de Cristo sobre todas as coisas: “Quando todas as coisas lhe tiverem sido submetidas, então o próprio Filho se submeterá àquele que tudo lhe submeteu, a fim de que Deus seja tudo em todas as coisas” (1Cor., 15, 28). O Povo de Deus vive à espera desse momento, quando for o regresso do seu Senhor, a segunda vinda de Jesus. E sabe, pela Esperança, que, quaisquer que sejam as vicissitudes presentes, esse será o termo final.

Confiança e optimismo. A vida é muitas vezes madrasta e em muitas situações somos postoa à prova por dificuldades que se nos deparam e que tantas vezes se nos afiguram impossíveis de ultrapassar. É quando nos bate à porta o desânimo e muitas vezes a tentação de duvidar do amor de Deus por nós. A verdade é que Deus nos ama e se preocupa connosco: “Até os cabelos da vossa cabeça estão contados” /(Mat., 10, 30). A atitude de confiança radica na garantia de S. Paulo: “Deus é fiel e não permitirá que sejais tentados acima das vossas forças, mas, com a tentação, dará os meios de sair dela e a força para a suportar” (1Cor., 10, 13). E, se as provações nos parecerem duras, lembremo-nos de que “tudo contribui para o bem dos que amam a Deus” (Rom., 8, 28).

Alegria. Tempos houve em que se associou à tristeza a prática da vida cristã, reflexo talvez duma espiritualidade muito centrada na mortificação e numa certa diabolização das realidades terrenas. No entanto, vem-nos de Francisco de Assis o aviso: “O maior triunfo do demónio é conseguir roubar a alegria do coração dos filhos de Deus”. E de mais longe ainda, de S. Paulo, o convite, reiterado, aliás, à alegria: “Alegrai-vos sempre no Senhor. De novo o digo: alegrai-vos” (Filip., 4, 4). Esta alegria é a expressão natural da consciência de que somos filhos de Deus, de que temos um pai que cuida de nós, e a promessa duma vida que não tem fim.

Empenhamento activo. O cristão não é um mero sujeito passivo da salvação que Cristo veio trazer à Terra. Como vimos, a obra de Cristo não terminou com a Sua morte e ressurreição: subido ao Céu, confiou aos seus discípulos, a quem enviou o Espírito Santo, o encargo de continuar o Seu trabalho redentor. É essa a missão da Igreja, Povo de Deus, Corpo Místico de Cristo. Não é lícito, depois do Vaticano II, atirar para os pastores da Igreja a responsabilidade de levar a salvação ao mundo. A missão da Igreja é de todos e de cada um dos seus membros – porque todos participam do sacerdócio de Cristo para louvor do Pai, e da sua missão profética para dar testemunho da Boa Nova: “Sereis minhas testemunhas” (Act., 1, 8).

Homens livres. Os filhos de Deus só podem reconhecer como senhor o próprio Deus. Não são escravos de nada nem de ninguém: “Não recebestes um espírito que vos escravize, e volte a encher-vos de medo” (Rom., 8, 15). Ao libertar-nos da morte, Cristo libertou-nos de todos os medos e chamou-nos para a liberdade: “Foi para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gal., 5, 13). O cristão recusará todas as formas de colonização espiritual, mesmo as mais subtis. Não sacrificará ao pensamento dominante, nem aos constrangimentos do socialmente correcto. Agirá sempre como um homem livre que toma em consciência as suas decisões (que se autodetermina...) e age de acordo com a sua consciência, mesmo que para isso tenha que arriscar a vida: foi o exercício da liberdade assim entendido que fez os mártires. Porque, “onde está o Espírito do Senhor, aí está a liberdade” (2Cor., 3, 17).

J. Tomaz Ferreira

Mosteiro de Montecassino - Itália- 2008


©Foto de Beatriz Gama Lobo

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

A COMUNHÃO DOS SANTOS

Há a comunhão dos santos. Começa em Jesus. Ele está dentro dela. É a cabeça. Todas as orações, todos os sofrimentos juntos, todos os trabalhos, todos os méritos, todas as virtudes de Jesus juntas e as virtudes de todos os outros santos juntas, todas as santidades juntas trabalham e rezam para toda a gente junta, para toda a cristandade, para a salvação de todo o mundo (...). Temos que nos salvar todos juntos. Temos que chegar todos juntos junto de Deus. Temos de nos apresentar todos juntos. Não podemos ir para o pé de Deus uns sem os outros,
Charles Péguy

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

DEUS FALA – DEUS ESCUTA

Deus fala e a Igreja, sua serva, dá a própria voz à Palavra. Mas Deus não se limita a falar. Deus escuta também e sobretudo os justos, as viúvas, os órfãos, os perseguidos e os pobres, que não têm voz. A Igreja deve aprender a escutar do modo como Deus escuta, e oferecer a própria voz a quem não a tem
Bispo Luís António Tagle (Filipinas), no Sínodo dos Bispos (2008)

domingo, 2 de novembro de 2008

FESTA DE TODOS OS SANTOS

Todos os anos, no dia 1 de Novembro, a Igreja celebra a Festa de Todos os Santos. A explicação que geralmente se avança para esta celebração é a impossibilidade de dedicar um dia a cada santo: o ano tem 365 dias e o número dos santos ascende aos muitos milhares. Refiro-me, evidentemente aos santos canonizados, isto é, àqueles que a Igreja, reconhecendo a heroicidade da sua virtude em vida, propôs como modelos a imitar pelo povo cristão.
Confesso que sempre achei redutora esta definição de “santo”: nos primórdios, S. Paulo, por exemplo designava por “santos” todos os cristãos. A minha discrepância em relação ao conceito corrente baseia-se em algo muito esquecido, mas que indiscutivelmente integra o “corpus” da doutrina cristã comummente aceite: a Comunhão dos Santos. Por ela se entende que há uma corrente de vida que circula entre todos os que, partilhando a mesma fé em Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador (segundo a fórmula dos primórdios) e incorporados em Cristo pelo Baptismo, formam o Corpo Místico de Cristo. E porque fazem um só corpo, partilham a mesma vida – a vida nova, a vida divina que os tornou filhos de Deus. É esta corrente mística que percorre o corpo todo e torna cada um dos membros participante nos méritos daqueles que sabem pôr a render os talentos com que o Senhor os amerciou, e faz com que as minhas falhas se repercutam negativamente no crescimento dos meus irmãos.
Para mim, portanto, a festa de Todos os Santos é a festa de todos os cristãos: os que forem e os que são. É a festa da família de Deus, a festa em que a Igreja se celebra a si própria em todas as vertentes por que pode ser olhada: triunfante, naqueles que, tendo adormecido no Senhor, gozam da felicidade da bem-aventurança eterna; militante, naqueles que continuam a sua peregrinação terrena à espera do Senhor que há-de vir e a torná-lo cada vez mais próximo no louvor que lhe exprimem, no bem que semeiam à sua volta, no trabalho que desenvolvem para transformar o mundo e gerar dele a Cidade Nova em que Deus será tudo em todas as coisas.

Infelizmente, à festa de todos os Santos, segue-se no dia 2 de Novembro, o dia dos Fiéis Defuntos – os Finados. É a festa da saudade que, ao que parece, fez esquecer a festa da alegria que é o 1 de Novembro. De facto, com a azáfama de arranjar sepulturas, de pôr flores nas campas, parece que toda a atenção se fixa nos que nos eram queridos e já partiram de nós. Veja-se a cobertura televisiva que é dada ao evento, onde só aparecem cemitérios e flores.
Lamento que assim seja. Porque os entes queridos que nos deixaram também são celebrados no dia de Todos os Santos que é, repito, a festa de toda a família de Deus. Quanto ao culto dos mortos, ao sufrágio de suas almas, permito-me lembrar S. Agostinho, para quem a lembrança dos que partiram mais serve para consolo dos vivos do que para refrigério dos mortos.
Para mim, a festa de Todos os Santos inclui a celebração de todos – mesmo todos – viveram ou vivem acreditando em Jesus Cristo e são membros do Seu Corpo Místico.


