sábado, 23 de fevereiro de 2008

Onde Anda o Sentido da Obra de Santa Zita?

ONDE ANDA O SENTIDO DA OBRA de Santa Zita?

Quando frequentei o Seminário do Fundão, nos anos 41/45 do século passado, a figura do padre Brás era por assim dizer familiar; não fazia parte do corpo docente, mas não raro ali
se deslocava seja para confessar, seja para pregar retiros. Era coxo, e essa deficiência notava-se tanto mais quanto a sua estatura não passava despercebida. Pelas suas palavras, e pela sua atitude víamos que era um homem de uma fé profunda, mas que não podia de forma alguma, bem pelo contrário, ser considerad o como «um beato».
Nesses tempos em que a Europa estava a sair, estremunhada, de uma guerra que matou « SÓ» 50 milhões de europeus, os portugueses – a essa guerra escapámos – consideravam-se, em
geral, protegidos por Deus, pois fomos poupados aos horro-res que os que têm menos de 40 anos têm dificuldade em imaginar. Monsenhor Alves Brás tinha, certamente, uma visão di-
ferente da do comum dos portugueses, e muito mais distante ainda, da dos alunos do Seminário do Fundão.
Enquanto ele vinha ali dar-nos um testemunho de fé do qual não podíamos medir o alcance, ele consagrava o melhor de si mesmo a uma obra que lhe ia absorver a vida inteira, e o colocava na senda da beatificação. Sim, um jovem nascido numa pequena aldeia da Beira Baixa – em Casegas - sentiu-se
chamado por Deus para aceder ao sacerdócio. Cometeu o erro de expressar este seu pensamento, e « o fariseu de ser-viço» ditou logo a sua sentença: « não pode entrar no semi-nário porque é coxo!» De opinião inversa foi Monsenhor António dos Santos Carreto – o grande fundador dos Seminá-rios do Fundão e da Guarda – e que o acolheu como deve ser acolhido todo aquele que deseja consagrar a sua vida a Deus.
Para nós, seminaristas, Mons. Alves Brás era um grande prégador de retiros, ponto final. Falar da obra de Santa Zita, que jeito é que isso tinha? « Uma coisa não tem nada a ver com a outra» responder-nos-iam, se ousássemos fazer tal pergunta.
O Padre Brás, como assim o chamávamos, fundara uma obra social de protecção às « criadas». A palavra « criada» que, originariamente nada tinha de depreciativo – designava-se assim uma menina de uma família pobre que era recebida numa « família rica » e era criada, simultaneamente, com os filhos da casa. Em troca, ela prestava pequenos serviços, como era na-
tural, e pedagógico. Como acontece, frequentemente, a troca de serviços abafou o sentimento de humanismo da primitiva ideia, e « uma criada de servir » passou a ser, e era nos anos 50 uma pequena provinciana que vinha trabalhar, sobretudo para Lisboa, mas também para outros meios urbanos, recebendo um salário miserável, trabalhando 10/12horas por dia e, sendo tantas vezes laboratório sexual dos machos da casa, quer dizer, não só dos coetâneos mas até dos donos.
Esta desgraça não passou despercebida ao sacerdote que nasceu em Casegas, e à rua para onde « o sistema » encaminhava não só as que engravidavam, mas certamente muitas outras, ele opunha, oferecia uma casa onde não só tinha um abrigo mas, tanto ou mais importante do que isso, um respeito, uma consideração que nunca ninguém lhes consagrara. E a Obra de Santa Zita cresceu porque o número das que nela encon-travam o seu verdadeiro lar cresceu; nunca se recusou nem um prato de sopa, nem uma cama a ninguém.
E eu agora pergunto: porque é que há agora crianças a morrerem antes ou depois de nascerem, torturadas sob as formas mais selvagens? Não será porque ignoram que há uma obra que foi fundada para que uma mãe nunca tivesse vergonha de o ser? Então?
Fernando Moura