sexta-feira, 31 de outubro de 2008

A COMUNHÃO DOS SANTOS

Há a Comunhão dos santos. Começa em Jesus. Ele está dentro dela. É a cabeça. Todas as orações, todos os sofrimentos juntos, todos os trabalhos, todos os méritos, todas as virtudes de Jesus juntas e as virtudes de todos os outros santos juntas, todas as santidades juntas trabalham e rezam para toda a gente junta, para toda a cristandade, para a salvação de todo o mundo (...). Temos que nos salvar todos juntos. Temos de chegar todos juntos junto de Deus. Temos que nos apresentar todos juntos. Não podemos ir para o pé de Deus uns sem os outros.
Charles Péguy

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

DIPLOMACIA E PROFETISMO

Nos anos 60, o dramaturgo alemão Franz Hochut publicou uma peça teatral em que apreciava de forma extremamente crítica a atitude de Pio XII perante o Holocausto. Para quem não saiba Holocausto é o nome por que ficou conhecida a política de extermínio dos judeus (e não só), levada a cabo pelo nazismo em campos de concentração com câmaras de gás para provocar a morte e fornos crematórios para fazer desaparecer oa cadáveres. Queria-se eliminar os vivos e impedir o testemunho dos mortos. Tudo em nome da pureza da raça. Para tanto, a caça ao judeu foi prosseguida com afinco, não só na Alemanha, mas em todos os países que iam caindo sob as suas garras.
Ora, o que fez que, na opinião de muitos, Pio XII se tornasse cúmplice de tamanho horror?
O Papa não aprovou (melhor fora!) nem a guerra, nem o racismo e muito menos a perseguição dos judeus. Aliás, sobre o nazismo e o racismo, já em 1937 Pio XI explicitara o pensamento da Igreja na Encíclica Mit brennender Sorge que Hitler teve grande dificuldade em digerir. Mais: Pio XII fez tudo quanto pôde para salvar judeus: em Roma, as casas religiosas encheram-se de judeus perseguidos que, à sombra da Igreja Católica e por ordem do Papa, conseguiram salvar-se.
Perante isto, será justo acusar Pio XII? Não fez ele o que podia em favor dos judeus perseguidos? Infelizmente, não. O Papa sabia certamente o que se passava na Alemanha, e não ignorava certamente a política oficial de eliminação da raça judaica com a implementação da chamada “solução final”. E perante isso, agiu “diplomaticamente”: não denunciou, não alertou o mundo para o horror do que se passava. Por razões de prudência humana. Receando talvez a reacção doa esbirros que, a seu juízo, se podia traduzir em males ainda maiores.
Perante este silêncio, vêm ao espírito as palavras de Isaías que os judeus conheciam bem: “Feras dos campos, vinde comer, e vós todas as feras da selva. Os guardas estão todos cegos, nada vêem; são cães mudos, incapazes de ladrar; deitam-se a ressonar e só gostam de dormir... E são estes os pastores?” (Is., 56, 9-11).
O Papa é o chefe da Igreja, e é conhecido como o Vigário de Cristo. Cristo foi essencialmente um PROFETA – e nunca foi fácil a vida dos Profetas, porque, falando em nome de Deus, confrontam os homens com as verdades que doem. Diante de Pilatos, Jesus definiu claramente a sua missão: “Eu nasci e vim ao mundo para dar testemunho da verdade” (Jo., 18, 37). Dar testemunho da verdade é a primeira obrigação de qualquer cristão que, pelo Baptismo, recebeu a unção profética.
Foi aqui que Pio XII falhou. Sobrou-lhe em saber e jeito diplomáticos o que lhe faltou em ela profético. Não podemos saber o que teria acontecido se tivesse agido como Profeta. Sabemos que, se Cristo tivesse agido com jeito diplomático, não teria consumado na cruz a Redenção dos homens. Definitivamente, profeta não rima com diplomata.