©J. Tomaz Ferreira

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

A COMUNHÃO DOS SANTOS

Há a Comunhão dos santos. Começa em Jesus. Ele está dentro dela. É a cabeça. Todas as orações, todos os sofrimentos juntos, todos os trabalhos, todos os méritos, todas as virtudes de Jesus juntas e as virtudes de todos os outros santos juntas, todas as santidades juntas trabalham e rezam para toda a gente junta, para toda a cristandade, para a salvação de todo o mundo (...). Temos que nos salvar todos juntos. Temos de chegar todos juntos junto de Deus. Temos que nos apresentar todos juntos. Não podemos ir para o pé de Deus uns sem os outros.
Charles Péguy

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

DIPLOMACIA E PROFETISMO

Nos anos 60, o dramaturgo alemão Franz Hochut publicou uma peça teatral em que apreciava de forma extremamente crítica a atitude de Pio XII perante o Holocausto. Para quem não saiba Holocausto é o nome por que ficou conhecida a política de extermínio dos judeus (e não só), levada a cabo pelo nazismo em campos de concentração com câmaras de gás para provocar a morte e fornos crematórios para fazer desaparecer oa cadáveres. Queria-se eliminar os vivos e impedir o testemunho dos mortos. Tudo em nome da pureza da raça. Para tanto, a caça ao judeu foi prosseguida com afinco, não só na Alemanha, mas em todos os países que iam caindo sob as suas garras.
Ora, o que fez que, na opinião de muitos, Pio XII se tornasse cúmplice de tamanho horror?
O Papa não aprovou (melhor fora!) nem a guerra, nem o racismo e muito menos a perseguição dos judeus. Aliás, sobre o nazismo e o racismo, já em 1937 Pio XI explicitara o pensamento da Igreja na Encíclica Mit brennender Sorge que Hitler teve grande dificuldade em digerir. Mais: Pio XII fez tudo quanto pôde para salvar judeus: em Roma, as casas religiosas encheram-se de judeus perseguidos que, à sombra da Igreja Católica e por ordem do Papa, conseguiram salvar-se.
Perante isto, será justo acusar Pio XII? Não fez ele o que podia em favor dos judeus perseguidos? Infelizmente, não. O Papa sabia certamente o que se passava na Alemanha, e não ignorava certamente a política oficial de eliminação da raça judaica com a implementação da chamada “solução final”. E perante isso, agiu “diplomaticamente”: não denunciou, não alertou o mundo para o horror do que se passava. Por razões de prudência humana. Receando talvez a reacção doa esbirros que, a seu juízo, se podia traduzir em males ainda maiores.
Perante este silêncio, vêm ao espírito as palavras de Isaías que os judeus conheciam bem: “Feras dos campos, vinde comer, e vós todas as feras da selva. Os guardas estão todos cegos, nada vêem; são cães mudos, incapazes de ladrar; deitam-se a ressonar e só gostam de dormir... E são estes os pastores?” (Is., 56, 9-11).
O Papa é o chefe da Igreja, e é conhecido como o Vigário de Cristo. Cristo foi essencialmente um PROFETA – e nunca foi fácil a vida dos Profetas, porque, falando em nome de Deus, confrontam os homens com as verdades que doem. Diante de Pilatos, Jesus definiu claramente a sua missão: “Eu nasci e vim ao mundo para dar testemunho da verdade” (Jo., 18, 37). Dar testemunho da verdade é a primeira obrigação de qualquer cristão que, pelo Baptismo, recebeu a unção profética.
Foi aqui que Pio XII falhou. Sobrou-lhe em saber e jeito diplomáticos o que lhe faltou em ela profético. Não podemos saber o que teria acontecido se tivesse agido como Profeta. Sabemos que, se Cristo tivesse agido com jeito diplomático, não teria consumado na cruz a Redenção dos homens. Definitivamente, profeta não rima com diplomata.

© J. Tomáz Ferreira

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

EM TEMPOS DE TRIBULAÇÃO

Como caminhantes perdidos num deserto árido e escaldante,
Por ti clamamos, Senhor.
Como náufragos em ilha abandonada,
Por ti clamamos, Senhor.
Como pai a quem privaram do pão ganho e pedido à fome dos filhos,
Por ti clamamos, Senhor.
Como presos da presa do injusto rico, do fundo da cela húmida
E recôndita onde o seu ódio nos lançou,
Por ti clamamos, Senhor.
Como o inocente ao suplício conduzido,
Por ti clamamos, Senhor.
Como escravos fustigados da fúria de seu dono,
Por ti clamamos, Senhor.
Como todas as nações da Terra, antes de soar a hora da libertação,
Por ti clamamos, Senhor.
Como Cristo na cruz quando vos disse
Pai, Pai, porque me abandonaste?
Por ti clamamos, Senhor.

Lamennais

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

UMA BELA CONVERSA COM DEUS

Pedi a Deus que me retire os meus hábitos e manias.
- Não! Disse Ele. Não sou eu que tos devo tirar. Tu é que os deves deixar.
Pedi a Deus que me dê paciência.
- Não! A paciência é um sub-produto das tribulações. A paciência ninguém a dá: a paciência aprende-se.
Pedi a Deus que me dê a felicidade.
- Não! O que Eu te dou são bênçãos: a felicidade depende de ti.
Pedi a Deus que me poupe à dor.
- Não! Os sofrimentos afastam-te da matéria e aproximam-te cada vez mais de Mim.
Pedi a Deus que faça crescer e amadurecer a minha alma.
- Não! És tu que deves crescer e amadurecer. Mas eu podar-te-ei para que possas dar fruto.
Pedi a Deus todas as coisas que possa amar na vida.
- Não! Eu dou-te a vida para que nela possas amar todas as coisas.
Pedi a Deus que me ajude a amar os outros tanto quanto Ele me ama.
Então, satisfeito e muito contente, Deus disse: - Ah! Finalmente, o que pedes é bom!
Autor desconhecido

terça-feira, 14 de outubro de 2008

O TRABALHO DOS HOMENS

É historicamente recente a ascensão do trabalho à categoria de “valor”. Na antiguidade e ao longo de toda a Idade Média, só o trabalho intelectual (que, aliás, não era considerado trabalho propriamente dito) se revestia de alguma dignidade. O trabalho – trabalho mesmo – estava reservado aos escravos, e mais tarde aos servos. Na estratificação social da Idade Média - clero, nobreza e povo – era a este que incumbia trabalhar: a clero rezava e estudava, a nobreza dedicava-se às artes da guerra, e, nos intervalos, matava a caça. Em traços muito grosseiros, obviamente.
Aliás, em alguma pregação da Igreja, o trabalho aparecia como consequência do pecado e seu castigo: “Comerás o pão com o suor do teu rosto” (Gen., 3, 18), repetia-se, sem atentar que no mito bíblico ao pecado só se associa a penosidade do trabalho, fruto da maldição que, por obra do mesmo pecado, recaiu sobre a terra: “Maldita seja a Terra por tua causa. Dela só arrancarás alimento à custa de penoso trabalho” (Gen., 3, 17). Mas o trabalho fora instituído antes da maldição do pecado, com a entrega da Terra ao homem por Deus e a ordem de a dominar (Cf. Gen., 1, 28).

Mudou, e ainda bem, a percepção das coisas. Muito a reboque da evolução social, também os cristãos passaram a considerar o trabalho como um valor. Fala-se, por exemplo em santificar o trabalho – baptizando-o com a oração que o acompanha – e mais, surgem correntes de espiritualidade que apontam o trabalho como caminho de santidade. Trabalhar bem, desempenhar a contento as tarefas que nos são cometidas é meio para conseguir a união com Deus, sobretudo se houver o cuidado de, com a oração ou ao menos com a recta intenção, se oferecer a Deus o esforço que fazemos e a obra das nossas mãos.
Julgo que podemos ir mais longe e ultrapassar esta “sagração” do trabalho que, operada como descrito, será sempre algo que vem do sujeito: é, diriam os Escolásticos, uma sagração ex opere operantis - traduzindo, uma sagração do trabalho em razão de quem o faz e da sua disposição interior. O que proponho é que consideremos a actividade humana tocada duma sagração ex opere operato, isto é, intrinsecamente inserida no mistério da criação, inserida no mistério da Redenção, independentemente de quem a faz, da oração que a acompanha, da orientação lhe dá aquele que a faz.
Tal como o vejo, e reporto-me ao Génesis, Deus não criou um mundo acabado, antes iniciou uma obra que entregou às forças da evolução e ao esforço dos homens para o levarem ao seu termo. O mundo é um sonho de Deus em cuja realização o homem é convidado a colaborar. Por isso, bendito seja o trabalho do homem, benditos sejam todos os trabalhos dos homens que, continuando a obra de Deus, “dominam a Terra” e a conduzem (penosamente) à perfeição sonhada.

©J. Tomaz Ferreira

domingo, 12 de outubro de 2008

Palavras de Mestre

“O homem de hoje escuta mais facilmente as testemunhas do que os mestres; e se escuta os mestres, é porque são testemunhas”.

Papa Paulo VI

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

EM TEMPOS DE CRISE...

