terça-feira, 10 de março de 2009

HORRIBILE DICTU

A excomunhão é a mais severa das penas eclesiásticas. O Direito Canónico reserva-a para os casos mais graves, normalmente em que há um atentado grave contra a própria comunidade. Como se sabe, o direito penal (e a Igreja tem um direito penal...) tem em vista a defesa da sociedade.
Não sendo o caso de enumerar aqui as acções para que a Igreja reserva a pena de excomunhão, podemos alinhar alguns exemplos: a apostasia, a heresia ou o cisma; a profanação da Eucaristia, a violência física contra o Papa, a consagração de um Bispo sem mandato do Papa... Está sujeito também à pena de excomunhão o aborto perpetrado... (Cf. Cn. 1398).
O efeito da excomunhão é a exclusão da Igreja: o excomungado deixa de ser reconhecido como membro da Igreja, e perde, consequentemente os direitos de que gozam os fiéis, nomeadamente, é excluído da celebração dos Sacramentos. Por exemplo, o excomungado não pode participar na celebração eucarística, e consequentemente não pode comungar, não conta com o consolo dos últimos sacramentos, nem pode ter funeral cristão.
Vem este intróito a propósito do que se passou recentemente no Brasil, onde o Bispo de Olinda e Recife decretou uma série de excomunhões. Foi a propósito de um caso sórdido duma criança de nove anos que, violada pelo padrasto, engravidou de gémeos. A família, de acordo com os médicos, que achavam que a gravidez punha em causa a vida da criança, optou pelo aborto. E foram todos excomungados – incluindo a criancinha violada, que, aliás, nem terá tido consciência do que lhe estavam a fazer: a família ter-lhe-á dito que precisava de fazer uma operação por causa duma doença que tinha na barriga.
No caso, tal como nos chegou, havia circunstâncias que, por exemplo em Portugal, fariam com que o aborto pudesse ser praticado legalmente, mesmo antes da actual lei que deixa o aborto ao total arbítrio da mulher, e contra a qual a Igreja ergueu veemente a sua voz : havia o risco de a gravidez por em risco a vida da mãe, por um lado, e havia, por outro, a circunstância de a mesma ter resultado de violação. É verdade que o Código de Direito Canónico não distingue. Mas também é verdade que em Portugal a lei foi aprovada sem que se ouvisse da parte da Igreja o mais pequeno protesto – o que configura pelo menos uma aprovação tácita.
Mas demos de barato tudo o resto, e fixemo-nos na menina. Tem nove anos. Sofre, por parte do padrasto, a infâmia duma violação. Castiga-a a natureza fazendo-a conceber numa idade em que era suposto ser impúbere. Como se tudo isso não bastasse, a Igreja, a Santa MÃE Igreja aplica-lhe a pena máxima! Que mãe é esta que assim trata os seus filhos? Onde fica, neste caso o mandamento maior, “amai-vos uns aos outros – nisto conhecerão que sois meus discípulos”?
Felizmente a teologia ensina (e não podia deixar de o fazer) que a Igreja tem duas faces que nem sempre coincidem: a jurídica e a mística. A primeira está nas mãos dos homens; da segunda só Deus é o Senhor. No caso vertente, pode um bispo desumano excluí-la da Igreja jurídica (o foro externo); mas certamente que no foro interno, aquela filha de Deus não foi expulsa da família pelo único que o poderia fazer: o próprio Deus.
Escrevo estas linhas estéreis para manifestar a minha solidariedade para com aquela inocente injustamente castigado; mas também para exprimir a minha tristeza por ver que na minha Igreja (que não renego) continua a haver pastores que se comportam como lobos,
J. Tomaz Ferreira