terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Onde Está O Teu Irmão?

Não são propriamente muito recentes, mas não se ma varrem da memória as imagens do metro de Barcelona, em que um energúmeno, de telemóvel na orelha, agredia com a mão livre primeiro, e depois a pontapé – sem rixa prévia, é de notar – uma adolescente franzina que se encolhia no banco como forma de defesa contra a agressão. Soube-se que a miúda era equatoriana e à agressão foi dada, por isso mesmo e como circunstância agravante, uma conotação racista. Não sendo de desprezar, não é esse pormenor que retém a minha atenção. Prefiro fixar-me no sentido da cena global e deter a minha atenção não apenas no que foi feito, mas também no que ninguém fez, ou, se preferirem, no facto de ninguém ter feito nada. Não é que o comboio fosse cheio de gente. Mas a câmara mostrou que havia mais passageiros na carruagem. O episódio da agressão levou o seu tempo: depois de agredir, o energúmeno afastou-se até à porta e voltou atrás para agredir novamente. Ninguém se levantou para se opor à agressão. Claro que, como nota um amigo meu com uma ironia amarga, se alguém o tivesse feito, teríamos eventualmente não um mas dois agredidos – o que se traduziria inevitavelmente na multiplicação da violência… Mas, nem passada a agressão, alguém fez o gesto de oferecer ajuda à vítima: ver, por exemplo, se precisava de cuidados médicos, oferecer-se para a acompanhar à polícia… Para mim, tão chocante como a agressão foi esta ausência de ajuda. Aquela fez-me tomar consciência de como a violência se banalizou a ponto de se ter a impressão de que é apenas um ingrediente mais no cozinhado intragável em que se transformou o quotidiano da civilizada Europa, pretensa campeã dos direitos humanos e da tolerância tão apregoada como ausente. Esta fez-me ver a ficção em que transformámos a proclamada solidariedade com que enchemos a boca. De facto, em vão a buscaremos neste triste episódio. De facto, parece que, para muitos, a sua prática se esgota nas grandes causas de dimensão planetária, que garantem títulos de jornal: os refugiados do Darfur, os famintos do hemisfério sul, as epidemias que, como a sida, dizimam o continente africano. É a solidariedade fácil com os que estão longe de que facilmente nos desobrigamos, que mais não seja por interposto Estado, com os míseros euros que nos saem do bolso, mas que não implicam nenhum empenhamento pessoal da nossa parte. A solidariedade com quem vive ao nosso lado é mais difícil, porque exige que demos de nós, e não apenas do que é nosso. É a solidariedade muito concreta com o nosso próximo no sentido literal do termo, em que próximo é aquele que nos está ao pé. Na frieza daquela carruagem de metro, a jovem equatoriana não foi o próximo de ninguém: mais não era do que uma presa acossada e indefesa perante um predador boçal e cobarde que gratuitamente a agrediu, e rodeada por um oceano de indiferença em que ninguém se deu ao incómodo de intervir, nem para evitar o mal, nem para lhe dar remédio. É este o mundo que queremos para viver?
J. Tomaz Ferreira