terça-feira, 22 de janeiro de 2008

As Contas da Hipocrisia

*Alfa e Omega
AS CONTAS DA HIPOCRISIA

Convido o leitor a debruçar-se sobre o capítulo 23 do Evangelho de S. Mateus. É o capítulo das invectivas de Jesus contra os escribas (doutores da Lei) e os fariseus. São oito as imprecações que lhes dirige, e nelas fielmente retrata a mentalidade pecaminosamente legalista dos bem pensantes religiosos da sociedade teocrática do seu tempo, a mentalidade que permitia caracterizar os pretensos justos do Povo de Deus, e ser o paradigma da conduta dos que diziam viver segundo o Espírito do Senhor, na fidelidade à Aliança que Deus fizera com o seu povo.
Como um refrão, em todas Jesus repete ai de vós, escribas e fariseus hipócritas – desde logo lançando sobre a hipocrisia o labéu de pecado maior. Entre outros mimos, não hesita Jesus em apodá-los de sepulcros branqueados – por fora parecendo puros e imaculados, mas guardando por dentro nada mais do que podridão. Serpentes e raça de víboras lhes chama também.
A esta mentalidade, que tão veementemente condenou, contrapôs Jesus a sua ideia de que em amar a Deus nos que nos estão próximos se esgotava quanto preceituado pela Lei e proclamado pelos Profetas.
Pois, embora a lei do Amor tenha sido constituída por Jesus em norma única para o novo Povo de Deus, não faltam nesse povo doutores da Lei que, na senda dos antigos judeus, parecem ressuscitar o espírito do velho legalismo. Veja-se, a título de exemplo, esta magnífica contabilização da caridade (H. Jone, Síntese de Teologia Moral Católica, Editions Salvator, 1941):
Numa necessidade grave, é-se obrigado a socorrer o pobre tanto quanto se pode, sem renunciar ao que é necessário a um modo de vida conforme ao nosso estado. No caso em que um pobre, numa necessidade grave, puder encontrar auxílio facilmente noutro sítio, não haverá obrigação grave de correr em seu auxílio pessoalmente. Numa necessidade corrente, deve-se, de um modo geral, ajudar os pobres com o supérfluo e isso, segundo muitos autores, somente sob pena de pecado venial. Não se tem de ajudar todos esses pobres, basta socorrer alguns. Aquele que, todos os anos, consagra 2% do seu supérfluo para esse fim, satisfaz, relativamente a estes pobres, o seu dever de caridade.
Palavras para quê?

J. Tomaz Ferreira

*Alfa e Omega - epigrafe do blog dedicada a assuntos religiosos