sábado, 17 de maio de 2008

Dimensão cósmica da Redenção

Alfa e Omega
AS DIMENSÕES DA REDENÇÂO

Nas catacumbas de S. Calixto, há uma cela cujo tecto ostenta uma curiosa gravura em que Cristo é apresentado no centro de um cosmos figurado pelos ventos das várias direcções do espaço. Teríamos aqui, segundo muitos, a primeira e tosca representação plástica da dimensão cósmica da Redenção. Segundo a mais antiga tradição cristã (na linha aliás das profecias veterotestamentárias), não foi apenas ao homem que se dirigiu a acção redentora de Jesus, mas ao universo inteiro. Se tempo houvesse, aqui me apetecia transcrever S. Efrém Sírio com os seus Hinos sobre o Paraíso onde, na sua humanidade, Cristo é apresentado como o renovador da ordem primordial e segundo Adão: como p primeiro arrastou na sua queda o mundo criado (Cf. Gen. 3, 17-19), assim, na sua redenção, Cristo restitui a criação ao seu estado primigénio. Ou S. Máximo Confessor, que celebra em Cristo “o fim bem-aventurado para o qual foi concebido e realizado o Universo. Ou ainda aquele poema de um discípulo de S. Hipólito em louvor da Cruz: “Nos seus quatro braços, a cruz de Cristo contém tudo o que existe no céu, na terra e sob a terra: todo o visível e o invisível, todo o vivente e o não vivente”. E poderíamos acrescentar ainda Gregório de Nyssa ou Rábano Mauro.
É pena que esta dimensão cósmica da Redenção tenha de certo modo sido esquecida como conteúdo da catequese corrente, já que, além da tradição evocada, ela tem também sólidas raízes apostólicas: Pedro, João e Paulo enunciaram-na, cada qual a seu modo, mas todos de maneira inequívoca.
Como é sabido, o cristianismo não adoptou a concepção circular do tempo, cara aos gregos, segundo a qual a história e o tempo se moldariam como um eterno retorno. Para os cristãos, o universo teve um começo e caminha linearmente para um termo. Entre os dois pólos do começo e do termo, enxerta-se a vinda do Redentor que literalmente divide o tempo em duas partes: antes e depois de Cristo. O tempo que vivemos é a era messiânica, aquela em que se consuma no mundo a obra redentora de Jesus e que terminará com a sua segunda vinda.
É quando se detêm a ensinar o que vai acontecer no fim dos tempos, que aqueles apóstolos claramente apontam a dimensão cósmica da acção do Redentor, que passa pela transformação deste mundo que passará para dar lugar a um mundo novo. Como ensina Pedro: “Nós, porém, segundo a sua promessa, esperamos uns novos céus e uma nova terra onde habite a justiça”. (2Pet. 3, 13).
S. João retoma, no Apocalipse, a ideia de Pedro: “Vi então um novo céu e uma nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra tinham desaparecido e o mar já não existia”. (Apoc., 21, 1). E mais adiante: “O que estava sentado no trono afirmou: Eu faço novas todas as coisas”. (Apoc., 21, 5)
Embora claros, pode a alguém ocorrer que os textos citados devam ser entendidos em sentido figurado. S. Paulo ajuda-nos a afastar tal ideia em dois textos fundamentais: o primeiro, na Epístola aos Romanos em que se refere à redenção in fieri e onde a criação é apresentada na sua materialidade concreta; o segundo na primeira Epístola aos Coríntios, onde a redenção se apresenta in facto esse, na sua consumação, e que igualmente contempla a criação de forma muito concreta. Vejamos:
“Estou convencido de que os sofrimentos do tempo presente não têm comparação com a glória que se há-de revelar em nós. Pois até a criação se encontra em expectativa ansiosa aguardando a revelação dos filhos de Deus. De facto, a criação foi sujeita à destruição – não voluntariamente, mas por disposição daquele que a sujeitou – na esperança de que também ela será libertada da escravidão da corrupção para alcançar a liberdade na glória dos filhos de Deus. Bem sabemos como toda a criação geme e sofre as dores do parto até ao presente”. (Rom., 8, 18-22)
“Depôs será o fim: quando ele entregar o Reino a Deus e Pai, depois de ter destruído todo o principado, toda a dominação e poder. Pois é necessário que Ele (Cristo) reine até que tenha colocado todos os inimigos debaixo dos seus pés… E quando todas as coisas lhe tiverem sido submetidas, então o próprio Filho se submeterá Àquele que tudo lhe submeteu, a fim de que Deus seja tudo em todas as coisas”. (1Cor., 15, 24-28).
J. Tomaz Ferreira