...mais do que o blábláblá de políticos e banqueiros, valham-nos para conforto as palavras dos poetas, como estas de MANUEL BANDEIRA:

a virgem Maria

O oficial do registo civil, o colector de impostos, o mordomo da Santa Casa e o administrador do cemitério de São João Baptista
Cavaram com enxadas
Com pás
Com as unhas
Com os dentes
Cavaram uma cova mais funda que o meu suspiro de renúncia
Depois me botaram lá dentro
E puseram por cima
As Tábuas da Lei.

Mas de lá de dentro do fundo da treva do chão da cova
Eu ouvia a vozinha da Virgem Maria
Dizer que fazia sol lá fora
Dizer insistentemente
Que fazia sol la fora.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

O Céu e a Terra

É muitas vezes citada a frase de Cristo: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” (Mt., 22, 21). É ela que fundamenta, do ponto de vista cristão, a separação da Igreja do Estado, reconhecendo a este autonomia de determinação no que concerne ao governo dos povos. Tivera Maomé enunciado princípio semelhante, e o islamismo estaria hoje livre da servidão de ditar normas na esfera civil e de impor a sharia no domínio jurídico.
Mas, muito antes de Cristo, já nos Salmos a Bíblia enunciava um princípio de alcance igual ou talvez ainda maior do que este: “O Céu é do Senhor; a Terra deu-a aos filhos dos homens” (Ps. 112, 16), princípio que prolonga e explicita a ordem de Deus após criar o mundo: “Crescei e multiplicai-vos – dominai a Terra” (Gen., 1, 28).
O mundo está cheio de problemas, muitos deles, aliás, criados pelo próprio homem. Perante esses problemas, não é raro ouvir os crentes remeter para Deus a esperança da sua resolução. Ora, sem negar a possibilidade da intervenção divina e da sua ajuda (resta saber em que plano, moldes e medida), perante um problema do mundo, seja ele crise económica, catástrofe natural ou pandemia, é para si próprio que o homem deve olhar e para as suas capacidades de inteligência e de acção que deve apelar – porque a Terra é domínio que Deus Lhe reservou.

O que fica dito pode parecer ousado, quiçá blasfemo, como se configurasse um convite ao esquecimento de Deus, um renegar da oração como meio de implorar o favor de Deus. Não é assim. Claro que se pode pedir a ajuda de Deus. Mas confesso que me parece quase insultuoso para a bondade divina ver a relação com Deus reduzida a um rol de petições terrenas em que a sua intervenção se espera para as coisas mais abstrusas, desde a cura duma doença até à chave do euromilhões...
Na oração, que é relação com Deus, o pedir é apenas um dos aspectos, a par de muitos outros (o louvor, a adoração, a acção de graças...). Não me esqueço, claro está, das palavras de Jesus “pedi e recebereis”; mas é de lembrar também que, quando fala do atendimento que Deus faz dos pedidos dos seus filhos, Jesus diz: “Quanto mais o vosso Pai do Céu dará o Espírito bom àqueles que o pedem” (Lc., 11, 13).
Este espírito bom é aquele que nos leva a acreditar que, por maiores que sejam as provações, todas elas acabarão por convergir no nosso bem – se realmente amamos a Deus.

©J. Tomaz Ferreira

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Quando...

“Quando o homem elimina Deus do seu próprio horizonte, é verdadeiramente mais feliz, torna-se na verdade mais livre? Quando os homens se proclamam proprietários absolutos de si mesmos e únicos patrões da criação, será que conseguem construir verdadeiramente uma sociedade onde reinem a liberdade, a justiça e a paz?»
Bento XVI - Sínodo dos Bispos
XII Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos “A Bíblia na vida e na missão da Igreja”.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

DEUS E O DINHEIRO

“Não podeis servir a Deus e ao dinheiro”. Não conheço nos evangelhos passagem em que Cristo tenha estabelecido incompatibilidade tão radical. A sentença aparece em Mateus (6, 24) e é repetida ipsis verbis em Lucas (16, 13).
Julguei que não seria descabido recordar estas palavras num tempo em que, por todo o mundo, o medo de um colapso financeiro se instalou e tem levado a intervir governos que o fazem ao arrepio da filosofia dominante nos respectivos regimes. Assim de repente, ocorrem-me os do Luxemburgo, da França, da Inglaterra, da Bélgica, da Holanda, para não falar dos Estados Unidos que, depois do que fizeram para evitar a falência do gigante AIG, andam às voltas com o famoso plano Paulson que, grosso modo, se propõe injectar no sistema financeiro americano, todo ele privadíssimo, centenas de milhares de milhões de dólares que, obviamente serão pagos pelos contribuintes...
Dizem-nos que a alternativa seria ainda pior e acreditamos que sim. Embora não possamos impedir-nos de pensar que a manobra evidencia que privados se mantêm os lucros, para se socializarem os prejuízos... Os ganhos foram em benefício de alguns; as perdas são assumidas por todos.
Quando um problema se coloca, há três maneiras de o abordar. A primeira consiste em culpar as pessoas, a segunda em o atribuir às estruturas, a terceira e última em remeter para os princípios. É nesta que nos vamos fixar. Dos princípios derivam as estruturas e são eles que ditam as normas de actuação das pessoas.
Se bem olharmos, o sistema financeiro tem funcionado tendo como princípio fundamental a maximização do lucro. Ora, não é essa a sua função. Na sua natureza, o sistema financeiro existe para servir a sociedade, isto é, os homens que a compõem, e o lucro, legítimo que é, deve conceber-se como um derivado do exercício daquela actividade. Colocar o lucro como objectivo principal do sistema financeiro é violentar a sua natureza. E a natureza, quando é violentada, vinga-se. “Deus perdoa sempre, os homens perdoam algumas vezes, a natureza não perdoa nunca”, temos ouvido dizer muitas vezes. É também o que acontece no caso vertente. A gestão do sistema financeiro tem sido feita nestes últimos anos com base neste atropelo. Veja-se só, a título de exemplo, o sistema remuneratório dos gestores, que ganharão em função dos resultados – a mais lucros corresponderão maiores ganhos. Assim, a gestão, ainda que feita nos limites do legal, deixa de ter preocupações éticas ou morais. E, acreditem, é aqui que se situa a razão da crise.

Sempre que o homem age contra, ou à revelia do que as coisas são, está a estabelecer um novo conceito de bem e de mal – está a cair na tentação original da serpente: “Sereis como deuses, conhecendo o bem e o mal”. (Gen., 3, 4) Se o bem é o lucro, a ele tudo se sacrifica. Assim se fez – e os resultados estão à vista. Não é em vão que o dinheiro ocupa o lugar de Deus. E quando não se serve a Deus, é o homem que sai prejudicado.

©J. Tomaz Ferreira

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

A noite escura de S.Joao da Cruz

Ana Paula Lemos

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

O PADRE LEMAÎTRE

A imprensa deu conta de que o CERN iniciou finalmente a grande experiência que exigiu anos de preparação e rios de dinheiro. Tanto quanto julgo saber, tratou-se de construir um gigantesco acelerador de partículas que, num túnel de 37 quilómetros, vai permitir realizar, numa escala ínfima, claro está, o Big Bang que terá dado origem ao Universo. Espera-se com isso, não criar um universo novo, mas obter o chamado busão de Higgs, que alguns jornalistas chamaram a partícula de Deus, e alargar consideravelmente o que sabemos dos segredos da matéria. Mingam-me os conhecimentos para me adentrar nos meandros desta aventura da ciência, mas aguardo ansioso e entusiasmado os resultados da iniciativa em curso.

Julguei oportuno neste momento lembrar quem foi o autor da teoria do Big Bang , hoje penso que universalmente aceite como a melhor explicação científica da origem do Universo. Pois (e adivinho o espanto de muitos) foi um padre católico de seu nome Georges Lemaître.
Nascido na Bélgica em Charleroi a 17 de Julho de 1894, viria a falecer em Lovaina a 20 de Junho de 1966. Voluntário na Primeira Guerra Mundial, formou-se em engenharia na Universidade de Lovaina, antes de ascender ao sacerdócio. Prosseguiu os estudos primeiro em Cambridge, depois no Harvard College Observatory, e finalmente no famoso M.I.T.
Em 1927 ocupa a cátedra de Astronomia na Universidade de Lovaina, onde amadurece a sua visão do Universo – um Universo em expansão, que contrapunha à visão estática então dominante e ao tempo defendida por Einstein. Expôs a sua teoria primeiro no artigo “O átomo primigénio” publicado na revista Nature, que desenvolveria mais tarde nos Annales de la Société Scientifique de Bruxelles com um trabalho intitulado “Un Univers homogène de masse constante et de rayon croissant, rendant compte de la vitesse radiale dês nébuleuses extragalactiques”.
Einstein rendeu-se à teoria do padre e definiu-a como “a mais bela e satisfatória explicação da criação que alguma vez ouvi”. E não hesitou em subscrever a proposta para que lhe fosse atribuído o Prémio Francquis, a mais alta distinção belga para a ciência, que lhe foi conferida em 1934 pelo Rei Leopoldo III.
Nomeado membro da Pontifícia Academia das Ciências em 1936, assumiu a sua presidência em 1960 no Pontificado de João XXIII, que lhe conferiu o título de Monsenhor.
A sua carreira científica não o impediu de professar a Fé, e de repetir, até ao fim dos seus dias, as primeiras palavras do Génesis: “No princípio criou Deus o céu e a terra”.