© J. Tomáz Ferreira

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

EM TEMPOS DE TRIBULAÇÃO

Como caminhantes perdidos num deserto árido e escaldante,
Por ti clamamos, Senhor.
Como náufragos em ilha abandonada,
Por ti clamamos, Senhor.
Como pai a quem privaram do pão ganho e pedido à fome dos filhos,
Por ti clamamos, Senhor.
Como presos da presa do injusto rico, do fundo da cela húmida
E recôndita onde o seu ódio nos lançou,
Por ti clamamos, Senhor.
Como o inocente ao suplício conduzido,
Por ti clamamos, Senhor.
Como escravos fustigados da fúria de seu dono,
Por ti clamamos, Senhor.
Como todas as nações da Terra, antes de soar a hora da libertação,
Por ti clamamos, Senhor.
Como Cristo na cruz quando vos disse
Pai, Pai, porque me abandonaste?
Por ti clamamos, Senhor.

Lamennais

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

UMA BELA CONVERSA COM DEUS

Pedi a Deus que me retire os meus hábitos e manias.
- Não! Disse Ele. Não sou eu que tos devo tirar. Tu é que os deves deixar.
Pedi a Deus que me dê paciência.
- Não! A paciência é um sub-produto das tribulações. A paciência ninguém a dá: a paciência aprende-se.
Pedi a Deus que me dê a felicidade.
- Não! O que Eu te dou são bênçãos: a felicidade depende de ti.
Pedi a Deus que me poupe à dor.
- Não! Os sofrimentos afastam-te da matéria e aproximam-te cada vez mais de Mim.
Pedi a Deus que faça crescer e amadurecer a minha alma.
- Não! És tu que deves crescer e amadurecer. Mas eu podar-te-ei para que possas dar fruto.
Pedi a Deus todas as coisas que possa amar na vida.
- Não! Eu dou-te a vida para que nela possas amar todas as coisas.
Pedi a Deus que me ajude a amar os outros tanto quanto Ele me ama.
Então, satisfeito e muito contente, Deus disse: - Ah! Finalmente, o que pedes é bom!
Autor desconhecido

terça-feira, 14 de outubro de 2008

O TRABALHO DOS HOMENS

É historicamente recente a ascensão do trabalho à categoria de “valor”. Na antiguidade e ao longo de toda a Idade Média, só o trabalho intelectual (que, aliás, não era considerado trabalho propriamente dito) se revestia de alguma dignidade. O trabalho – trabalho mesmo – estava reservado aos escravos, e mais tarde aos servos. Na estratificação social da Idade Média - clero, nobreza e povo – era a este que incumbia trabalhar: a clero rezava e estudava, a nobreza dedicava-se às artes da guerra, e, nos intervalos, matava a caça. Em traços muito grosseiros, obviamente.
Aliás, em alguma pregação da Igreja, o trabalho aparecia como consequência do pecado e seu castigo: “Comerás o pão com o suor do teu rosto” (Gen., 3, 18), repetia-se, sem atentar que no mito bíblico ao pecado só se associa a penosidade do trabalho, fruto da maldição que, por obra do mesmo pecado, recaiu sobre a terra: “Maldita seja a Terra por tua causa. Dela só arrancarás alimento à custa de penoso trabalho” (Gen., 3, 17). Mas o trabalho fora instituído antes da maldição do pecado, com a entrega da Terra ao homem por Deus e a ordem de a dominar (Cf. Gen., 1, 28).

