quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Tentações de Cristo

*Alfa e Omega

AS TENTAÇÕES DE CRISTO

Não terão conta as vezes que já ouvimos, no cap. 4 do Evangelho de S. Mateus, o episódio chamado das “tentações de Cristo”. Vale a pena reflectir uma vez mais sobre ele, neste tempo de Quaresma, em que somos chamados à penitência.
As tentações acontecem no início da vida pública de Jesus. Ele saíra da casa de seus pais, autonomizara-se, e, após o Baptismo por João, deu a si próprio um período de reflexão – 40 dias no deserto. Este tempo de reflexão não é ousado dizer que Jesus o dedicou a pensar no rumo que queria dar à sua vida. Acontece na vida de todos os homens o tempo da escolha (pelo menos para aqueles que podem escolher), o tempo em que se escolhe a profissão e se elabora o projecto de vida.
O facto das tentações e o seu teor confirmam-me na convicção de que com Jesus se passou o mesmo. Não, não alinho com aqueles que vêem neste episódio o emergir em Jesus da consciência messiânica e da sua real filiação divina. Mas a função messiânica, a salvação do mundo – que é, no fim de contas o caminho para a felicidade do homem – podia orientar-se em várias direcções. São três os caminhos que o demónio propõe a Jesus e, note-se, pelo menos os dois primeiros supõem em Jesus uma identidade supra-humana.
“Se és o filho de Deus, ordena que estas pedras se convertam em pães” (Mt., 4, 3). Era a tentação da riqueza. Alguém que tivesse o poder de transformar pedras em pão facilmente enriqueceria. De bens transaccionáveis, nenhum se pode comparar ao pão em amplitude de nicho de mercado. Além disso, o homem que transformasse as pedras em pão não teria dificuldade em arregimentar legiões de seguidores. Que o seguiriam não por amor dele ou da sua mensagem, mas porque ele lhes garantia o bem estar que dá a abundância de bens materiais. Jesus recusou.
Vem depois a tentação da glória, da fama ou da notoriedade. Propunha o diabo a Jesus que se atirasse do alto do pináculo do templo, para que a multidão ali reunida, ao vê-lo aterrar em segurança, rodeasse com a sua admiração o autor do prodígio, que facilmente aceitaria como Filho de Deus. Jesus recusou.(Cf. Mt., 4, 7).
Finalmente o domínio sobre todos os reinos do mundo: “Tudo isto te darei se, prostrado, me adorares” (Mt., 4, 9). Era a tentação do poder, aquela que merece de Jesus o repúdio mais veemente (Cf. Mt., 4, 10).
Penso que as tentações de Cristo são paradigmáticas dos valores que a vida nos propõe e perante os quais temos que nos definir, muito mais do que perante as tentações avulsas com que nos confrontamos no agir do dia a dia e nas quais decidimos normalmente em função das opções de fundo que fizemos.
Se olharmos bem, veremos que neste nosso mundo os valores dominantes são a riqueza, a glória e o poder, que muitas vezes se entrelaçam de modo que um se constitui caminho para o outro. Julgo que é nestes valores fundamentais que se encontra o pecado do mundo. Os males que depois emergem na sociedade, como casos de injustiça, como situações de miséria, como tragédias humanitárias não causadas por desastres naturais, têm como base escolhas individuais ou colectivas de algum daqueles contravalores – nomeadamente a riqueza e o poder. Aqueles que, rejeitando-os, Cristo desacreditou como caminhos de salvação. E, sinceramente, podemos dizer que vive feliz este nosso mundo em que eles imperam?
J. Tomaz Ferreira

*Alfa e Omega (assuntos religiosos)