domingo, 10 de fevereiro de 2008

Estruturas do Pecado

*Agora

ESTRUTURAS DE PECADO

Foi Emmanuel Mounier quem primeiro falou da desordem estabelecida e contra ela lutou ao insurgir-se contra a chamada ordem estabelecida.
Como no seu tempo, a chamada “ordem estabelecida” é muitas vezes a capa social e politicamente aceite daquilo que, em tantos casos, mais não é do que uma verdadeira “desordem estabelecida”.
Os exemplos abundam, nem é nosso propósito enumerá-los. Mas alguns se podem apontar e sobre eles devemos reflectir e contra eles travar o combate que impõe o exercício da cidadania.
Recentemente, o Presidente da República dizia interrogar-se sobre o desnível entre a remuneração de certos gestores e a média salarial dos trabalhadores das suas empresas. Podemos interrogar-nos também sobre as reformas milionárias de que gozam reformados de idade não propriamente provecta, que aliás continuam (e muito bem) profissionalmente activos, quando comparadas com a miséria dos 300 euros que é propósito do Governo atribuir como mínimo a tantos reformados condenados a viver aquém desse limiar de miséria. São situações que decorrem da lei ou que a lei, se não cria, permite. Mas são com certeza, e por isso mesmo, manifestações duma “desordem estabelecida”, fruto das estruturas de pecado que dominam o sistema.
Todos os cidadãos, e com maioria de razão os que se reclamam do cristianismo, têm obrigação de se empenhar na luta contra a pobreza e na construção duma sociedade mais justa e mais humana. Ora, a luta contra a pobreza não pode fazer-se hoje apenas “dando” a quem precisa – essa é a função supletiva. Na primeira linha desse combate está a construção duma ordem social em que todos possam ver garantida realmente uma vida condizente com a dignidade humana. E que seja só por demérito próprio que alguns se vejam excluídos desse direito.
Mas uma ordem social justa nunca poderá ser construída enquanto grassar a corrupção, enquanto o tráfico de influências determinar a concessão a um como favor, daquilo que seria direito de outros; enquanto o legítimo exercício de cargos e lugares for ocasião para obter proventos indevidos geradores do enriquecimento sem justa causa.
Há quem remeta para os tribunais a cura destes males. Ora, os tribunais – mesmo quando funcionam – limitam-se a remediar. E aqui o que é preciso e possível é prevenir. Urge desmantelar as estruturas de pecado que propiciam estes desvios.
O tema tem sido debatido. Mas será que as elites dominantes têm real vontade de resolver o problema?
Citizen Kane
*Agora (para assuntos de sociedade e cidadania, cultura….