segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Para uma leitura do Novo Testamento...

Uma leitura menos apressada do Novo Testamento mostra como a diabolização do mundo se encontra longe do pensamento de Jesus. O mesmo João de quem aprendemos que os discípulos de Jesus “não são do mundo”, antes se constituem em objecto do ódio do mesmo mundo, por quem o Salvador não quis orar, esse mesmo João aponta o mundo como objecto do amor de Deus: “Deus amou de tal modo o mundo, que lhe deu o Seu Filho Unigénito” (Jo. 3, 6). E quanto à relação entre o mundo e os discípulos nunca se deve esquecer a súplica de Jesus: “ Não Te peço que os retires do mundo, mas que os livres do Maligno” (Jo. 17, 15). Donde se conclui que fugir do mundo não tem sentido como caminho de vida generalizado a todos os que acreditam em Jesus. Fugir do mundo é caminho específico de alguns que, desse modo, se constituem em testemunhas e sinal do termo final para que tende a caminhada dos homens. Para a generalidade dos cristãos, o mundo é o domicílio que habitam e a sua função é continuar aí o trabalho de Deus que “mandou o Seu Filho ao mundo, não para o julgar, mas para que, por Ele, o mundo alcance a salvação” (Jo. 3, 17). De resto, diabolizar o mundo seria uma forma larvar de maniqueísmo, considerando como más as realidades criadas que são obra de Deus e das quais a Bíblia refere que receberam de Deus um atestado de bondade: “Deus, vendo tada a Sua obra, considerou-a muito boa”. (Gen. 1, 31) O que está em curso no desenvolvimento da História é esta obra de salvação do mundo que há-de culminar no construir da Cidade de Deus. Salvar o mundo, na missão confiada aos cristãos, é tarefa que não pode ficar limitada à salvação da alma dos homens. Para além deles, mas existindo para eles, estão todas as realidades terrestres: materiais, económicas, culturais, sociais, científicas, tecnológicas…É tudo isso que constitui o mundo que Deus amou e quer salvar. Desse mundo, os cristãos não podem alhear-se nem delegar nos outros a tarefa de levarem a cabo a sua construção. Pelo contrário, mais do que todos os outros, os cristãos são responsáveis sobretudo pelo sentido da construção do mundo e atraiçoam a sua missão quando, egoisticamente, se marginalizam do mundo com medo de, agindo nele, comprometerem a sal salvação individual. O que aos cristãos fica vedado é deixarem-se contaminar pelos pseudo valores e contravalores que o pecado segregou no mundo e que tantas vezes parecem dominá-lo. Aquilo que aos cristãos fica vedado não é o amor do mundo, mas a tentação de o instrumentalizar para satisfação do egoísmo próprio. Confessemos que é muito fácil cair nessa tentação. Parece-me mesmo que é a extrema frequência com que os homens sucumbem a essa tentação que justifica os alertas dos evangelhos contra os perigos do mundo. O egoísmo como regra de utilização das realidades terrenas ou de acção sobre elas, esse é que é o espírito do mundo que angustia os ascetas. O mundo amado por Deus, criado por Deus, querido por Deus, esse é apenas o campo de trabalho oferecido à acção dos cristãos, convidados a continuarem nele a obra de Deus iniciada na Criação.
J. Tomaz Ferreira