sábado, 23 de fevereiro de 2008

As Dimensões da Catolicidade

*Alfa e Omega

AS DIMENSÕES DA CATOLICIDADE

Sempre que participamos na Missa, confessamos a nossa Fé na Igreja. E adjectivamo-la: una, santa, católica e apostólica. São características que damos por adquiridas e que o são na sua raiz, mas que nem por isso deixam de ser também dinâmicas, e que podem e devem ser aprofundadas segundo o desejo do Senhor: quanto mais crescerem em santidade os membros do Povo de Deus, com mais propriedade se pode aplicar à Igreja a designação de santa.
Em escrito anterior tivemos oportunidade de aflorar a catolicidade que, na ocasião, reduzimos à dimensão quantitativa: a Igreja é católica porque universal no tempo e no espaço. Universal no tempo, porque tem atravessado os séculos – já lá vão vinte – sem dar mostras de cansaço, e preservando, através de todas as vicissitudes, o essencial das suas características: a Igreja de que hoje fazemos parte é essencialmente idêntica à pequena comunidade que se formou em Jerusalém na sequência do Pentecostes. E vai continuar até ao fim dos tempos: é essa a nossa fé e a nossa esperança, baseados na promessa do Senhor Jesus: “As portas do Inferno não prevalecerão contra ela” (Mt., 16, 18), e “Eu estarei convosco todos os dias até à consumação dos séculos” (Mt., 28, 20).
É universal no espaço, aberta a todos os homens sem distinção de raça ou de cultura. Tendo começado por se dirigir apenas aos Judeus, em breve, por intervenção do Espírito Santo, se abriu aos gentios, e a Boa Nova foi anunciada em todo o mundo conhecido a ponto de a sua importância em número de sequazes ter levado o Imperador Constantino a fazer ela seu aliado em gesto político destinado a preservar a unidade do Império. Mais tarde, quando nós, Portugueses, alargámos com os descobrimentos as fronteiras do mundo, nova oportunidade se abriu ao impulso da catolicidade. Goste-se ou não, é historicamente inegável que, na gesta dos descobrimentos, a cruz andou de par com a espada – seja qual for o juízo sobre o papel desta na imposição daquela.
Mas a catolicidade tem também, para além desta dimensão quantitativa. Um aspecto qualitativo, demasiadas vezes esquecido, tanto que quase se não dá por ele.
Em palavras simples, poderíamos dizer que, por força da catolicidade, a Igreja é chamada a acolher no seu seio não apenas todos os homens, mas o homem todo.
É que a Igreja é a continuação no tempo da Redenção de Cristo. E a Redenção de Cristo tem uma dimensão universal, podemos mesmo dizer, uma dimensão cósmica. Então, é o homem todo que Ele redime. A catolicidade da Igreja é ou de ser a tradução no tempo presente da catolicidade da Redenção de Cristo. Como escreveu o P. Congar: “Cristo foi constituído por Deus princípio duma nova existência para todas as coisas, tem em Si o que é preciso para salvar, transfigurar e reconduzir a Deus (…) a totalidade do que há de humano no homem, a totalidade das virtualidades da natureza humana”. E nesta totalidade se incluem uma infinidade de línguas, de culturas, de situações ou de condições, se experiências espirituais e de maneiras de abordar a realidade.
E é aqui que começam as minhas dúvidas. A Igreja tem evangelizado povos muito diversos. Mas, ao impor-lhes uma disciplina forjada na Europa, uma liturgia de raiz romana, uma teologia (i. é. não uma Fé, mas uma inteligência da Fé) elaborada na base de conceitos greco-latinos, estará a cumprir a catolicidade que exige a Redenção do homem todo? Será que a preocupação legítima da unidade na Fé não se transformou na indefensável exigência duma monocórdica unicidade de disciplina, de expressão da espiritualidade, de pensamento da Fé?
Queixam-se os católicos de rito oriental de que as suas diferenças em relação à Igreja latina são mais toleradas do que acarinhadas. E não consta que nas Africas, nas Índias e nos Brasis as comunidades tenham feito mais do que adaptar-se à latinização imposta, em vez de, na unidade da Fé, terem segregado uma vivência eclesial que exprima o que há de diferente no seu ser homem.
Para quando evangelizar apenas e não latinizar ou romanizar também? Para quando a plena dimensão da catolicidade da Igreja?
*Alfa e Omega (assuntos religiosos)
J. Tomaz Ferreira