©J. Tomaz Ferreira

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

NOVA EVANGELIZAÇÃO

A religião é um fenómeno universal no tempo e no espaço. Não há história das mais remotas eras que não tenha de dedicar, aos povos que estuda, um capítulo sobre a sua religião. Como arguta (e autorizadamente) escreve Mircea Eliade, “être – ou plutôt devenir – un homme signifie être religieux”. Assim, afirmar que a religião mais não é do que uma inerência da condição humana, mais não é do que a ilação necessária da afirmação citada.
A religião apresenta-se como a busca pelo homem do sagrado, do transcendente, de Deus – pouco importa a palavra com que se designe. É, consequentemente, um movimento ascendente do homem para Deus: é, poderíamos dizê-lo, a terra a clamar pelo céu, e, na perspectiva de Mircea Eliade, um tal movimento nasce irresistivelmente do desejo do homem de conseguir a sua completa hominização.

* * *
Analisando o cristianismo e a sua proposta religiosa, encontramos invertidos os termos da génese da religião. Nele, não é o homem que vai à procura de Deus – é Deus que vem à procura do homem. Na religião de que falávamos, o homem interpela, na esperança de que Deus responda. No cristianismo, os termos invertem-se: cabe ao homem a resposta, porque a interpelação vem de Deus. Analisando o acto de Fé, católicos e protestantes, em diálogo ecuménico, acordaram em distinguir no mesmo três tempos em sequência lógica: a interpelação de Deus, o sim do homem, e o ámen de Deus como aceitação do assentimento do homem.

* * *
Na sociedade contemporânea, é mais ou menos pacífico aceitar como facto o fenómeno da descristianização. Talvez em dimensão menor e em forma diferente das que alguns pretendem. Não se ignora que é moda, que é “bem” atacar a Igreja Católica e troçar dela. Há poucas horas ainda vi, na prosa duma colunista, apontar a Igreja como uma forma decadente de cultura pop... Mas não esqueço também que João Paulo II desafiou a Igreja a lançar um movimento a que chamou de “nova evangelização”. Em que consistia e que formas devia assumir, foram pormenores que o Papa não esclareceu – eventualmente porque nem ele próprio saberia...
Mas, à luz do que fica dito, parece que um dos factores, senão o principal, que explica a onda de descrença é a incapacidade da Igreja para ser junto dos homens o instrumento da interpelação de Deus. Porque os homens do nosso tempo não estão – longe disso – fechados ao apelo do transcendente. E disso existem múltiplos sinais. O drama está em que não é para o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob – o Deus de Jesus Cristo, que essa ânsia se orienta.

* * *
É fácil rotular de progressistas e classificar de desorientados os que clamam pela reforma da Igreja, os que querem não outra Igreja, mas uma Igreja que seja outra. A verdade é que, na sua forma de organização, no seu modo de falar, nas formas de culto que propõe, dificilmente se conseguirá discernir a interpelação de Deus que é o princípio gerador da Fé. É isso que torna imperiosa a reforma da Igreja – e essa será deveras a nova evangelização.
J. Tomaz Ferreira

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

sábado, 13 de setembro de 2008

Regressámos...

Inquietos e preocupados com o património espiritual e histórico das igrejas no Alentejo. Abandonadas, mal caiadas, sem eucaristias, as Igrejas no Alentejo (S.Domingos, Mértola, Alqueva), com um clero escasso, profundamente cansado, esperam ansiosamente que a hierarquia da Igreja proponha soluções contemporâneas para problemas do nosso tempo:
1. As comunidades reunem ao sábado e ao domingo impulsionadas pela fé das mulheres que persistem abrir a Igreja para proclamar a Palavra de Deus e rezar o terço;
2. A maior parte das Igrejas desta zona do país têm missa ao domingo uma vez por mês;
3. Nesta parte do território português é a comunidades dos fiéis e não a hierarquia que actualiza o mistério da fé;
O que se espera para propor soluções que respondam às nossas vivencias da fé no mundo moderno? Que se abandone a Igreja Católica Apostólica Romana e que se encontre acolhimento (comunidade) nas inumeras comunidades evangélicas que vamos descobrindo sempre actuantes e evangelizadoras?

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Caros leitores de Cidade de Deus:

Fomos conhecer novas terras e novos céus. Voltamos a 1 de Setembro. Muito mais activos e cheios de vontade de fazer mais e melhor.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

A escrita de Papini sobre Cristo...

«No Evangelho a pobreza não é um enfeite filosófico nem uma simples moda mística. Não basta ser pobre para se ter direito a ser cidadão do Reino. Não basta deixarmos as riquezas e tornarmo-nos pobres para nos tornarmos logo perfeitos. A pobreza do corpo é um requisito preliminar como a pobreza do espírito. Quem não se convence de que está em baixo não pensa em subir ao alto; quem não se despegou de toda a propriedade material, laço que venda os olhos e peia as asas, não adquire o gosto dos bens essenciais».
in História de Cristo, Papini Giovanni - Editora Livros do Brasil

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

I parte O Futuro da Espécie Humana em TEILHARD de CHARDIN PARUSIA CRISTÃ

Não está de moda pensar o futuro da Humanidade quanto ao seu termo final. Tanto quanto é do meu conhecimento, os que têm pensado o futuro da espécie humana limitam-se a perspectivar a subsistência dela sobre a Terra e figuram o cenário dum planeta exaurido de recursos que obrigaria os últimos sobreviventes a procurar noutros planetas os meios de subsistir. No pressuposto de que o Homem, na sua forma actual, seria o termo final da Evolução, o non plus ultra do processo cósmico iniciado com o big bang, têm do futuro a visão duma humanidade transformada em nómada do espaço, migrando de mundo em mundo após ter esgotado em cada um os meios de subsistência. Assim se prolongaria pelos séculos dos séculos o futuro duma espécie que representa ao olhar de todos o último passo na caminhada da Evolução, e aos olhos de alguns o vértice para que se orienta todo o processo evolutivo.
Nesta perspectiva não cabe, obviamente, a resposta à interrogação do e depois? final que, no entanto, continuará a ser colocada pelas mentes inquietas. É que cada migração representará sempre um adiamento do fim. Mas, no fundo, todos sabemos que, como a vida dos indivíduos, também a das espécies caminha para um termo de que encontramos abundantes exemplos no planeta que habitamos.
Teilhard de Chardin terá sido o único (tanto quanto julgamos saber) a pensar o problema do futuro da Humanidade na perspectiva da Evolução total, colocando-o em termos que ninguém mais ousou, a saber: sendo o Homem o ponto para que converge toda a Evolução cósmica, será que o seu estado actual é o definitivo, ou, para além dele e através dele, estará em curso uma nova etapa da Evolução que, implicando a transformação do Homem como o conhecemos, será, essa sim, a etapa final, a verdadeira pedra de fecho da abóbada da Evolução?
É claro que, independentemente da solução, o problema interessa, já que, colocá-lo nesta perspectiva é fazer a pergunta radical e definitiva sobre o futuro de todos nós. A magnitude da questão assim colocada faz parecer mesquinhas as tentativas já feitas (duas no século XX com os resultados que se conhecem) de moldar o futuro da Humanidade e que, na aparente grandeza dos seus propósitos, o mais que faziam era gizar o que pensavam dever ser a arquitectura da organização da Humanidade – não mais.
Colocado na perspectiva indicada, o problema extravasa claramente os propósitos daquelas tentativas, como também as eventuais diligências a fazer para gizar novas formas de organização da família humana.
Por isso, não será impertinente repristinar a visão teilhardiana sobre o futuro da Espécie Humana.

