sábado, 19 de abril de 2008

Antologia

BEM-AVENTURADOS OS PUROS DE CORAÇÃO (Mt., 5, 8)

Semelhante a som harmonioso, ou a um perfume, que nos comovem sem se saber porquê, a pureza, só pelo nome, e muito mais ainda pelo seu aparecimento, desperta em nossa alma uma atracção, inevitável por si mesma, embora indefinível. A pureza, sentimo-lo confusamente, toca o segredo da nossa mais íntima contextura. Interessa as esperanças mais delicadas da nossa substância. Nós vivemos a pureza. Mas em que ponto de vista deveríamos situar-nos para tentar compreender um pouco a função criadora que ela desempenha em nós, pela graça de Deus?
Talvez no ponto de vista da Multidão.
O coração puro é aquele que, amando a Deus sobre todas as coisas, sabe também vê-lo presente em toda a parte. Quer se eleve acima de toda a criatura, até uma apreensão quase directa da Divindade, quer se lance – como é obrigação de todo o homem – no Mundo a aperfeiçoar e conquistar, o justo já não presta atenção senão a Deus. Para ele, os objectos perderam a sua multiplicidade de superfície… A alma pura, por seu privilégio natural, move-se no seio de uma unidade imensa e superior. Por este contacto, quem não vê que ela vai unificar-se até ao cerne de si mesma? E quem não adivinha, a partir de então, o auxiliar inapreciável que os progressos da Vida vão encontrar na Virtude?
Enquanto o pecador, que se abandona às suas paixões, dispersa e dissocia o seu espírito – o Santo, por um processo inverso, escapa à complexidade das afeições pela qual se matem nos seres a recordação e o vestígio da sua pluralidade original. Para ele tudo é Deus, Deus é tudo para ele, e Jesus é-lhe ao mesmo tempo Deus e tudo. Sobre semelhante objecto, que esgota na sua simplicidade – para os olhos, para o coração, para o espírito – a Verdade e a Beleza do céu e da Terra, convergem as faculdades da alma, tocam-se, soldam-se à chama de um acto único no qual a percepção se confundo com o amor. A acção específica da pureza (o seu efeito formal, diria a Escolástica) consiste, pois, em unificar as paixões interiores da alma no acto de uma paixão única, extraordinariamente rica e intensa. A alma pura, finalmente, é aquela que, sobrepujando a última e desorganizante atracção das coisas, tempera a sua unidade (isto é, amadurece a sua espiritualidade) nos ardores da simplicidade divina”.
Teilhard de Chardin, in La Lutte contre la Multitude (1917)