domingo, 25 de maio de 2008

Do homem...

A propósito do Pr. Mário Aguiar da Praça Lages


Então não é que estava atrapalhado pois não sabia como começar esta carta,
que não é uma carta, não o pode ser! Estás lá no céu, há sessenta e um anos, em linguagem terrestre, quando nunca deixaste de estar cá na terra comigo, e certamente com outros, os irmãos que só virei a conhecer quando chegar aí junto de Deus...Claro, que mesmo aí no céu a festa será rija, desajeitadas palavras para tão grandes alegrias e sentimentos.
Eu senti sempre a tua presença desde aquele dia em que deixaste de ser corpo
para seres só alma, a 29 de Abril de 1947.
Começaste por «me apanhares a fazer versos» - pois claro que te lembras –
naquela manifestação de puberdade que no seminário se tentava ignorar, e
em vez da clássica bofetada que o Virgílio Ferreira nunca esqueceu, tu tiveste
«a ousadia de me pedir licença para os leres… e depois, para os levares para
o teu quarto para os leres mais atentamente.» Mais ou menos vinte e quatro
horas depois, devolvias-mos, enrolados em poemas teus…
Foste certamente o maior místico que passou pelos seminários do Fundão e
da Guarda, embora isso não conste de nenhuma acta e, que o teu nome não tenha merecido mais que uma linha numa publicação recente… A luz que iluminava a tua alma, reflectiu-se até hoje sobre a minha. Por isso, deste então, quase tudo me pareceu relativo. Embora haja traços ou momentos que não foram fáceis de viver, a começar pelo extravio dos manuscritos dos teus poemas que eu - imperdoável ingenuidade - confiei ao senhor director espiritual … foi uma facada não só em mim, mas na alma de tantos e tantos… Guardo de ti só uns santinhos, um da tua ordenação sacerdotal, com a tua dedicatória: «ou tudo, ou nada, nesse caso, tudo»! e dois livros aos quais tiveste a bondade de apor a tua dedicatória. E ficou a recordação de toda a literatura mística que me deste a conhecer e a viver!
Um colega teu e nosso amigo comum, dedicou-te este poema que aqui
transcrevo, em jeito de recordação de ambos.


ELEGIA PARA O COMPANHEIRO PERDIDO


Seu destino foi o das raízes que apodrecem no chão
antes de vir a noite. Antes de vir a noite.
Veio como uma promessa
Cresceu
Deu folhas e flores
Mas os frutos abortaram antes de nascer.
A geada o queimou:
Aquela geada branca
Como a branca neve
Que parece maná
E é sol de cresta impenitente…
Aquela geada branca
Como as brancas flores
Que com ele desceram ao coval
Onde se recolheu a última esperança.
Seu destino foi o das raízes que apodrecem cedo.
Veio como uma promessa
Cresceu
Deu folhas e flores
E recolheu-se em si numa floração triste de lábios roxos.
Deus o sumiu na eternidade.
O seu destino foi o de todas as esperanças ceifadas
A renascer constantemente das cinzas da própria cresta.

Fernando Moura