Mudou, e ainda bem, a percepção das coisas. Muito a reboque da evolução social, também os cristãos passaram a considerar o trabalho como um valor. Fala-se, por exemplo em santificar o trabalho – baptizando-o com a oração que o acompanha – e mais, surgem correntes de espiritualidade que apontam o trabalho como caminho de santidade. Trabalhar bem, desempenhar a contento as tarefas que nos são cometidas é meio para conseguir a união com Deus, sobretudo se houver o cuidado de, com a oração ou ao menos com a recta intenção, se oferecer a Deus o esforço que fazemos e a obra das nossas mãos.
Julgo que podemos ir mais longe e ultrapassar esta “sagração” do trabalho que, operada como descrito, será sempre algo que vem do sujeito: é, diriam os Escolásticos, uma sagração ex opere operantis - traduzindo, uma sagração do trabalho em razão de quem o faz e da sua disposição interior. O que proponho é que consideremos a actividade humana tocada duma sagração ex opere operato, isto é, intrinsecamente inserida no mistério da criação, inserida no mistério da Redenção, independentemente de quem a faz, da oração que a acompanha, da orientação lhe dá aquele que a faz.
Tal como o vejo, e reporto-me ao Génesis, Deus não criou um mundo acabado, antes iniciou uma obra que entregou às forças da evolução e ao esforço dos homens para o levarem ao seu termo. O mundo é um sonho de Deus em cuja realização o homem é convidado a colaborar. Por isso, bendito seja o trabalho do homem, benditos sejam todos os trabalhos dos homens que, continuando a obra de Deus, “dominam a Terra” e a conduzem (penosamente) à perfeição sonhada.

©J. Tomaz Ferreira

domingo, 12 de outubro de 2008

Palavras de Mestre

“O homem de hoje escuta mais facilmente as testemunhas do que os mestres; e se escuta os mestres, é porque são testemunhas”.

Papa Paulo VI

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

EM TEMPOS DE CRISE...

...mais do que o blábláblá de políticos e banqueiros, valham-nos para conforto as palavras dos poetas, como estas de MANUEL BANDEIRA:

a virgem Maria

O oficial do registo civil, o colector de impostos, o mordomo da Santa Casa e o administrador do cemitério de São João Baptista
Cavaram com enxadas
Com pás
Com as unhas
Com os dentes
Cavaram uma cova mais funda que o meu suspiro de renúncia
Depois me botaram lá dentro
E puseram por cima
As Tábuas da Lei.

Mas de lá de dentro do fundo da treva do chão da cova
Eu ouvia a vozinha da Virgem Maria
Dizer que fazia sol lá fora
Dizer insistentemente
Que fazia sol la fora.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

O Céu e a Terra

É muitas vezes citada a frase de Cristo: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” (Mt., 22, 21). É ela que fundamenta, do ponto de vista cristão, a separação da Igreja do Estado, reconhecendo a este autonomia de determinação no que concerne ao governo dos povos. Tivera Maomé enunciado princípio semelhante, e o islamismo estaria hoje livre da servidão de ditar normas na esfera civil e de impor a sharia no domínio jurídico.
Mas, muito antes de Cristo, já nos Salmos a Bíblia enunciava um princípio de alcance igual ou talvez ainda maior do que este: “O Céu é do Senhor; a Terra deu-a aos filhos dos homens” (Ps. 112, 16), princípio que prolonga e explicita a ordem de Deus após criar o mundo: “Crescei e multiplicai-vos – dominai a Terra” (Gen., 1, 28).
O mundo está cheio de problemas, muitos deles, aliás, criados pelo próprio homem. Perante esses problemas, não é raro ouvir os crentes remeter para Deus a esperança da sua resolução. Ora, sem negar a possibilidade da intervenção divina e da sua ajuda (resta saber em que plano, moldes e medida), perante um problema do mundo, seja ele crise económica, catástrofe natural ou pandemia, é para si próprio que o homem deve olhar e para as suas capacidades de inteligência e de acção que deve apelar – porque a Terra é domínio que Deus Lhe reservou.

O que fica dito pode parecer ousado, quiçá blasfemo, como se configurasse um convite ao esquecimento de Deus, um renegar da oração como meio de implorar o favor de Deus. Não é assim. Claro que se pode pedir a ajuda de Deus. Mas confesso que me parece quase insultuoso para a bondade divina ver a relação com Deus reduzida a um rol de petições terrenas em que a sua intervenção se espera para as coisas mais abstrusas, desde a cura duma doença até à chave do euromilhões...
Na oração, que é relação com Deus, o pedir é apenas um dos aspectos, a par de muitos outros (o louvor, a adoração, a acção de graças...). Não me esqueço, claro está, das palavras de Jesus “pedi e recebereis”; mas é de lembrar também que, quando fala do atendimento que Deus faz dos pedidos dos seus filhos, Jesus diz: “Quanto mais o vosso Pai do Céu dará o Espírito bom àqueles que o pedem” (Lc., 11, 13).
Este espírito bom é aquele que nos leva a acreditar que, por maiores que sejam as provações, todas elas acabarão por convergir no nosso bem – se realmente amamos a Deus.