* * *


Ao contrário dos filósofos da História, T. C. não produziu sobre o tema reflexões metafísicas esgrimindo ideias abstractas. Ele, que sempre se definiu como um “filisteu da filosofia”, encarou o tema na óptica do cientista que, na observação da Matéria, tenta descobrir as etapas da Evolução e o seu eixo condutor. Assim, T. C. não pergunta, em abstracto, como será a Humanidade de amanhã. A pergunta subjacente à reflexão teilhardiana é mais profunda: será que o Homem, como o conhecemos, representa o termo final da evolução cósmica, ou nele e através dele a Evolução continua com as forças da Cosmogénese a comporem um ultra-humano? E, no caso afirmativo, qual a direcção imposta ao processo pelo eixo da Evolução?
Como é óbvio, assim colocado, o problema não admite devaneios na resposta: tem que se ater ao observado no processo da Evolução. Por isso, T. C. sublinha: “em nenhum momento abandono o terreno da observação científica. Não uma especulação filosófica, mas uma extensão das perspectivas biológicas – nada mais, mas nada menos.”
Há um pressuposto que lhe permite colocar a questão nos termos em que a coloca e pensá-la como a pensa. Esse pressuposto tem a ver com o lugar do Homem no Universo e com a sua inserção no processo evolutivo. Ao contrário, por exemplo, de Jacques Monod, para quem o Homem “está à margem do Universo onde deve viver”, para T. C. o Homem é, de corpo inteiro, parte do Universo. A matéria pensante que é o Homem não é para ele, como para os materialistas, um epi-fenómeno, nem um para-fenómeno, como pretendem os animistas, mas O FENÓMENO para que se orienta todo o processo da Cosmogénese. Além de o ter dito explicitamente, explicou-o quando escreveu: “No universo material, a Vida não é um acidente, mas a essência do fenómeno. No mundo biológico, a Reflexão (isto é, o Homem) não é um incidente, mas uma forma superior de Vida.”

©J. Tomáz Ferreira
Licenciado em Teologia

II parte Futuro da Espécia Humana...

É neste pressuposto que colhe legitimidade a pergunta que atrás formulou quanto a ser o Homem, no seu estado actual, o termo final da Evolução.
A resposta de T. C. é decididamente negativa: “Nada prova que o Homem tenha já chegado ao termo de si mesmo, que tenha atingido a sua maior altura: pelo contrário, tudo sugere que estamos a entrar neste momento numa fase particularmente crítica de super-humanização.”
Justificar esta peremptória tomada de posição exigiria expor aqui toda a concepção teilhardiana da cosmogénese, em que, do ínfimo ao imenso, os elementos se constituem por agrupamentos de partículas (a estrutura granular do Universo), sendo que a cada etapa da Evolução corresponde não apenas um aumento do número de partículas que se agrupam, senão também um grau de organização cada vez mais elevado, introduzindo, transversalmente ao Ínfimo e ao Imenso (dimensões eminentemente espaciais), uma terceira dimensão, a Complexidade (de carácter temporal) que gera ou condiciona o emergir da Consciência. Na escala da Consciência, comum a todos os seres vivos, que a ostentam em maior ou menor grau, o Homem representa o ponto mais elevado: no Homem e só no Homem a Consciência se tornou reflexa – de todos os seres vivos, o Homem é o único que não apenas sabe, mas sabe que sabe.
Estará completo o processo da Cosmogénese? Não, porque o aparecimento da Consciência reflectida “representa nada menos do que um renascer completo da vida terrestre sobre si mesma. Reflectindo-se psiquicamente sobre si, a Vida empenhou-se positivamente numa nova etapa”.
Essa nova etapa, na visão de T. C. vai ser vencida pelo agrupamento de todas as moléculas pensantes e pela sua articulação, de modo a constituir “uma única unidade orgânica maior, fechada sobre si mesma, uma única arqui-molécula, hiper-centrada, hiper-consciente, coextensiva ao astro em que nasceu”. Em suma, a transformação do Homem em Humanidade, a constituição desta em unidade orgânica, eis a realidade para que aponta a cosmogénese teilhardiana: “Uma Planetização simultaneamente externa e interna da Humanidade, eis, no fim de contas, o que nos espera: eis aquilo para que caminhamos inevitavelmente”. E noutro ponto; “Queiramos ou não, desde as origens da História, e por obra de todas as forças conjugadas da Matéria e do Espírito, nós colectivizamo-nos, lentamente ou por impulsos, um pouco mais cada dia que passa. (…) É tão impossível a Humanidade não se agregar sobre si, como a inteligência não aprofundar indefinidamente o seu pensamento”.
Isto escrevia o Padre em Pequim no dia de Natal de 1945. O momento não aconselhava a profecia. O mundo acabava de sair dilacerado duma guerra cruel travada em dois continentes e tudo parecia indicar que as divisões entre os homens tenderiam a acentuar-se. Mas T. C. não se deixava perturbar. Segundo ele, “qualquer tendência para a fragmentação, sejam quais forem a sua amplitude e a sua origem, é sempre duma ordem de grandeza claramente inferior à das forças planetárias (geográficas, demográficas, económicas e psíquicas) cuja pressão, crescente por natureza, nos forçará, cedo ou tarde, gostemos ou não, a unir-nos numa qualquer unidade humana solidariamente organizada.”

* * *


Não era, pois, a observação superficial dos acontecimentos em curso o que determinava as conclusões de T. C. Era a conjugação de duas realidades, a seu ver, evidentes: por um lado, a verificação de que, ao longo de milhares de anos, a espécie humana se multiplicara prodigiosamente e continuava a multiplicar-se; por outro, a constatação de que, até por força da sua forma esférica, a Terra oferecia a esta espécie – a única omnipresente à face dela – um espaço limitado. Assim, se ainda não enchia, a Humanidade iria inevitavelmente encher a terra e, com a Terra cheia, continuaria a multiplicar-se. Isso significava que, após uma primeira fase de expansão, a Humanidade passaria à fase de compressão.
Do antecedente, T. C. aprendera que há uma relação fundamental entre compressão biológica e aumento de Consciência. Assim, a conclusão impunha-se: a compressão iria obrigar à organização, que induziria um novo grau de complexidade, e um consequente novo patamar de Consciência: “Sob o efeito das forças que a comprimem em vaso fechado, a substância humana começa a ‘planetizar-se’, isto é, a interiorizar-se e a animar-se globalmente sobre si mesma”. O que quer dizer que, na cadeia da Evolução, sem ruptura nem quebra de lógica, à molécula pensante individual vai seguir-se a molécula pensante colectiva com as dimensões da Humanidade. O que está em vias de se formar é um verdadeiro organismo “que ainda não ultrapassou a fase de simples embrião”, mas que vai prosseguindo impiedosamente a sua marcha: “Enquanto durar, o mundo humano já não pode continuar a existir senão organizando-se cada vez mais estreitamente sobre si mesmo”.
Como resultado dessa organização, a Humanidade configurará aquilo que T. C. chama um “Cérebro de cérebros”: “Entre o encéfalo humano, com os seus biliões de células nervosas enredadas, e o aparelho pensante social, com os seus milhões de indivíduos a pensarem solidariamente, é evidente a existência de um certo parentesco… Dum lado, um cérebro elementar formado por núcleos nervosos, do outro, um Cérebro de cérebros”. De qualquer modo, “à nossa volta, tangivelmente e materialmente, o invólucro pensante da Terra – a Noosfera – multiplica as suas fibras internas e aperta a sua rede; e, simultaneamente, a sua temperatura superior eleva-se, o seu psiquismo sobe”. Portanto, o que está em vias de acontecer, fruto da Planetização, é aquilo que T. C. chama uma “segunda hominização”, uma “cefalização” da Humanidade.
Essa cefalização implica necessariamente um salto na ordem do conhecimento, mas não se limita a ele – projecta-se também no campo dos afectos: “Não é a dureza nem o ódio: é uma nova forma de amor ainda não experimentado pelo Homem, que se faz antever que traga no seu seio a onda de planetização que cresce à volta de nós”. Esta exigência do “amor” (ao menos na versão minimalista de “afinidade mútua interna”) é a condição indispensável para que, na totalização, os indivíduos não apenas não percam, mas potenciem as suas qualidades cêntricas, isto é, a sua personalidade. A perder-se esta no processo de totalização, estaríamos não perante um progresso, mas um retrocesso da Evolução: estaríamos a regredir, em lugar de avançar.

