*Antologia
CÂNTICO DE UM DEMÓNIO MENOR
Senhor!
Eu não te acendo velas,
E a oração que te faço
Não é, talvez, humilde
Cubro de orgulho um medo milenário
E chamo-lhe
- Para cá, para lá numa terra sem nome
Um cavalo de guerra.
Sorrio.
Pinto-me de sorrisos
Como as velhas sem vergonha
E exibo a minha ironia
Como os viscondes as coroas dos brasões.
Choro.
Gratuito, o choro sem esperança
Não pede piedade nem a dá.
(Água salgada a inferno,
E para os outros nem sequer pretexto
De oferecerem os lenços emprestados!)
Mas a minha verdade é só tristeza.
E só tu, que eras antes e depois do mundo,
Ó Cristo do Gethsémani!
Cristo, humano, do perdão
E da cólera sagrada
E dos dias do deserto
A venenos de Satã,
Só tu, Senhor! É que sabes
De que foscos e pávidos silêncios
- Grávidos de fantasmas de palavras
Que não são para a voz de ninguém –
Se gerou a humana melancolia.
Só tu, Senhor,
É que sabes!
Eis porque me espero
Em Ti, Homem-e-Deus
Que morreste por mim.
António de Sousa