quinta-feira, 2 de abril de 2009

H O N E S T TO G O D

Em texto anterior, sublinhei o carácter comunitário da Eucaristia, baseando-me no Cânon 906 do Código de Direito Canónico onde se exige, para a celebração da Missa, que o sacerdote seja acompanhado por ao menos um fiel.
Por amor da verdade, devo acrescentar que a matéria não é pacífica, pelo menos no que toca à interpretação da norma canónica. Um ilustre jurista da Universidade de Navarra, comentando o dito cânon, aponta como razão para a exigência da assistência de ao menos um fiel, a precaução a ter com a saúde do sacerdote celebrante: “A razão do cânon (escreve) não é a necessidade de participação dos fiéis (...) mas a possibilidade de que a sua se visse alterada por alguma contingência que afectasse o seu pleno acabamento devido à saúde (do sacerdote) etc” E invoca o cânon 904 onde se recomenda aos sacerdotes a celebração diária da Missa.
Com o devido respeito, permito-me discordar, e mantenho-me na minha: a Eucaristia é uma acção comunitária por excelência, em que a comunidade toda, representada pelo seu presidente (o chamado celebrante) renova o mistério da Ceia do Senhor, cumprindo o que Ele expressamente ordenou: “Fazei isto em memória de Mim”.Seria, aliás extraordinário que fosse a Eucaristia a não revestir carácter comunitário, quando na celebração de todos os outros se exige a presença da Comunidade, e é muito claro que é para a Comunidade que eles são celebrados. Não vou elencar os sacramentos todos. Que o leitor o rememore e verifique que nenhum deles pode constituir acção isolada de um celebrante. Então, e a Eucaristia, sacramento da partilha do pão, havia de ser a excepção de um sacramento celebrado sem comunidade? A mim parece-me absurdo.
A mim, que não a outros. E vale a pena procurar o porquê. É que nestas minudências concretas da vida da Igreja espelham-se princípios que raramente se discutem ou se explicitam, mas que são a explicação de muito do que se faz ou ordena ou recomenda – mesmo em sede de Direito Canónico.
Convivem na Igreja duas linhas eclesiológicas que dão origem a procedimentos diversos na lógica dos princípios de que partem. E esses princípios são dois: o princípio do Chefe, e o princípio da Comunidade. Os que baseiam a Igreja no princípio do Chefe dizem em suma que “no princípio era o chefe”, e ao chefe tudo se refere, tudo dele promana e é em função dele que tudo deve organizar-se. É deste princípio que deriva a recomendação do Código para que os presbíteros celebrem Missa diariamente. Pior do que isso, é deste princípio que deriva toda a organização e as práticas prevalecentes na vida da Igreja – a importância do Papa e a sua intervenção na vida de toda a Igreja, desde a nomeação dos Bispos até ao exercício de um magistério erigido muitas vezes a dimensões que na realidade não tem.
Depois há o princípio da Comunidade. Aqui se dirá que “no princípio era a Comunidade”, como disseram, segundo narram os Actos dos Apóstolos, os Doze, quando se tratou de escolher o substituto de Judas: Pedro estava lá e podia designar: mas não quis e foi com os votos da comunidade que a escolha recaiu sobre Matias; como foram os votos da Comunidade que designaram aqueles que haviam de ser os primeiros diáconos.
Aliás a história da Igreja é fértil em acções que denunciam bem o primado da comunidade: os bispos e os presbíteros só o eram depois da imposição das mãos que garantiam a sucessão apostólica – mas a imposição das mãos era feita àqueles que a comunidade elegia. E não será inútil recordar que o Concílio de Calcedónia declarou nulas as ordenações de bispos e presbíteros que não fossem apresentados por uma comunidade... O Concílio de Calcedónia não concebia uma Eucaristia celebrada sem comunidade.
Os dois princípios – do Chefe e da Comunidade – convivem na Igreja de Deus. Por mim, penso que o princípio da Comunidade vai prevalecer um dia para que a Igreja verdadeiramente se renove.
J. Tomaz Ferreira