©J.Tomáz Ferreira
Licenciado em Teologia

III Parte O FUTURO DA ESPÉCIE HUMANA em TEILHARD de CHARDIN e a a PARUSIA CRISTÃ

Chegada a este ponto de maturação, o que espera a Humanidade? Segundo T. C., “a hominização só se concebe (…) como indo dar a um ponto de reflexão colectiva em que a Humanidade, tendo realizado (técnica e intelectualmente, ao mesmo tempo), em si e à volta de si, o máximo de coesão possível, se encontrará transportada a um ponto crítico superior – de instabilidade, de tensão, de penetração e de metamorfose ao mesmo tempo – ponto esse que para nós coincidirá, ao que parece, com os limites fenomenais do Mundo”. E este seria o fim do Mundo, segundo o cientista T. C. – a consumação da Noogénese.

* * *


Para o crente T. C., a verdadeira consumação da Noogénese verifica-se na Cristogénese, que funciona não apenas como culminar, mas como condição daquela: “A planetização da Humanidade supõe, para se realizar correctamente, além da Terra que se contrai, além do pensamento humano que se organiza e se condensa, um terceiro factor ainda: quero dizer, a ascensão no nosso horizonte interior de um centro cósmico psíquico, de um pólo supremo de consciência, para o qual convergem todas as consciências elementares do Mundo, e no qual elas possam amar-se: o emergir de um Deus”. Mas aqui entramos no domínio da Fé.
Só que a Fé não se apresenta como uma intrusa. T. C. nota que “a cosmologia cristã, ligada e articulada no seu cume com a cosmologia humana, revela-se fundamentalmente homogénea com esta em valor real. Consequentemente, o dogma não se reduz a uma simples representação imaginária; emana autenticamente da História: e é literalmente e não metaforicamente que o crente pode iluminar e prolongar em Cristogénese a génese do Universo à sua volta”. É que, na visão teilhardiana, cada mónada humana é centro de si mesma – é a isso que conduz inevitavelmente o surgimento da consciência reflexa. As mónadas conscientes encontram-se envolvidas num processo de planetização que “não pode deixar de avançar cada vez mais além num sentido de unanimidade crescente”. Será que um tal processo pode continuar indefinidamente? A resposta de T. C. é clara: “esta unanimização, porque de natureza convergente, não pode continuar indefinidamente sem encontrar um termo natural aos seus desenvolvimentos. Todo o cone tem o seu cume”. E aqui surge o impasse. Convergindo umas com as outras, as mónadas humanas, todas elas centradas, acabam por formar uma super-mónada pensante (o Cérebro de cérebros). Onde encontrar-lhe o Centro?
À luz da Fé, T. C. responde: o centro é Cristo. E anota a complementaridade: no Mundo temos uma esfera (a Humanidade formada pela convergência de todas as mónadas conscientes) à procura dum Centro; e temos em Cristo, dada a sua natureza divina, um Centro à procura da sua esfera.
Quando se encontrarem, será a Parusia: o advento dos novos Céus e da nova Terra, quando a Humanidade, auto-assumida como unidade, depois de por si ter acedido ao ultra-humano, for transportada para “algum trans-humano, no próprio coração das coisas”. E o fim será “não já uma desagregação ou uma morte, mas um novo avanço e um re-nascimento (desta feita fora do Tempo e do Espaço), por excesso de unificação e de co-reflexão”.

* * *


Não faltará quem veja nesta antevisão da Parusia a denegação do que nos habituámos a considerar como a descrição bíblica do fim do mundo. Concorrem para tanto os textos de Mateus e Marcos (caps. 24 e 13, respectivamente) segundos os quais alegadamente o fim do mundo seria acompanhado de sinais temerosos e perturbações cósmicas. Aduzem-se ainda os nada tranquilizadores textos do Apocalipse – os selos, as trombetas, as pragas, as taças da ira divina (caps. 11-14). Esta visão tremendista foi acolhida pela liturgia – releia-se a sequência Dies irae da Missa de defuntos - e pelas representações plásticas do evento.
Para a correcta compreensão desses textos, impõem-se algumas observações.
As passagens de Mateus e Marcos misturam o fim do mundo com a destruição de Jerusalém e esta, como referido por Flávio Josefo na Guerra Judaica terá sido efectivamente acompanhada por sinais estranhos, que o historiador, aliás, descreve.
Aparte os sinais e quanto à substância do que irá suceder, deve dizer-se que de todos os textos bíblicos resulta que a História da Salvação se constrói numa dialéctica de luta entre o bem e o mal – como é patente, de resto, na própria vida de Jesus e no desfecho em que culminou. O Apocalipse retrata, na linguagem própria do género literário a que pertence, essa luta dramática entre o bem e o mal, que não será, de resto, apanágio exclusivo dos últimos dias, mas que se arrasta ao longo de todo o percurso da Humanidade. Quem se debruçar sobre o que tem sido a história dos homens poderá testemunhar que a toda ela – e não apenas a eventos mais ou menos recentes – se poderá aplicar o escrito no Apocalipse.
De resto, em todos os casos estaríamos confrontados com o como e não com o quê da Parusia. E é ao quê que se limita a previsão de Teilhard. Porque, quando interrogamos os textos sagrados sobre o quê, eles respondem-nos com o surgimento duma realidade nova, duma realidade outra em relação àquela que conhecemos. “Nós, porém, segundo a Sua promessa, esperamos uns novos céus e uma nova terra onde habite a justiça” (2Pet., 3, 13). Outrotanto no Apocalipse: “Vi então um novo céu e uma nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra tinham desaparecido” (21, 1).
Ninguém negará que a visão de Teilhard se casa perfeitamente com estes dados bíblicos. Mas também o cristocentrismo da sua concepção da humanidade futura encontra confirmação no texto paulino que o Padre escolheu para figurar no seu testamento espiritual: “Quando todas as coisas lhe tiverem sido submetidas, então o próprio Filho se submeterá Àquele que tudo lhe submeteu, a fim de que Deus seja tudo em todas as coisas” (1Cor., 15, 28).
A submissão de tudo ao Filho bem pode ser uma outra forma de exprimir o centramento em Cristo duma Humanidade unificada, que terá, mediante o esforço dos homens, levado a cabo a gigantesca tarefa que lhe foi cometida por Deus no início da criação: a tarefa de “dominar a Terra”. A pesquisa do homem vai-o levando a conhecer progressivamente e cada vez melhor os segredos do criado – e essa é uma primeira forma de domínio. Mas não só: através da técnica, o homem vai conseguindo, cada vez mais e cada vez melhor, pôr ao seu serviço o mundo que Deus criou para ele: o homem vai realmente “submetendo” a si as realidades criadas. Assim se realizaria a dupla mediação: da humanidade em relação às coisas (“tudo é vosso”), de Cristo em relação aos homens (“vós sois de Cristo”), com tudo a culminar em Deus (“Cristo é de Deus” – cf. 1Cor., 3, 22-23). O esforço de investigação, hoje organizado e desenvolvido a nível global (como, aliás, fora previsto por Teilhard de Chardin) parece dar já alguma consistência concreta a esta hipótese.
E então, com Cristo no centro da Humanidade dominadora das realidades criadas, Deus será realmente tudo em todas as coisas. E, com toda a clareza, Cristo aparece como o Alfa e o Ómega, o Princípio e o Fim da História no seu sentido pleno – cósmico e não apenas humano.


©J. Tomaz Ferreira
Licenciado em Teologia

quinta-feira, 31 de julho de 2008

DEUS E NÓS

Só Deus pode dar a Fé,
mas tu podes dar o teu testemunho.

Só Deus pode dar a Esperança,
mas tu podes dar confiança aos outros.

Só Deus pode dar o Amor,
mas tu podes ensinar os outros a amar.

Só Deus pode dar a Força,
mas tu podes dar coragem a quem está triste.

Só Deus é o caminho,
mas tu podes indicá-lo aos outros.

Só Deus é a luz,
mas tu podes fazê-la brilhar nos olhos dos outros.

Só Deus é a vida,
mas tu podes oferecer aos outros a vontade de viver.

Só Deus pode fazer o que parece impossível,
mas tu podes sempre fazer o possível.

Só Deus é suficiente em Si mesmo,
mas… prefere contar contigo.


Caderno de oração Verbum Dei, Verão 2008

segunda-feira, 28 de julho de 2008

ANDAR COM FÉ



Andar com fé
é saber que cada dia é um recomeço,
é ter a certeza de que os milagres acontecem
e que os sonhos se podem realizar.

Andar com fé
é saber que temos asas invisíveis,
é fazer pedidos a estrelas cadentes
e abrir as mãos para o céu.

Andar com fé
é olhar sem temor as portas do desconhecido,
ter a inocência dos olhos da criança,
a lealdade do cão,
a beleza da mão estendida para dar e receber.

Andar com fé
é usar a força e a coragem que habitam dentro de nós
quando tudo parece acabado.