©J. Tomaz Ferreira

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Quando...

“Quando o homem elimina Deus do seu próprio horizonte, é verdadeiramente mais feliz, torna-se na verdade mais livre? Quando os homens se proclamam proprietários absolutos de si mesmos e únicos patrões da criação, será que conseguem construir verdadeiramente uma sociedade onde reinem a liberdade, a justiça e a paz?»
Bento XVI - Sínodo dos Bispos
XII Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos “A Bíblia na vida e na missão da Igreja”.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

DEUS E O DINHEIRO

“Não podeis servir a Deus e ao dinheiro”. Não conheço nos evangelhos passagem em que Cristo tenha estabelecido incompatibilidade tão radical. A sentença aparece em Mateus (6, 24) e é repetida ipsis verbis em Lucas (16, 13).
Julguei que não seria descabido recordar estas palavras num tempo em que, por todo o mundo, o medo de um colapso financeiro se instalou e tem levado a intervir governos que o fazem ao arrepio da filosofia dominante nos respectivos regimes. Assim de repente, ocorrem-me os do Luxemburgo, da França, da Inglaterra, da Bélgica, da Holanda, para não falar dos Estados Unidos que, depois do que fizeram para evitar a falência do gigante AIG, andam às voltas com o famoso plano Paulson que, grosso modo, se propõe injectar no sistema financeiro americano, todo ele privadíssimo, centenas de milhares de milhões de dólares que, obviamente serão pagos pelos contribuintes...
Dizem-nos que a alternativa seria ainda pior e acreditamos que sim. Embora não possamos impedir-nos de pensar que a manobra evidencia que privados se mantêm os lucros, para se socializarem os prejuízos... Os ganhos foram em benefício de alguns; as perdas são assumidas por todos.
Quando um problema se coloca, há três maneiras de o abordar. A primeira consiste em culpar as pessoas, a segunda em o atribuir às estruturas, a terceira e última em remeter para os princípios. É nesta que nos vamos fixar. Dos princípios derivam as estruturas e são eles que ditam as normas de actuação das pessoas.
Se bem olharmos, o sistema financeiro tem funcionado tendo como princípio fundamental a maximização do lucro. Ora, não é essa a sua função. Na sua natureza, o sistema financeiro existe para servir a sociedade, isto é, os homens que a compõem, e o lucro, legítimo que é, deve conceber-se como um derivado do exercício daquela actividade. Colocar o lucro como objectivo principal do sistema financeiro é violentar a sua natureza. E a natureza, quando é violentada, vinga-se. “Deus perdoa sempre, os homens perdoam algumas vezes, a natureza não perdoa nunca”, temos ouvido dizer muitas vezes. É também o que acontece no caso vertente. A gestão do sistema financeiro tem sido feita nestes últimos anos com base neste atropelo. Veja-se só, a título de exemplo, o sistema remuneratório dos gestores, que ganharão em função dos resultados – a mais lucros corresponderão maiores ganhos. Assim, a gestão, ainda que feita nos limites do legal, deixa de ter preocupações éticas ou morais. E, acreditem, é aqui que se situa a razão da crise.

Sempre que o homem age contra, ou à revelia do que as coisas são, está a estabelecer um novo conceito de bem e de mal – está a cair na tentação original da serpente: “Sereis como deuses, conhecendo o bem e o mal”. (Gen., 3, 4) Se o bem é o lucro, a ele tudo se sacrifica. Assim se fez – e os resultados estão à vista. Não é em vão que o dinheiro ocupa o lugar de Deus. E quando não se serve a Deus, é o homem que sai prejudicado.

©J. Tomaz Ferreira

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

A noite escura de S.Joao da Cruz

Ana Paula Lemos