sexta-feira, 17 de setembro de 2010

O SEU A SEU DONO

O problema de Deus não o tratou o velho Aristóteles no tratado da Física – mas sim no da Metafísica. Porque o problema de Deus está para além da Física. E esta não é uma afirmação gratuita: também no campo da Ciência deve valer o velho unicuique suum – a cada qual o que lhe pertence. Quando uma disciplina ultrapassa as fronteiras que a delimitam e vai além do seu objecto próprio, está a invadir propriedade alheia e a usar indevidamente os métodos que são seus em matéria onde eles não têm lugar e por isso falham.
A Igreja fez a aprendizagem dolorosa destas verdades quando, no caso Galileu, se pôs a fazer astronomia usando as ferramentas da Teologia. Deu no que se sabe, e ainda hoje lhe é atirado à cara o episódio como motivo de escárnio e descrédito.
Outros deveram não esquecer estes princípios e saber que a excelência duma disciplina não é garantia de bons frutos quando abordam problemas que não são do seu âmbito.
Vem isto a propósito da última obra do grande Físico Stephen Hawking, The Grand Design, em que o sábio explana a conclusão de que não é preciso recorrer a Deus para explicar o aparecimento do Universo.
Ao que leio em súmula de revista de fim de semana, “Deus não é necessário para criar o Universo” e “a criação do Universo foi espontânea e pode ser explicada pela Ciência”. Nada que não soubéssemos desde que, da sua cátedra da Universidade de Lovaina, o Padre Lemaître lançou a teoria do Big Bang explicação científica para o começo do Universo - sem acrescentar, apesar de padre católico, que fora Deus o autor do Big Bang – seria ultrapassar os limites da Ciência.
Mas é claro que o Big Bang pôde ser aproveitado pela ciência filosófica. Se outra ciência demonstrou que o Universo teve um começo, ficava claro que podia não existir
- donde, não tinha em si a razão da própria existência. Quando se nos depara algo que pode não ser, mas é, segue-se necessariamente a exigência de um ser que não pode não ser para explicar a existência daquele que pode não ser. É o problema do absoluto e do contingente: todo o contingente remete para um absoluto como causa última.
É este pequeno pormenor que escapa ao Físico. O mal é ele não parar nos limites da Física e continuar, com os instrumentos desta, a navegar em mar que não é o seu. Acontecem então coisas espantosas, verdadeiras pérolas de raciocínio non sense, como este de Hawking: “Porque há uma lei da gravidade, o Universo pode e vai criar-se a partir do nada”. Mas, se há uma lei da gravidade, levantam-se desde logo problemas de difícil solução. Como é óbvio, o nada é a negação absoluta do ser. Se há uma lei da gravidade, alguma coisa – e o nada desaparece. Então já não é a partir do nada, m as duma lei da gravidade que o Universo começa a existir. Quer dizer, antes de o Universo ser, havia já uma lei da gravidade. É difícil conceber uma lei da gravidade sem matéria sobre a qual ela se exerça…Mas não importa: o fundamental é sublinhar o contraditório da asserção. O Universo vem do nada, mas tem um autor que é a lei da gravidade. A agir retroactivamente – só pode – pois no princípio era o nada: não se vê como se pode atribuir acção, qualquer que ela seja, ao não ser…
Perdoem-me os leitores estas divagações metafísicas. Mas estou cansado de ver cientistas a botar sentença sobre temas que não cabem na sua ciência – pertencem a outras. E a adornarem as opiniões que expedem (e que respeito) com a fiabilidade que advém do prestígio científico. Achei que alguém devia dizer o óbvio: ne sutor ultra credidam.

J. Tomaz Ferreira