Andar com fé
é saber que temos tudo a nosso favor,
é compartilhar as bênçãos multiplicadas,
é saber que seremos sempre surpreendidos
com presentes do Universo;
é a certeza de que o melhor sempre acontece
e que tudo aquilo que almejamos
está totalmente ao nosso alcance.
Basta só Andar com Fé.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

DIÁLOGO INTERELIGIOSO

“A religião católica contém explicitamente verdades que outras religiões contêm implicitamente. Mas reciprocamente, outras religiões contêm explicitamente verdades que só são implícitas no cristianismo. O cristão melhor instruído pode ainda aprender muito sobre as coisas divinas noutras tradições religiosas, ainda que a luz interior possa também fazer que ele perceba tudo através da sua. Todavia, se estas outras religiões desaparecessem da face da terra, seria uma perda irreparável. Os missionários já fizeram desaparecer que chegue.
S. João da Cruz compara a fé aos reflexos da prata, sendo a verdade o ouro. As diversas tradições religiosas autênticas são reflexos diferentes da mesma verdade e talvez igualmente preciosos. Mas não damos conta disso porque cada um vive uma só destas tradições, e apercebe-se das outras desde fora. Ora, como os católicos repetem sem parar, e com razão, aos não crentes, uma religião só se pode conhecer a partir de dentro.
É como se dois homens, colocados em dois quartos que comunicam, vissem o sol pela janela e o muro do vizinho iluminado pelos raios, cada um crendo que é o único a ver o sol e que o vizinho só vê um reflexo.
A Igreja reconhece que a diversidade das vocações é preciosa. É necessário estender este pensamento às vocações situadas fora da Igreja. Porque elas existem.”
Simone Weil, Carta a um Homem Religioso, pag. 36

Profº Hans Kung acredita em Deus?

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quarta-feira, 23 de julho de 2008

Estás a ouvir?

BOM DIA*

Quando te levantaste, pela manhã, Eu já tinha preparado o sol para aquecer o teu dia, e o alimento para a tua nutrição. Sim, Eu preparei tudo isso, enquanto velava o teu sono, a tua família, a tua casa.
Esperei pelo “Bom dia”, benzendo-te e dirigindo-Me uma oração, mas esqueceste-te de Mim! Parecias ter tanta pressa!
O sol apareceu, as flores deram o seu perfume, a brisa da manhã acompanhou-te e tu nem pensaste que fui Eu que preparei tudo para ti!
Os teus familiares sorriam, os teus colegas cumprimentaram-te, trabalhaste, estudaste, viajaste, realizaste negócios, alcançaste vitórias, mas… não percebeste que Eu estava cooperando contigo, e mais teria feito se Me tivesses pedido.
Eu sei! Correste tanto!...
Leste bastante, ouviste e viste muita coisa, mas não tiveste tempo de ler e ouvir a Minha palavra.
Quis falar contigo, mas não paraste para ouvir. Quis aconselhar-te, mas nem pensaste nessa possibilidade… Se Me ouvisses, se rezasses, tudo seria melhor na tua vida. Mais uma vez, esqueceste-te de Mim…Esqueceste que Eu desejo a tua participação no Meu Reino, com a tua vida, o teu tempo, os teus talentos!
Findou o teu dia e voltaste para casa. Mandei a lua e as estrelas tornarem a noite mais bonita, para te lembrar o Amor que tenho por ti!
Certamente agora vais dizer-Me “obrigado e boa noite”!
Estás a ouvir? Que pena!... Já adormeceste! E passaste o dia sem te lembrares de Mim! Boa noite! Dorme bem! Eu fico a velar por ti!
E quando, enfim, quiseres saber quem Eu sou, pergunta ao riacho que murmura, ao pássaro que canta, à flor que desabrocha, à estrela que cintila, ao jovem que espera e ao ancião que recorda.
Chamo-Me AMOR, o remédio para todos os males. Eu sou JESUS!

*Texto de autor anónimo, afixado à porta duma igreja de província

J.Tomáz Ferreira

terça-feira, 22 de julho de 2008

Stabat Mater - Vivaldi

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Telefonai! Exigi!

AS MISSAS TELEVISIVAS

Em Portugal, quando se fala em « missa na televisão» as pessoas
referem-se à missa que a Tvi, transmite, em directo, aos domingos,
às 11 horas, e à qual se segue um comentário do Sr. Cónego António
Rego. A missa de ontem foi transmitida de Casegas, freguesia do
concelho da Covilhã, e presidida pelo Bispo da Guarda, D. Manuel
Felício, que quis assim realçar as comemorações do 75º aniversário
da obra fundada pelo Venerável Mons.Alves Brás.
Havia muita gente em Casegas, e houve certamente muita gente a
partilhar, bem longe, essa celebração. Seria de esperar que o Sr.Có-
nego Rego reservasse a sua reflexão a esta obra que inicialmente
teve o nome de Obra de Santa Zita, e hoje tem a designação de
Instituto Secular das Cooperadoras das Famílias, e que
tem casas não só em Portugal mas até em vários países da Europa,
a começar pela Espanha, França, Itália, etc. Pois o Sr. Cónego enve-
redou por outro caminho… Eu nasci numa aldeia que fica a uns
30 kms de Casegas, e tenho uma grande dificuldade em admitir que
os jovens da minha terra conheçam os nomes dos futebolistas de
países estrangeiros e ignorem que perto deles nasceu um sacerdote
que fundou uma obra para defesa das criadas que, nesse tempo, ti-
nham uma condição de vida que se podia chamar « escravatura».
Abundam na Internet programas e imagens execrandas, mas também
podemos encontrar por lá, programas admiráveis. A outras conside-
rações preferimos indicar aqui os 4 canais principais católicos, e de
captação fácil pela parabólica:
Sat 2000- Tv do Vaticano – Hotbird 1- 11800 freq.
Telepace - “ “ 1- 2800 “
Telepace transmite muitas vezes a« Hora Santa » directamente de Fáti-
ma, como transmite sempre as cerimónias dos dias 12 e 13 de cada mês
KTO – emissora católica francesa mudou de satélite, emite no Astra mas
ainda não consegui descobrir a frequência.
EWTN – É uma emissora católica americana que transmite, a partir da
Alemanha, em inglês e espanhol; por vezes, a captação em
espanhol é difícil, depende dos receptores.
Por outras palavras, podemos assistir a várias missas por dia, ou muitos
outros temas de reflexão, tradições, etc.
E para terminar, uma pequena referência, que é um exemplo:
A ITÁLIA TEM 12000 « sites» católicos, o que dá uma média de
1 site por cada 5.000 habitantes; então, porque é que havemos de ter
medo? E porque é que havemos de ter medo de exigirmos da Meo e da
TVCabo que coloquem o Canal da RAIUNO em posição acessível,
pois é não só um dos canais mais importantes da Europa, mas também
aquele que mais interessa aos católicos. Telefonai! Exigi! Somos clientes
e não vítimas, ou não?

©Fernando Moura

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Ser Cristão

“Os cristãos não se distinguem dos outros homens nem pelo território nem pela língua nem pelo modo de viver […] Moram em cidades gregas ou bárbaras, conforme a sorte que coube a cada um, e adaptam-se aos usos do país no que diz respeito ao vestuário, à alimentação e ao restante estilo de vida, dão testemunho de uma forma de vida social maravilhosa que – na opinião de todos – tem algo de incrível. Moram na sua própria pátria mas como estrangeiros; participam em todos os deveres como cidadãos, e suportam tudo como estrangeiros. Cada terra estrangeira é pátria para eles e cada pátria é terra estrangeira. Casam como todos os outros e têm filhos, mas não expõem os recém-nascidos. Têm mesa em comum, mas leito não. Vivem na carne, mas não segundo a carne. Moram na terra, mas são cidadãos do céu. Obedecem às leis estabelecidas, mas, com o seu teor de vida, estão acima das leis. Amam todos e são perseguidos por todos. […] Em síntese, os cristãos são no mundo aquilo que a alma é no corpo. […] A alma ama a carne, que a odeia, e os membros: também os cristãos amam aqueles que os odeiam. A alma está encerrada no corpo, mas ela própria sustenta o corpo: também os cristãos são mantidos no mundo como numa prisão, mas eles sustentam o mundo. […] Tão elevado é o posto que Deus lhes atribuiu que não podem abandoná-lo.”

Epístola a Diogneto (texto de autor desconhecido do sec. II)

A morte, uma realidade incómoda...

