segunda-feira, 1 de março de 2010

Deus e o Mal

Estes últimos tempos têm sido férteis em calamidades naturais que ceifaram vidas e semearam a destruição um pouco por toda a parte. Indo apenas às mais recentes, vêm-me à memória um terramoto no Haiti onde as vidas perdidas se contam por centenas de milhares, e o desespero dos sobreviventes, perante a magnitude da destruição, parecia um dedo acusador apontado a Deus supostamente bom, e que, no entanto sujeitava os seus filhos a tão grande sofrimento. Mais perto de nós foi a tragédia da Madeira que a todos nos enlutou, e a que logo se seguiu o terramoto do Chile, e outro ao lado na Argentina. Isto para não falar da tempestade que nos varreu e que em França fez contar por dezenas o número de vítimas mortais. São apenas alguns episódios recentes duma realidade que tem acompanhado o homem ao longo de toda a sua caminhada sobre a Terra. E levantam um problema que atormenta muitos espíritos: como conciliar a existência de um Deus bom, criador do mundo, com a ocorrência de tanto mal de que o homem não tem culpa? Será crível que a bondade de Deus possa coexistir com o mal que ocorre no mundo? É que a grandeza do Universo aponta como autor um Deus omnipotente e omnisciente que, por definição terá de ser infinitamente bom, um Deus que “é amor”, na definição do Apóstolo S. João. Mas todo o mal que acontece no mundo não virá contradizer essa imagem de Deus-Amor, não virá impor a inexistência de Deus? Muitos tentam arquivar o problema apelando para a justiça de Deus. Este (dizem) é bom, mas justo também e, como tal deve premiar o bem e castigar o mal. As catástrofes que se abatem sobre a Terra são o castigo que Deus envia para punir os pecados cometidos pelos homens e que bradam aos Céus pedindo justiça, como o sangue de Abel derramado por Caim. Mas a explicação cai por terra quando se verifica que o suposto castigo atinge o justo como o pecador, além de dar de Deus a imagem de um ser vingativo e castigador que não casa com o Deus-amor que a Bíblia consagra. Por mim, não penso ter encontrado a chave da solução para o problema. Mas parece-me que, perante ele, a clara opção que se me impõe é a de escolher entre o mistério e o absurdo, sendo que o mistério é a conciliação da bondade de Deus com o mal no mundo, e o absurdo seria a eliminação do problema pela eliminação de Deus como criador. Dar como não tendo causa um Universo a que hoje a ciência marca um momento em que começou a existir, e que, por isso mesmo, se tem de considerar contingente, visto não ter em si a razão da própria existência (a tê-la deveria ser eterno – logo sem começo) é, na plena acepção do termo, um verdadeiro absurdo. Já a conciliação duma causa do mundo em que a infinita bondade não impede que na sua obra se introduza o factor “mal” é um mistério para que não se encontra explicação, mas para o qual a luz da inteligência humana (sempre limitada, note-se bem) pode entrever janelas de inteligibilidade. Uma delas reside no facto atestado pela Bíblia (e pela experiência) de Deus não ter querido criar um mundo per-feito no sentido etimológico da palavra, isto é, um mundo acabado. A tarefa de completar a criação do mundo confiou-a Deus às forças da matéria, e muito especialmente ao homem. Da acção daquelas é testemunha a evolução, hoje universalmente admitida. Da acção do homem dá testemunho toda a sua história. Desde o princípio, segundo a Bíblia, Deus confiou ao homem a tarefa de “dominar a Terra”. E o que é senão o domínio da Terra aquilo que o homem tem feito ao longo dos séculos? Aquilo a que genericamente damos o nome de “progresso” mais não é do que o avançar inexorável do homem para patamares cada vez mais elevados de domínio da natureza. Não me atrevo a dizer que algum dia o homem adquira o domínio perfeito das forças da natureza, como os vulcões, os terramotos, os fenómenos atmosféricos. Força é constatar que, mercê dos progressos já feitos, a humanidade dispõe hoje de meios que lhe permitem tornar menos devastadores aqueles fenómenos. Razão de optimismo vemo-la no combate à doença. O homem não conseguiu nem conseguirá eliminar a morte. Mas os progressos da medicina fizeram com que tenha sido notavelmente estreitado o seu campo de acção. É que, como dizem os Salmos, “o Céu é do Senhor; a Terra deu-a aos filhos dos homens”. Que estes continuem o seu labor de dominar a Terra, e o mal irá progressivamente regredindo.

J. Tomaz Ferreira