A CREMAÇÃO

Vai em crescendo o número dos que escolhem a cremação em detrimento da sepultura para acomodar os seus restos mortais ou os dos seus familiares. Segundo li, são já 47% os funerais que terminam no forno crematório onde o cadáver é reduzido a cinzas, em vez de se depositar o corpo em cova aberta na terra. Felizmente, isso não escandaliza ninguém e, nos grandes aglomerados populacionais, veio dar uma grande ajuda às autarquias, a braços com um, em muitos casos aflitivo, problema de falta de espaço para acomodar cemitérios.
Tempos houve em que a cremação do cadáver não era bem vista pela Igreja que chegou mesmo (se não estou em erro) a proibir os seus fiéis de a ela recorrerem. É compreensível. A sepultura cristã tem uma tradição secular e vem dos primórdios do cristianismo: as hoje tão veneradas catacumbas de Roma mais não eram do que cemitérios que os cristão tinham adquirido para si. Cemitério quer dizer dormitório: os fiéis adormeciam no Senhor e eram restituídos inteiros à Terra donde tinham sido tirados, para, na ressurreição, acordarem para a vida eterna, aconchegados no seio de Deus.
Como é evidente, não é por ser cremado que o corpo fica impossibilitado de ressuscitar, e a Igreja não coloca hoje qualquer obstáculo à cremação. Mas o recurso a ela merece alguma reflexão que pode ajudar-nos a compreender melhor o mundo em que vivemos e a sua mentalidade dominante. E esta convive mal com a morte.
Na antiga cultura rural, pode dizer-se que a morte era olhada como a sequência natural da vida e o seu prolongamento. Nas nossas aldeias, o cemitério fazia parte do povoado. A morte apenas obrigava o defunto a mudar de casa. Por isso, participar no funeral era acompanhar o falecido à sua última morada. Os que lhe queriam bem iam ali visitá-lo e lembrá-lo.
A cremação, eliminando a presença, ainda que oculta, dos restos mortais, afigura-se com uma tentativa de apagar a memória de quem já foi, e faz perder aquela espécie de convivência entre vivos e mortos que perdurava mercê da presença do cadáver na sepultura. A saudade, que certamente continua a existir, deixou de ter um referente físico em que se centrar. E a ausência deste não pode deixar de ser uma espécie de convite ao esquecimento. Com a cremação, os mortos deixam de ter lugar na cidade dos vivos.
É um sinal dos tempos, destes tempos em que a morte é uma realidade incómoda. Por isso, há que esquecê-la e apagar os seus vestígios. É que a alternativa seria encará-la de frente – o que implicaria inevitavelmente encarar também as interrogações fundamentais sobre o sentido da vida. E a isso o homem actual mostra-se decididamente avesso.
É bem? É mal? Julgue cada um por si. Só faço notar que não é por ignorá-los que os problemas deixam de existir.

©J. Tomaz Ferreira

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Vamos pensar novas formas de organização...

O PREÇO DAS MISSAS

Não é que eu não soubesse. Desde que me conheço, sempre ouvi que quando se manda celebrar uma Missa, é preciso pagá-la ao padre que a celebra. E o povo simples “pagava” a Missa, traduzindo no seu linguajar rude uma relação de fornecedor-consumidor, uma operação de compra e venda.
Os mais iustrados sabiam que não se pagava o “preço” da Missa e, com maior propriedade linguística, falavam do “estipêndio”. A palavra foi colhida no direito romano, onde se distinguiam dois impostos: o tributum nas províncias sujeitas ao imperador, e o stipendium nas províncias sujeitas ao Senado.
Como é sabido, a Igreja cristianizou o Império – mas o Império romanizou a Igreja. E a Igreja importou do Império coisas boas e más. Uma delas foi o estipêndio que em rigor podemos definir como um imposto cobrado aos fiéis por ocasião da prestação de um serviço. Em linguagem actual, não andaremos longe da verdade se definirmos o estipêndio das Missas como uma taxa que a Igreja cobra pela prestação de um serviço.
Foi essa taxa que numas quantas dioceses do norte do pais sofreu um aumento de 33%, passando de 7.50 para 10 euros.
O que me chocou foi a forma brutal como o anúncio me chegou pela comunicação social: “Preço das Missa aumenta 33%”. Falar em preço duma coisa sagrada sabe a simonia que é exactamente isso: a venda de bens espirituais e que S. Pedro condenou veementemente na tentativa feita por Simão de conseguir por dinheiro o poder de transmitir o Espírito Santo (Cf. Act., 8, 18-24). É que a regra fora estabelecida, e com tada a clareza, pelo próprio Cristo: “Dai de graça o que gratuitamente recebestes” (Mt., 10, 8).
É claro que, reduzido o preço das Missas à categoria de estipêndio, não se pode falar propriamente em simonia. E os juristas sempre podem argumentar que, sendo a Igreja uma sociedade perfeita, lhe cabe indiscutivelmente o poder da cobrar taxas e impostos. Não vamos discutir agora a pertinência do argumento e damos de barato que, vivendo no mundo, neste mundo, a Igreja não pode prescindir dos bens materiais. Mas assim? Dando azo a ser apresentada como um qualquer fornecedor de serviços que cobra a taxa à tabela fixada? Não se poderia deixar ao arbítrio dos utentes o que querem dar como contributo para as necessidades do clero (que variam muito de caso para caso) e as precisões do culto?
Talvez que a raiz deste fenómeno de deva procurar na forma como a Igreja está organizada. Mas então, porque não procurar formas de organização novas que nos dêem não uma outra Igreja (é esta que é a nossa Mãe), mas uma Igreja que seja outra.
J. Tomaz Ferreira

domingo, 6 de julho de 2008

Fé e Razão...

A FÉ E A RAZÃO SEGUNDO GALILEU

Ao tentar evitar o conflito com a Igreja sobre a relação entre a nova astronomia copernicana e a Escritura aristotelicamente interpretada, Galileu propôs duas teses.
A primeira tese defende que a Escritura, se for bem interpretada, concorda necessariamente com a astronomia, porque – como escreveu na carta a D. Benedetto Castelli a 21 de Dezembro de 1613 – “procedendo igualmente do Verbo Divino a Sagrada Escritura e a natureza, aquela como ditado do Espírito Santo e esta como fidelíssima cumpridora da vontade de Deus; e sendo, além do mais, assente dizer nas Escrituras, para se ajustarem ao entendimento universal, muitas coisas diferentes da verdade absoluta, quanto ao aspecto e ao sigificado das palavras; […] parece que se houver um efeito natural que a sensata experiência nos coloca diante dos olhos, ou que as necessárias demonstrações comprovem, ele não deverá de modo algum ser posto em dúvida pelas passagens da Escritura que tenham nas palavras aparência diferente, já que nem todos os ditos da Escritura estão ligados a obrigações tão rígidas como qualquer efeito da natureza”.
A segunda tese diz que a Escritura e a astronomia tratam de coisas diferentes, a primeira da salvação dos homens, a segunda de questões factuais: “E se o próprio Espírito Santo propositadamente – escreveu Galileu a Madame Cristina Lorena em 1615 – não permitiu ensinar-nos semelhantes proposições [de astronomia], por nada terem a ver com a sua intenção, isto é, com a nossa salvação, como é que agora se pode afirmar que o ter delas esta parte, e não aquela, é tão necessário que uma é de fide e a outra errónea? […] Eu aqui diria aquilo que ouvi dizer a uma eminente personagem do clero, ou seja, que a intenção do Espírito Santo é ensinar-nos como se vai para o céu, e não como vai o céu”.
Podemos chamar à primeira a tese da convergência ou da unidade entre ciência e Escritura, e à segunda a tese da separação ou da diversidade entre a pesquisa científica e a esfera da salvação religiosa.
Marcello Pera, in A Europa de Bento, ed. Aletheia, pag. 7.

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Por ti clamamos Senhor,

Antologia

CLAMEI PELO SENHOR

Como caminhantes perdidos num deserto árido e escaldante,
Por ti clamamos, Senhor.
Como náufragos em ilha abandonada,
Por ti clamamos, Senhor.
Como pai a quem privaram do pão ganho e pedido à fome dos filhos,
Por ti clamamos, Senhor.
Como presos da presa do injusto rico, do fundo da cela húmida
E recôndita onde o seu ódio nos lançou,
Por ti clamamos, Senhor.
Como o inocente ao suplício conduzido,
Por ti clamamos, Senhor.
Como escravos fustigados da fúria do seu dono,
Por ti clamamos, Senhor.
Como todas as nações da terra, antes de soar a hora da libertação,
Por ti clamamos, Senhor.
Como Cristo na cruz quando vos disse:
Pai, Pai, porque me abandonaste?
Por ti clamamos, Senhor.

Lamenais, Paroles d’un croyant.